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Análise: Um outsider paradoxal

Eduardo Paes segue despontando como favorito em todas as projeções de 2º turno, sem precisar acenar para o bolsonarismo, nem para a oposição

15 nov 2020 - 05h10
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O Rio de Janeiro é o berço do bolsonarismo. Em 2018, o capitão reformado obteve cerca de 60% dos votos ainda no 1.º turno da eleição. Era portanto de se esperar que o presidente se empenhasse em eleger um prefeito do Rio à sua imagem e semelhança. No entanto, até o momento, não há sinais de que Luiz Lima, o único autêntico candidato de extrema-direita, repetirá o fenômeno Wilson Witzel - que, aos 45 minutos do segundo tempo, passou de desconhecido a vencedor nas últimas eleições para governador. Luiz Lima é um fiel aliado do presidente e comunga da mesma visão de mundo. Como explicar então que Bolsonaro não esteja empenhado publicamente em elegê-lo?

O ex-prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM)
O ex-prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM)
Foto: Divulgação / Estadão

A sustentação que recebe da segunda maior emissora de televisão e da Igreja Universal do Reino de Deus vem acompanhada da cobrança de um dízimo. No caso, o apoio envergonhado a Marcelo Crivella, um prefeito impopular.

Curiosamente um fenômeno análogo acomete a oposição. Sua grande aposta é uma elogiadíssima ex-chefe da polícia civil que articula o discurso da ordem a partir de um campo progressista. Embora, eleitoralmente, essa estratégia de sincretismo político faça sentido, ela significa também abdicar da construção de uma visão alternativa de cidade.

O fato de os progressistas preferirem a delegada Martha Rocha a Benedita da Silva ou Renata Souza, duas mulheres negras e vindas da favela, é também o resultado de quatro décadas onde o pragmatismo sempre prevaleceu. Desde 1982, as esquerdas no Rio se dobram à governabilidade: Brizola com o Chaguismo, o PT em suas alianças pouco republicanas com Garotinho e com Cabral. A governabilidade é nociva para a mobilização. Ela enfraquece a paixão dos bolsonaristas e impede as esquerdas de construírem um horizonte alternativo. Quando, em um contexto de crise, os políticos abandonam a ideia de futuro, só resta ao eleitor se refugiar no passado.

Eduardo Paes lidera e segue despontando como favorito em todas as projeções de 2º turno, sem precisar acenar para o bolsonarismo, nem para a oposição. Retrato do político profissional, daquele que sempre compôs grandes coalizões, Paes encarna paradoxalmente um novo tipo de outsider. Aquele que na ausência de promessas de futuro, é o único capaz de trazer o passado prometido de volta.

* CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR VISITANTE DA UNIVERSIDADE DE COLUMBIA

Estadão
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