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"Dar comida aos pobres é saudável", diz Lasier Martins

Senador eleito pelo RS, pedetista diz que Pedro Simon (PMDB) não acreditava na própria eleição e que Olívio Dutra (PT) não apresentou grandes realizações

24 out 2014 - 16h43
(atualizado às 16h56)
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Conhecido como jornalista do Grupo RBS há mais de 27 anos, Lasier Martins teve fácil aproximação com o público
Conhecido como jornalista do Grupo RBS há mais de 27 anos, Lasier Martins teve fácil aproximação com o público
Foto: Ascom do candidato / Divulgação

Estreante na política partidária, o jornalista Lasier Martins (PDT) venceu a eleição ao Senado no Rio Grande do Sul após deixar para trás dois adversários de peso: o senador Pedro Simon (PMDB) e o ex-governador Olívio Dutra (PT). Lasier, 72 anos, se filiou ao PDT no ano passado, com foco na eleição. Para isso, se desligou do Grupo RBS, onde trabalhava como jornalista há quase 28 anos. Ao PDT, condicionou sua candidatura ao fim da aliança que o partido mantinha com o governador Tarso Genro (PT).

Na corrida ao Senado, teve em Olívio Dutra (PT) o principal adversário, e marcou seus discursos por duras críticas à presidente e candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT). No decorrer da campanha, em função de suas posições, chegou a se indispor com companheiros de partido. E, na reta final, recebeu apoios informais de lideranças do PMDB e do PP (cuja candidata era a empresária Simone Leite), que indicaram o chamado “voto útil” em Lasier, como forma de impedir a eleição do candidato petista. No segundo turno, ele abriu o voto para José Ivo Sartori (PMDB) na disputa ao governo do Estado e apoia Aécio Neves (PSDB) para a presidência.

Nesta entrevista concedida ao Terra, Lasier fala da disputa com os petistas, de como foi derrotar dois ícones da política gaúcha,  e de como pretende atuar no Senado. Confira os principais trechos.

Terra - Quem é Lasier Martins?

Lasier Martins

- Como diria o Mario Quintana, sou eu. Um profissional que trabalhou a vida inteira, 53 anos mais exatamente, na imprensa. Também advoguei entre 1966 e 1989. Deixei a advocacia em 1990, a pedido, recomendação ou quase orientação do presidente da empresa (o Grupo RBS). Fiz várias Copas, todo tipo de cobertura em rádio, viagens de governadores, presidentes, a pré-guerra do Golfo no Oriente Médio. Recebi muitos prêmios. E aprendi muito política, porque nos últimos 10 ou 12 anos fiz muita crônica política, entrevistas e debates. Sempre tive uma ideia de um dia entrar na política, porque gostava muito.

Terra - Você recebeu muitos convites? Por que decidiu agora?

Lasier Martins - Há 32 anos recebi o primeiro convite, do Pedro Simon, que me convidou para concorrer a deputado estadual. Achei melhor continuar no que eu fazia. Depois, várias vezes, fui convidado para deputado federal. Nos últimos 12 anos, muito para senador. Agora achei que estava na hora porque meus comentários não produziam maiores efeitos. Cheguei à conclusão de que, para render alguma coisa, para modificar alguma coisa, tinha que estar dentro. E vim para uma campanha dura. Afinal de contas, enfrentei dois ex-governadores experientes, apoiados por duas poderosas forças. Por isso, pelas adversidades que enfrentei, considero a vitória muito significativa.

Terra - Como é derrotar duas figuras históricas da política gaúcha? Ao que você atribui isso?

Lasier Martins

- Sempre tive muita confiança em mim. Atribuo à marca da minha profissão, como crítico, onde sempre mantive a coerência, sempre uma vida muito transparente, sem ‘rabo’. Eu sabia que tinha boas possibilidades. Arrisquei e deu certo. Andei muito, participei de muitos debates e entrevistas. Já vinha me preparando, porque há 10 anos já fazia palestras. Agora vou enfrentar tudo o que der e vier.

Olívio Dutra foi o principal adversário de Lasier na disputa pelo Senado
Olívio Dutra foi o principal adversário de Lasier na disputa pelo Senado
Foto: Ascom PT / Divulgação
Terra - Mas, para você, quais as causas da sua vitória?

Lasier Martins

- O eleitorado gaúcho entendeu que o doutor Simon já havia feito o que lhe cabia fazer. E de fato para mim vai ser muito honroso representar um homem da estatura moral e parlamentar dele. Eu votei nele mais de uma vez. Mas, com 84 anos, ele deixou implícito que já havia feito o que tinha que fazer. Tudo na vida é cíclico. O Olívio, entendo que foi rejeitado por ter afugentado grandes investimentos para o RS. Poderíamos ser hoje um Estado muito mais rico se ele tivesse uma outra ideia. Ele foi nocivo para o desenvolvimento do Estado e isso foi levado em conta pelo eleitorado e rejeitado.

Terra - O embate com Olívio Dutra foi o mais difícil?

Lasier Martins

- O Simon parece que não acreditava muito. Não queria concorrer. Acabou concorrendo porque foi muito exigido pelo Sartori para dar força a campanha dele, Sartori. E ele também aceitou uma insistente provocação da Marina (Silva). Por isso, não chegou a dar maiores problemas. Agora o Olívio foi um concorrente muito duro, que sempre procurou me jogar em uma situação de defensor dos empresários, do capital, coisa que não corresponde à realidade. Eu venho de família humilde, sempre fui trabalhador, comecei de baixo, o meu pai era um trabalhador comum, só que fervoroso trabalhista. Por isso escolhi o PDT. E porque é o partido da educação. Entendo que a educação é o ponto de partida para se desenvolver uma sociedade, uma nação.

Pedro Simon também chegou a anunciar sua aposentadoria, mas acabou voltando para a disputa depois que seu indicado, Beto Albuquerque (PSB), deixou o pleito para ser vice de Marina Silva
Pedro Simon também chegou a anunciar sua aposentadoria, mas acabou voltando para a disputa depois que seu indicado, Beto Albuquerque (PSB), deixou o pleito para ser vice de Marina Silva
Foto: Fernando Teixeira / Futura Press
Terra - De quantos partidos você recebeu convites enquanto atuava como jornalista?

Lasier Martins

- Primeiro do PMDB. Depois do Zambiasi (o ex-senador Sérgio Zambiasi, que foi colega de Lasier no Grupo RBS), do PTB. Recebi várias vezes convite do PP. Também do PSDB. E do PDT, várias vezes.

Terra - Dos grandes partidos, faltou só o PT.

Lasier Martins

- É, eu nunca simpatizei muito também com as ideias do PT. Ainda mais na deterioração que sofreu nos últimos anos.

Terra - De onde vem esse antagonismo?

Lasier Martins

- Fui um crítico forte do PT a partir do mensalão. Aquela história de o Lula nunca ter visto nada nunca me convenceu. O PT tinha toda a chance de ter uma vida limpa e transparente. A gente logo percebeu que pró-homens fortíssimos do PT desviaram para a corrupção. Aquilo me deixou muito indignado, porque o Brasil é um país pobre, um país rico de muita gente pobre. E, por fim, o maior escândalo da história do Brasil, com a Petrobras, lavagem de dinheiro, propinas, contratações superfaturadas. O povo brasileiro não merece uma gestão assim, que não tem fiscalização. Por isso uma das atividades primeiras que pretendo exercer no Congresso é de vigilância permanente com relação à destinação do dinheiro público. Não é possível um país de gente pobre ter tanto esbanjamento. Se, por um lado, o ‘Minha Casa, Minha Vida’ e o ‘Bolsa-Família’ são projetos sociais respeitáveis, o governo nunca levou muito a sério a educação. E os projetos sociais, ao mesmo tempo em que são benéficos, são demagógicos, porque é uma maneira de se manter no poder.

Terra - A diferença não é ideológica?

Lasier Martins

- Pode ser, porque o PT tem um perfil socialista. Realmente, dar comida aos pobres é saudável. Mas antes deles o governo Fernando Henrique já tinha o ‘Bolsa-Escola’, que era muito mais produtivo. Porque consistia de dar comida para os estudantes de escolas públicas do Brasil e, quando os pais dos estudantes não tinham recurso, podiam comer na escola. Isso tinha duplo efeito positivo. Recomendava aos filhos estarem sempre estudando, porque tinham alimentação gratuita. E os pais também se alimentavam. Eu achava muito mais produtivo. O ‘Bolsa-Família’ tem efeito, acho que deve continuar, e o Aécio parece que vai continuar. Mas ele de certo modo tornou cativo o eleitor, basta ver que a maior parte da votação da Dilma está nas regiões pobres. Assim como aqui no RS a maior votação do Olívio está nas vilas populares. Eu enfrentei, eu visitei as vilas também, e percebi que lá ele tinha mais votos do que eu porque dava a impressão de que eu não tinha a mesma proposta. Acontece que o Olívio vinha de um governo que faz esta generosidade.

"O Bolsa-Família tem efeito, acho que deve continuar", afirma o senador eleito
"O Bolsa-Família tem efeito, acho que deve continuar", afirma o senador eleito
Foto: Luiz Munhoz/Ulbra TV / Divulgação
Terra - Os petistas fazem questão de apontar diferenças ideológicas com você.

Lasier Martins

- É, fazem. Mas eu não tenho nada a ver com essa elite que ele (Olívio) alegou. Eu não sou elitizante nunca. Penso em trabalhar muito no Senado pela fiscalização dos recursos públicos, pela diminuição de gastos, continuar sendo um crítico do Rio Grande que gasta mais do que arrecada. Verificar por que não foi regulamentada a Lei Kandir. E, por outro lado, há uma discriminação inaceitável, de o Rio Grande do Sul arrecadar mais tributos federais e receber bem menos do que arrecada. É uma política Robin Hood, do tempo em que o Rio Grande do Sul era rico e tinha que ajudar os estados pobres. Isso passou. O nosso Estado degringolou.

Terra - Você concentrou o voto antipetista?

Lasier Martins

- Eu nos debates desde o início levantei a questão da Ford (a polêmica envolvendo a montadora Ford durante o governo de Olívio Dutra) porque as pessoas têm memória curta. Eu reavivei algumas realizações do Olívio. Quando ele esteve no Ministério das Cidades, também não fez uma boa gestão para as cidades gaúchas. Tanto é que foi o primeiro ministro do governo Lula a deixar o ministério. Ele saiu saído. E como deputado federal ele não deixou nenhuma marca de projeto lá.

Terra - Quais serão seus projetos no Senado?

Lasier Martins

- A dívida tem que ser repactuada. O indexador é muito pesado e a questão dos valores (devidos e já pagos) merece uma auditoria. Acho que o governo vai acabar alongando a dívida com um novo contrato. Mas, seja através de um alongamento, seja com a mudança do indexador, o acordo vai permitir que o Estado retome o direito de buscar novos empréstimos, que é a única maneira de arranjar dinheiro. O governo Tarso esgotou a capacidade de endividamento. E arrecadar mais sem aumentar impostos não existe. Por outro lado, a repactuação vai permitir que a gente procure negociar a redução da prestação. Também vou olhar de perto para a prometida por lei redistribuição dos royaltes do petróleo. Isto vai ajudar muito aquilo que é a bandeira número um do partido (o PDT), a educação.

Terra - Você pretende apresentar algum projeto?

Lasier Martins

- Quero ver como estão os outros projetos, mas vou entrar com um novo de reforma política.

Terra - Vai?

Lasier Martins

- Mas claro, porque senti na pele a diferença entre ser novo e tentar entrar na política e enfrentar a máquina daqueles que já estão na política. Quem já está na política e permanece no poder tinha que ser afastado, pedir afastamento até três meses antes do pleito. Porque, senão, eles ficam usando, até o dia da eleição, aviões, helicópteros, automóveis, assessores, diárias. A dona Dilma estava na Bahia fazendo caminhada em horário de expediente até a igreja do Bonfim. À tarde estava viajando para Alagoas e, no final da tarde, para o Sergipe. Ora, ao invés de estar trabalhando, sem se licenciar, está fazendo campanha. Isso é ilegal. Os nossos candidatos ao governo que estavam no poder continuam no poder, viajando, os deputados...

Terra - Você sentiu dificuldade mesmo já sendo tão conhecido no Estado?

Lasier Martins

- Quem concorreu ao Senado era mais conhecido do que eu, não é? Dois governadores mais conhecidos do que eu e com mais experiência administrativa. Então, não gosto quando invocam “Ah, você deve a sua eleição a aparecer na televisão.” Eu não acredito. Então, por que outros se candidatam e não ganham? Eu fui um dos raríssimos comunicadores que se elegeu. Tem um mundo aí que concorreu e não se elegeu. É preciso ter, mostrar algum conteúdo. Em uma reforma política, eu entendo que as coligações devam ser disciplinadas de modo que apenas o partido principal tenha repercussão para uso do rádio e televisão. Com isso se evita que os partidos de aluguel se acerquem do partido maior para garantir empregos. Que esse negócio do empreguismo é uma praga. Isso desvirtua completamente o fim partidário. Também sou da opinião de que não haja o financiamento público, mas sim a contribuição por pessoa física com limitador e mais o fundo partidário.

Terra - Sem financiamento de empresas e sem financiamento público?

Lasier Martins

- Exatamente. Porque aí vão os verdadeiros brasileiros que têm ideais de espírito público e não aqueles que têm interesse de ir para a disputa gastando fortunas que a gente fica intrigado de como é que vão se reembolsar.

Na disputa pelo senado, Lasier Martins marcou seus discursos por duras críticas à presidente Dilma
Na disputa pelo senado, Lasier Martins marcou seus discursos por duras críticas à presidente Dilma
Foto: Ascom do candidato / Divulgação
Terra - Em Porto Alegre, no primeiro turno, houve muita reclamação sobre o desperdício com cavaletes e propaganda de rua.

Lasier Martins

- Os poucos cavaletes que tive eram jogados fora. Houve muita deslealdade. Determinado partido aí ele coloca os deles, rasga e derruba os dos outros. E onde tem essas pessoas pobres, esses moradores de rua..., ganham um trocado para destruir. Eu tive uma campanha modesta. Dos quatro principais candidatos ao Senado eu tive a pior arrecadação. Não recebi nada nem de empreiteira e nem de banco. Eu fiz uma campanha com R$ 580 mil; a dos outros foi de R$ 2 milhões para cima. Tem candidato aí que gastou R$ 4 milhões na campanha.

Terra - E além do projeto da reforma política?

Lasier Martins

- Tem que trabalhar na reforma tributária, mas ter uma relação muito íntima com o pacto federativo, tão falado. Tem que haver mais dispersão de recursos por parte da União, que concentra tudo lá. E aí acaba se transformando em um governo imperial como foi antigamente, e que provocou a Guerra dos Farrapos. A situação não é muito diferente daquele tempo. Porque tudo que é imposto vai pra lá, e os estados e municípios a míngua, cada vez com mais ônus e menos bônus.

Terra - Para a educação, o que você pretende fazer no Senado?

Lasier Martins - O primeiro fator é pagar melhor os professores, como fez a Coreia do Sul. Um dos fatores foi porque o estado coreano passou a remunerar bem. Hoje o salário mínimo de um professor na Coreia é R$ 4 mil (convertido). E o teto da carreira pode chegar a R$ 14 mil. Nós temos aqui o máximo que pode chegar é R$ 4 mil no fim de carreira. E R$ 1,5 mil, R$ 1,8 mil no início. É muito importante fiscalizar os recursos do pré-sal, fazer uma grande revisão do currículo porque os currículos estão muito ultrapassados, valorizando as novas tecnologias. Reformar escolas. E convencer que educação se faz com a participação dos pais, como se vê nos países adiantados.

Terra - Há como fazer isto no Senado?

Lasier Martins - Mexendo na legislação.

Terra - Especificamente, seu papel será mais de fiscalização então?

Lasier Martins

– É. Fiscalizando recursos. O principal do Senado é rigor no acompanhamento do direcionamento do dinheiro público. Eu pretendo - acho que vou ser muito austero -, em qualquer gasto suspeito requisitar para que o gestor daquela verba venha ao Senado prestar contas nas comissões.

Terra - Algumas pautas referentes a direitos foram muito debatidas na eleição neste ano: a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a descriminalização da maconha e do aborto. Como você se posiciona sobre cada uma? 

Lasier Martins

- A respeito dos gays, sou a favor da união estável, respeito e reconheço o direito legítimo de os gays conviverem juntos, buscarem a sua felicidade pela opção. Apenas tenho restrições a confundirem com sacramento. Sou católico e acho que os sacramentos devem ser respeitados. O casamento pode ser na área civil, a união estável, mas não se confunda isso com religião. Com relação às drogas, sou contra a legalização. Isto estimularia muito as pessoas menos esclarecidas. Está comprovado cientificamente que a droga, seja a maconha, abre caminho para drogas mais pesadas, é nociva para o cérebro, vai destruindo áreas do cérebro, principalmente a da vontade. Com relação a aborto, entendo que desde a concepção já se forma um novo ser e que só pode ser destruído nas hipóteses já previstas na lei: para salvar a vida da mãe, ou em casos de estupro. E no caso dos anencéfalos. 

Fonte: Terra
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