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Professor da USP é demitido após denúncias de assédio sexual

Claudio Lima de Aguiar, da Esalq, foi exonerado após 'reiteradas práticas de assédio' contra alunas. Comissão apurava acusações desde 2019

30 dez 2021 - 16h16
(atualizado às 16h46)
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O reitor da Universidade de São Paulo (USP), Vahan Agopyan, demitiu o professor Claudio Lima de Aguiar, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), por "reiteradas práticas de assédio sexual e moral" contra alunas. Ele acatou recomendação da comissão processante que, desde 2019, vinha apurando as denúncias. Oito pós-graduandas da Esalq, todas orientandas ou ex-orientandas dele, acusam Aguiar de condutas abusivas em depoimentos ricos em detalhes, segundo a Associação de Docentes da USP (Adusp).

Prédio do edifício central da Esalq Usp em Piracicaba Gerhard Waller/Esalq/USP
Prédio do edifício central da Esalq Usp em Piracicaba Gerhard Waller/Esalq/USP
Foto: Gerhard Waller / Esalq USP

A exoneração foi publicada no Diário Oficial do Estado no último dia 22. O professor foi procurado pelo Estadão e não havia dado retorno até a publicação da reportagem. A USP confirmou a demissão do docente de seus quadros, acatando parecer da Congregação da Esalq.

Engenheiro químico, Aguiar era professor do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição (LAN) da Esalq, campus de Piracicaba, interior de São Paulo, e exercia a função de coordenador do programa de pós-graduação em Microbiologia Agrícola. Conforme a Adusp, os abusos remontam a 2016 e estão relatados de forma minuciosa em depoimentos que descrevem "condutas sistemáticas de assédio sexual, constrangimentos, xingamentos machistas, homofóbicos, humilhações públicas e abusos de poder".

Segundo divulgação da Adusp, os relatos enviados às comissões dão conta de que o professor procurava se mostrar amigável e solícito com as alunas, mas, com o passar do tempo, adotava condutas abusivas que envolviam "proximidade física e contatos indesejados, inclusive beijos no rosto e, frequentemente, toques em parte do corpo". Durante as reuniões, o docente pedia para as alunas se sentarem mais perto e desviava o assunto, fazendo comentários invasivos sobre a vida pessoal, "perguntando e insinuando aspectos da intimidade das vítimas". Em alguns casos, ele tocava os corpos das alunas, muitas vezes nas coxas e nas barrigas e, quando estas reagiam, dizia coisas como "calma, eu sou casado".

Em depoimento ao jornal O Globo, uma das vítimas contou que Aguiar era seu orientador de mestrado e, em março de 2016, a convidou para uma reunião a sós em sua sala. Ela sabia que o professor tinha costume de se fechar no recinto com suas orientandas e assediá-las, mas não teve como evitar o encontro. Assim que entrou na sala, Aguiar pediu que trancasse a porta e se sentasse à mesa. A orientanda pretendia mostrar como andava seu projeto de dissertação, mas o professor insistiu em fazer massagem nela.

"Quando ele colocou a mão por dentro da minha blusa e abriu meu sutiã no meio da sala, eu travei os braços e mandei ele parar. Fechei meu notebook e fui embora. Quando cheguei em casa e fui tomar banho, me esfregava de tanto nojo que sentia de mim mesma", disse, segundo O Globo. O episódio a traumatizou, fez com que não confiasse mais em homens e trouxe dificuldades para seu relacionamento com o marido, segundo o jornal.

Outra aluna de mestrado contou ter sido apalpada na coxa pelo orientador, que também fez comentários acerca de seu corpo. Foi ela quem abriu a queixa contra Aguiar em 2019, após ter manifestado a intenção de abandonar o mestrado. "Ele me chamava de gostosa várias vezes na frente de outras pessoas. Uma vez ele me perguntou no meio de uma reunião se já fui paquerada no ponto de ônibus, e eu respondi que não. Aí ele disse: 'se eu te paquerasse, você me daria bola?' Aquilo me deixava muito desconfortável. Parecia que eu era uma fantasia para ele", disse, de acordo com a publicação feita por O Globo.

Outra estudante foi assediada pelo coordenador antes mesmo de ser oficialmente aceita no programa de pós-graduação. Ao saber da inscrição da jovem para o mestrado na Esalq, ele a adicionou no Facebook e pediu uma entrevista informal com ela por um aplicativo. "Essa entrevista não estava no edital. O resultado nem tinha saído ainda. Achei estranho porque ele ficou perguntando se eu tinha namorado, se eu era casada, indagações que não faziam sentido algum." Após aceitar ser orientada de forma informal, tornaram-se comuns os convites para cafés e passeios de carro, com apalpadas pelo corpo.

Em outro depoimento, uma denunciante contou ter sido chantageada sexualmente após ter recebido ajuda do orientador para conseguir uma bolsa de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ela contou que, após ter conseguido o auxílio federal, Aguiar se aproximou e cochichou em seu ouvido: "não foi de graça". Segundo a investigação, o professor costumava se dirigir a estudantes usando termos como "gayzinho", "preta", "gorda" e "burra".

Ao tomar conhecimento do caso envolvendo uma das vítimas, o então presidente da pós-graduação, Fernando Luis Cônsoli, a convenceu a abrir uma denúncia contra o docente. Outras alunas se juntaram à denúncia. Os depoimentos iniciais resultaram na abertura de um processo administrativo disciplinar em que as denunciantes e o acusado foram ouvidos formalmente. O caso passou por uma comissão sindicante e, depois, pela comissão processante.

Em novembro, após examinar o parecer da comissão processante, a Congregação da Esalq recomendou a demissão do professor por 62 votos a favor e três abstenções. Em março de 2020, Aguiar já havia sido afastado da função de coordenador de pós-graduação.

Para o professor Mauro Moruzzi Marques, diretor regional da Adusp em Piracicaba, a decisão da congregação é histórica. "Trata-se de uma mudança de mentalidade, significando um sinal de superação de posturas machistas e permissivas em razão da hierarquia universitária. Por outro lado, a representação estudantil alcança uma vitória importante neste embate", avaliou. Ele acrescentou que a decisão foi uma conquista obtida pela coragem das mulheres que levaram a denúncia adiante.

Estadão
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