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De qual professor a escola precisa na era digital?

Formar docentes para o uso da tecnologia deve ser parte de uma ampla estratégia nacional, em colaboração com as redes de ensino

21 ago 2023 - 06h00
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Formar docentes para o uso da tecnologia deve ser parte de uma ampla estratégia nacional, em colaboração com as redes de ensino
Formar docentes para o uso da tecnologia deve ser parte de uma ampla estratégia nacional, em colaboração com as redes de ensino
Foto: iStock

Passado mais de um semestre de novos governos, tanto no nível federal quanto nos estados, uma série de políticas e estratégias relevantes vem sendo discutidas para o avanço da qualidade e equidade na educação pública. Tivemos o lançamento de políticas nos campos da alfabetização, ensino integral e educação profissional e tecnológica, além de expectativas com a área de tecnologia. Para que, de fato, evoluam e se reflitam em melhoria da aprendizagem, todas essas áreas têm em comum a importância de garantir que os professores estejam preparados e tenham as condições adequadas para colocá-las em prática em todas as etapas. 

Diversas pesquisas apontam que a qualidade de um sistema educacional não será superior à qualidade de seus professores, seja estudando os achados do professor Hanushek, de Stanford, seja entendendo relatórios globais da McKinsey ou ensinamentos de Paulo Freire. No entanto, ao passo que a essência da centralidade do professor não muda, a função do profissional requerida hoje pela sociedade é muito diferente do que necessitávamos antes.  

Vivemos em uma sociedade digital, em constante e rápida transformação. Com os avanços da Inteligência Artificial, as definições do papel e das aspirações dos seres humanos mudarão, como descrito em um livro recente chamado “A era da IA e o nosso futuro como seres humanos”, de Eric Schmidt, Daniel Huttenlocher e Henry Kissinger. Tudo indica que essas mudanças serão cada vez mais velozes, disruptivas e menos previsíveis. Isso acontece ao mesmo tempo em que ainda existe uma enorme desigualdade social e econômica no Brasil e no mundo. É nesse ambiente tão complexo quanto repleto de oportunidades que educaremos as nossas crianças e jovens.  

Diante da incorporação urgente do ensino remoto pela pandemia de covid-19, os docentes se reinventaram e foram capazes, onde havia infraestrutura, de utilizar a tecnologia principalmente para manter o vínculo dos alunos com a escola. Também vimos que passaram a enxergá-la como uma aliada, como mostram levantamentos realizados pelo Instituto Península e pela Nova Escola ao longo daquele período.  

No entanto, experimentamos, na maior parte, a digitalização de processos de ensino analógicos, mas não a inserção qualificada da tecnologia, com todas as suas possibilidades. O período emergencial tornou evidente o quanto a conexão por si só é insuficiente para explorarmos o seu potencial em sala de aula. Sem a devida capacitação digital de estudantes e educadores, é possível criar até mesmo uma resistência ao uso das ferramentas, o que limita os recursos pedagógicos e dificulta ainda mais o exercício da cidadania. 

O relatório Diagnóstico do Nível de Adoção de Tecnologia nas Escolas Públicas Brasileiras (2022), realizado pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb), a partir do Guia Edutec e participação de docentes de 104 mil escolas, mostrou que, em uma escala de letramento digital para fins pedagógicos – considerando 5 o nível mais alto e 1 o mais baixo –, os professores consultados se identificam com o nível 2, mesmo após a pandemia.  

Isso significa que, apesar de identificarem a relevância dos recursos digitais como suporte ao ensino, os docentes ainda estão em um estágio inicial de conhecimento, acesso e aplicação das tecnologias para seu desenvolvimento profissional, para inovações nas práticas pedagógicas, bem como na abordagem de temas sobre cidadania digital com seus alunos.  

Evidentemente, a precariedade da infraestrutura tecnológica nas escolas e a baixa implementação do ensino sobre tecnologia e computação nos currículos no Ensino Fundamental, na contramão das diretrizes da Base Nacional Comum Curricular, são fatores que pesam nesse contexto. Contudo, na minha visão, o maior desafio passa pela formação e apoio aos educadores, para que consigam fazer um uso intencional e envolver os alunos na aprendizagem, extraindo tudo de mais vigoroso que as ferramentas digitais têm a oferecer.  

O investimento em formações específicas para os professores da rede pública foi, inclusive, apontado como ação prioritária pela pesquisa Tecnologias Digitais nas escolas municipais do Brasil: cenário e recomendações, feita em parceria entre a Fundação Telefônica Vivo, o Cieb e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Também foi pauta central nas discussões do Global Education Monitoring Report, da Unesco, realizado no Uruguai, com a presença de ministros de estado, especialistas e educadores do mundo todo.  

Formar docentes para o uso da tecnologia deve ser parte de uma ampla estratégia nacional, em colaboração com as redes de ensino de todo o país. Além disso, é importante passar pela complexa discussão sobre uma reformulação da formação inicial que articule teoria e prática, considerando também o contexto de digitalização pelo qual passamos. Um plano nacional à dimensão humana de ressignificação da formação dos professores para um novo contexto, certamente, terá um impacto muito maior com o potencial que a transformação digital pode aportar na vida dos alunos brasileiros. 

Lia Glaz Diretora-presidente da Fundação Telefônica Vivo. Formada em Administração Pública pela FGV-EAESP e com mestrado na área de Desenvolvimento Econômico e Político pela SIPA-Columbia University. Na Fundação Telefônica Vivo, já liderou a área de Educação, promovendo iniciativas inovadoras e o uso de tecnologia para apoiar o desenvolvimento de crianças e jovens. As opiniões da colunista não representam a visão do Terra.
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