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Estadão Conteúdo

'Nosso tênis é existencial': como Cynthia Arcas Borghy criou uma cleantech regenerativa de tênis

Fundadora da Arcas Bear, marca de calçados sustentáveis com operação no Brasil e nos EUA, aposta em inovação, inclusão e consciência ambiental para ressignificar o mercado de sneakers

7 abr 2025 - 09h40
(atualizado às 11h28)
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Fire Energy Arcas Bear
Fire Energy Arcas Bear
Foto: Arcas Bear/Estadão / Estadão

Ela sempre começou pelo pé. Antes mesmo de entender de moda ou mercado, Cynthia Arcas Borghy, fundadora da startup Arcas Bear, já sabia que sapatos eram a sua linguagem. "Me perguntavam: 'que boneca você quer?' E eu respondia: 'quero sapato'. Sempre comecei a me vestir pelo pé", relembra.

Hoje, sua marca é uma cleantech de tênis regenerativos, com sede no Brasil e nos Estados Unidos, que vem ganhando notoriedade pela proposta inovadora, sustentável e inclusiva. Em entrevista ao Sneakerverso/ Estadão, Cynthia fala sobre origem, propósito, tecnologia e como um simples par de tênis pode ser um manifesto.

Você sempre esteve ligada ao universo dos calçados. De onde vem essa relação tão íntima com os sapatos?

Acho que isso vem de outra vida. Sempre amei sapatos. Quando era pequena, me perguntavam "qual boneca você quer?" e eu respondia "quero sapato!". Sempre comecei a me vestir pelos pés.

E quando veio o estalo para transformar essa paixão em algo maior?

Foi em 2016, quando meu filho tinha seis anos. Estávamos na Califórnia e, um dia, eu abri o chuveiro enquanto conversava com ele. Ele ficou bravo por eu ter deixado a água aberta — me disse: "Água é um recurso limitado, mãe, vai acabar". Aquilo mexeu comigo. A Califórnia tem uma consciência muito forte sobre sustentabilidade, carros elétricos... E isso me levou a olhar com outros olhos o que eu fazia.

Você já atuava na indústria de moda naquela época, certo?

Sim, vinha da área de compras da C&A e sempre curti moda, lançamentos, novidades. Estava desenvolvendo uma linha de sapatos infantis. Mas o que meu filho falou me bateu diferente. Eu já via muito desperdício e greenwashing no setor. Entrava numa loja e via bolsas feitas de casca de maçã, coisas que, na prática, não faziam sentido. Faltava algo concreto.

E daí nasceu a Arcas Bear?

Antes de tudo, fui estudar. Entrei num processo de aprendizado em educação ambiental e regeneração. Quis seguir esse caminho que a escola do meu filho já apontava. Foi assim que desenvolvi um tênis totalmente reciclável. Fiz a patente na Suíça, e o projeto começou a ganhar destaque. No ano passado, fomos selecionadas como startup pelo governo brasileiro para participar do Web Summit. Hoje, a Arcas Bear é uma cleantech de tênis, e isso me enche de orgulho.

A marca tem uma estética forte, mas também muito embasamento técnico. Como foi o desenvolvimento do produto?

O MVP nasceu na Califórnia, o que ajudou muito por ser um lugar vanguardista nesse tipo de produto. Nosso tênis é feito com materiais termo-adaptáveis, que não queimam a pele. A ideia é que pareça que o pé está dentro de um travesseiro. Ele absorve o suor, não deixa o pé molhado. Tanto que eu recomendo até usar sem meia, para sentir o tato dos pés e o movimento dentro do tênis — é um reencontro com os pés, com o chão. Faz esse grounding, e você reaprende a usar seus tendões como deveria.

Cynthia Arcas Borghy, fundadora da Arcas Bear
Cynthia Arcas Borghy, fundadora da Arcas Bear
Foto: Arcas Bear/Estadão / Estadão

Você estudou o corpo humano para criar o calçado?

Sim. Quanto mais você estuda o impacto dos tênis no corpo, mais percebe os efeitos colaterais que eles causam. Então fui entender o posicionamento dos dedos, do calcanhar, como o pé se acomoda. Isso tudo está na construção do nosso tênis.

E você trouxe um conceito sem gênero desde o início. Por quê?

Sempre me incomodou como os tênis femininos eram cheios de frufrus. Para ter algo mais austero, tinha que pagar caro. Desde o início, a proposta foi romper com isso. Nosso tênis é existencial. Ele pensa. Pensamos primeiro no impacto — na vida da pessoa e depois no planeta. A pergunta é: vamos virar lixo ou novos recursos?

Como a economia circular e o upcycling entram nessa equação?

Acreditamos muito em ressignificar. A cadeia produtiva pode usar nossos resíduos em outras indústrias. Isso se tornou essencial pra mim e pra marca. Inicialmente, íamos produzir em Portugal, mas hoje fazemos tudo no Brasil, o que permite mais foco e controle.

Aurora Energy Arcas Bear
Aurora Energy Arcas Bear
Foto: Arcas Bear/Estadão / Estadão

E como é a produção no Brasil em comparação com outros países?

Nunca vi uma cadeia de produção como a brasileira. A matéria-prima, o conhecimento técnico... O brasileiro combate a mesmice. Usamos materiais desperdiçados, como o coco, que quase não tem aplicação. Também selecionamos fornecedores com critério — um deles, por exemplo, recicla os tecidos por cor, o que economiza água. Isso tudo vem daquele primeiro insight do meu filho.

A Arcas Bear também tem uma pegada plant-based, certo?

Sim, isso faz parte do nosso estilo de vida. E levamos isso para o produto. É uma bandeira que levantamos. A comida vegana, o plant-based, tudo está conectado com a forma como enxergamos o mundo.

Como é competir com marcas que produzem em larga escala, com margens maiores?

É desafiador. As grandes marcas produzem na China, no Vietnã. Nós produzimos no Brasil, com materiais mais caros e duráveis. Isso tem um custo, mas o resultado tem sido maravilhoso. O público entende o valor. Nosso ticket médio não é tão alto, mas não é barato para os padrões brasileiros, e mesmo assim vemos muito interesse de pessoas de classes mais baixas em nosso tênis por conta da proposta e da diferenciação. Isso cria senso de comunidade.

Andromeda Galaxy Arcas Bear
Andromeda Galaxy Arcas Bear
Foto: Arcas Bear/Estadão / Estadão

Vocês também vêm ganhando destaque internacional. Como tem sido esse reconhecimento?

Voltamos recentemente da London Fashion Week, onde fomos a única marca brasileira no calendário oficial. Fizemos um desfile com a Bullock Inclusion que celebrou a inclusão e a diversidade — inclusive com participação de pessoas com deficiência. Também já passamos pela Copenhagen Fashion Week, Sustainable NYFW e a California Fashion Week. Fomos eleitas pela Vogue Itália como "Talento Vogue do Futuro". No Brasil, participamos da Rede Mulher Empreendedora, temos certificação da APEX e até parceria com a Chandon, que calça sua equipe com nossos tênis nos eventos nacionais.

Quais são os próximos passos da Arcas Bear?

Estamos desenvolvendo uma linha infantil para este ano, o que é um grande desafio. E já investimos em novas silhuetas, porque embora a história da marca seja forte, o produto precisa atrair. Tem que chamar atenção, tem que vestir bem. Quero trazer um acabamento com mindset japonês — precisão, respeito e sensibilidade.

A marca também traz narrativas únicas dentro de cada modelo, certo?

Sim. Cada tênis conta uma história. Tudo tem nome e está conectado aos cinco elementos, incluindo o espaço. É uma maneira de manter a filosofia presente em tudo. Para mim, design é alma. E alma tem que andar com propósito.

Estadão
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