Por que a prática é essencial na formação dos professores: 'Salto de qualidade'
Especialistas discutiram a qualificação de docentes no País em 'meet point' promovido pelo 'Estadão'
Para além da formação teórica continuada, a prática é essencial no preparo de uma docência de qualidade, defenderam especialistas durante o meet point "Quem quer ser professor?", promovido pelo Estadão, nesta quinta-feira, 25. "Ninguém imagina um médico sendo formado distante do hospital", resumiu Barbara Born, diretora do Centro de Estudos Aplicados em Práticas de Ensino e Aprendizagem (Ceapea)/Instituto Península.
Segundo ela, há um entendimento de que a prática é menor e desintelectualiza o professor, quando, na verdade, colocar a mão na massa é um dos traços únicos da profissão. "O salto de qualidade que falta na formação do professor e que vai se refletir na aprendizagem dos alunos na sala de aula virá quando a gente entender que, para ser alguém bom na prática, tenho que ter um entendimento profundo dela. Tem muita teoria nessa prática bem feita, mas ela não está dissociada de ir lá colocar a mão na massa, de ser técnica e estratégica."
Com mediação de Renata Cafardo, repórter especial e colunista do Estadão, o meet point contou ainda com a presença de Luis Paulo Martins, gerente de ensino superior e diretor da Faculdade Sesi de Educação, e Nicole Paulet, diretora do Laboratório de Educação.
Nicole ressalta a necessidade do conhecimento curricular do professor ganhar vida na experiência prática em uma profissão extremamente complexa. "Uma situação de sala de aula, de interação contínua com crianças diversas, que trazem a cada dia uma novidade, para o bem ou para o mal, em termos de desafio e de potencialidade, exige um domínio desses conteúdos, mas exige uma transformação disso na prática, de organização de tempos, espaços e agrupamentos."
É importante observar ainda que cada área do conhecimento traz desafios práticos particulares, que precisam ser conhecidos de maneira profunda pelo professor para que esse profissional seja capaz de planejar, usar ferramentas adequadas e trocar com pares e formadores experientes. "Esse contexto de troca a partir do que se aprende só através da prática é muito importante, porque não basta só a gente cuidar do que se ensina no contexto de uma sala de aula da pedagogia ou mesmo de uma formação continuada. O que o professor faz precisa, sim, de um apoio e de um contexto do coletivo."
A formação deve incluir um modelo de residência educacional desde o primeiro dia de aula, como acontece na faculdade Sesi, sugere Martins. "É um modo que a gente teve de transformar essa formação de professores, trazendo a prática para a discussão da academia, porque nessa formação que hoje a gente tem, até os desafios da própria legislação dos documentos e a cultura acadêmica instalada no Brasil, a gente tem muitas discussões, muito conteúdo acadêmico e teórico, mas a prática, às vezes, fica à sorte do profissional."
A recente mudança regulatória que não permite mais cursos de licenciatura e Pedagogia 100% a distância (EAD) é vista como um avanço por Born, ao demonstrar a valorização da agenda dos professores pelo Ministério da Educação (MEC). A diretora do Cepea pondera, no entanto, que a novidade precisa ser integrada às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). Isso porque, a depender do entendimento da legislação do decreto, a presencialidade dos cursos pode ser reduzida ao estágio supervisionado.
"Tem um trabalho que está na mão do CME (conselhos municipais de educação), que é garantir o que a gente está falando de 50% do curso presencial mais o estágio supervisionado", esclarece Born. "Porque o desafio do desenvolvimento das habilidades práticas desse professor, não se dá apenas na construção do conhecimento, mas na vivência, na experiência de aprendizagem que ele tem na sua licenciatura."
Avaliação docente
A prática também deve estar presente na avaliação dos professores, defenderam os especialistas. Por isso, instrumentos como a Prova Nacional Docente (PND) devem servir como uma "primeira fase" para avaliar o conhecimento sobre o ensino e o conhecimento pedagógico do conteúdo, permitindo que as redes usem outras etapas, como entrevistas e provas práticas, para capturar outros elementos.
"Muitas provas de concurso estão avaliando conhecimentos muito genéricos, que não dizem nada sobre o que o professor sabe que é importante para uma sala de aula. Mas eu posso, por meio de teste de múltipla escolha, inferir se esse professor entende como um aluno raciocina matematicamente", pondera Born.
Já sobre a avaliação da carreira dos professores em exercício, os especialistas defendem o uso de maneira formativa e sistêmica. "É importante focar principalmente na prática desse professor, na relação dele com os estudantes, o quanto esse professor de fato utiliza as avaliações da aprendizagem para redirecionar o seu planejamento de ensino", diz a especialista.
Para Paulet, a avaliação de professores, mesmo os ingressantes, não deve ser vista apenas como uma avaliação do indivíduo, mas do sistema de formação docente, e de como melhorá-lo para garantir mais qualidade à aplicação curricular na sala de aula.
"Estamos avaliando o sistema como um todo, que conduz ou não a uma prática mais reflexiva, uma prática de estudo e de planejamento consistente", reflete a diretora do Laboratório de Educação, que tem aplicado essa perspectiva no Estado do Maranhão. "A gente está vendo que metade dos professores agora está lendo para as crianças todo dia, a outra metade não. Então, o que a gente vai fazer para que aquela outra metade também leia?"
Dessa forma, a resistência dos professores ao instrumento também tende a diminuir. Afinal, se a avaliação individual for usada para direcionar a formação continuada e não apenas para punir ou conceder bônus - o que, segundo os especialistas, não tem evidência de melhorar a aprendizagem das crianças -, o professor passa a acolher o processo.
O debate ainda abordou como o docente deve lidar com temas contemporâneos que atravessam a escola, como bullying, polarização política, redes sociais e racismo. Nesse sentido, Martins aponta que o professor precisa ser um profissional que pesquisa permanentemente a sua prática e olha para os fenômenos contemporâneos de uma perspectiva científica e de construção de conhecimento. "Estar preparado 100%? Não vai estar. Mas a formação inicial precisa oferecer ferramentas para que esse professor continue pesquisando", defende. "É preciso ser um professor que olha para a sua prática de forma crítica todos os dias."
Programação
Na próxima segunda-feira, 29, das 9h às 16h30, a programação do "Educação em Transformação" terá um ciclo de debates no Museu do Ipiranga, em São Paulo. As vagas são limitadas e é preciso se inscrever pelo site.