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Enem 2019: 'Estou de luto pela sua derrota' e outras camisas 'intimidatórias' de cursinhos que causam polêmica

Enquanto cursinhos dizem que camiseta com frases de efeito é uma forma de motivar e identificar alunos, alguns estudantes acham que há uma tentativa de intimidar.

8 nov 2019 - 19h50
(atualizado em 12/11/2019 às 16h47)
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Camisa usada em 2019 por alunos de cursinho de Cuiabá repercutiu nas redes sociais
Camisa usada em 2019 por alunos de cursinho de Cuiabá repercutiu nas redes sociais
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

Quando o estudante Gabriel Gonçalves, de 19 anos, entrou na sala para fazer a prova do Enem no domingo (03/11), ele contou sete pessoas vestidas com camisetas que tinham a frase "Tenho redação nota mil garantida".

Aluno de uma escola estadual de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, ele conta que a sua primeira reação ao deparar com o recado foi de "intimidação".

"Eu já estava muito ansioso, claro, e aí quando vi aquilo, inconscientemente aumentou ainda mais a minha ansiedade. Eu respirei fundo, contei até três, e fui me acalmando", conta o jovem, morador da pequena Pradópolis.

A situação não é incomum. Em diversos locais de provas do Brasil, estudantes de colégios e cursinhos preparatórios para o vestibular vestem a camisa — literalmente — na hora das provas.

Nas últimas semanas, o assunto voltou a ser debatido nas redes sociais, após relatos de alguns estudantes, a maioria de escola pública, que acham que há uma tentativa de desestabilizar outros "concorrentes".

O que incomoda estes alunos são as camisas estampadas com frases de efeito, como "Em luto… pela sua derrota", "passo porque sei", "eu posso, eu passo" ou "sua vaga é minha".

A discussão da internet também chegou aos ambientes escolares. A estudante Carolina Sobral, de 18 anos, levou a questão para sala de aula e a outros colegas.

Para psicóloga, estratégia não faz bem para a ansiedade de alunos
Para psicóloga, estratégia não faz bem para a ansiedade de alunos
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

No primeiro dia de prova, ela usou a camisa do cursinho que faz, no Recife: "O curso foi muito importante para mim, porque me ajudou num momento muito difícil, de depressão, ansiedade, então quis usar pra me sentir bem", conta.

A pernambucana, entretanto, conta que toda a discussão a levou a refletir sobre a desigualdade de oportunidades na educação brasileira.

Neste ano, cerca de 5 milhões de brasileiros se inscreveram para o Enem, que teve a segunda etapa realizada com provas de ciências da natureza e matemática no último domingo, 10. Desses, cerca de 1,1 milhão estudam em escolas públicas e outros 1,9 milhão são ex-alunos da rede pública ou bolsistas integral na rede privada, segundo dados do Inep, que organiza a prova.

Autoconfiança

Entre as camisas que foram compartilhadas nas redes sociais como "intimidatórias", está a do cursinho Genius, de Cuiabá (MT). Durante este ano, foi usada uma camiseta preta com a frase "Estou de luto..." na parte da frente e "... pela sua derrota", na parte de trás . O modelo mais recente traz "Relaxa... no próximo ano, o Genius te passa".

Aluno da instituição, João Sperança, de 18 anos, diz que a polêmica acontece todos os anos nas redes sociais, mas defende a escolha dos estudantes em usar a peça: "Para mim, a camisa aumenta nossa moral. A gente usa para se sentir melhor, e não na intenção de diminuir os outros".

O estudante matogrossense, que passava mais de 12 horas por dia no curso, conta que criou relações de "família" com seus colegas e que, para ele, o uso das camisas também forma um laço ainda maior durante a prova.

Para professor de cursinho de Fortaleza, camisa serve para motivar os estudantes
Para professor de cursinho de Fortaleza, camisa serve para motivar os estudantes
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

A "tradição" também acontece em outras cidades do país, como Fortaleza. O professor Dawison Sampaio, supervisor do curso de pré-vestibular do Farias Brito, um dos maiores da capital cearense, esclarece que o uniforme faz parte da história das instituições e serve para identificar quem são os estudantes nos locais de prova.

"É uma forma de desejar um bom exame, incentivá-los. É motivacional para os meninos", esclarece sobre a camisa estampada com a slogan "Eu posso, eu passo".

À BBC News Brasil, o dono do curso Genius, Gilmar Avarenga, disse que as frases têm a finalidade de "empoderar os alunos no dia de prova" porque ele "precisa ser melhor do que uma parte considerável de seus concorrentes" e que as camisas também são parte uma estratégia de marketing para atrair novos estudantes.

Alvarenga disse ainda que não teve intenção de diminuir qualquer pessoa e pediu "desculpas, caso alguém tenha se sentido ofendido".

Para a psicóloga Dulce Penna Soares, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em orientação profissional e com atuação na área estudantil, a estratégia não é a mais apropriada nesse momento tão importante na vida dos estudantes.

"Esse tipo de motivação pode funcionar para um, mas com certeza não funciona para outro. Cada pessoa é diferente e não há motivação que venha de fora para dentro."

Soares também ressalta que usar frases intimidatórias é "adoecedor". "É uma prática que, ao invés de ajudar, torna mais difícil a situação. Está fazendo isso atingir os outros, mas não necessariamente o aluno se sente confiante daquele jeito", diz.

'Time de futebol'

"Parece time de futebol, todo mundo com a camisa querendo dizer 'meu time é melhor'", resume a estudante Nadine Gomes, de 18 anos, sobre os dias de prova do Enem em Ribeirão Preto.

Estudante da rede pública, ela precisou sair do emprego que tinha para complementar a renda da família para se dedicar aos estudos neste ano e tentar uma vaga em física médica na universidade pública.

Apesar de achar que alguns estudantes usam as camisas para a intimidação, ela defende a liberdade de usá-las.

"Este assunto é muito presente no meu meio. Tem gente que se sente triste, como alguns amigos que tiveram menos oportunidades que eu, mas nada vai me fazer achar que não vou passar por causa disso", conta a jovem, que se apoia na formação em cursinhos populares e no projeto Salvaguarda, em Ribeirão.

Em meio à discussão, após ouvir argumentos dos dois lados, a pernambucana Carolina diz que não vai mais usar camisa de curso nas próximas provas: "A gente precisa ter empatia pelo que os outros sentem e passam", justifica ela, que usou, no último domingo, uma blusa com a frase "Nada pode parecer impossível de mudar".

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