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Professor de Columbia: agenda ideológica travou o MEC

Fundador de centro de inovação nos EUA fala em 'cem dias perdidos' e apela para que ministro ouça técnicos da área

23 abr 2019 - 03h11
(atualizado às 12h58)
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Desde o início da gestão Jair Bolsonaro, o Ministério da Educação (MEC) protagonizou uma "guerra cultural" no governo - de obrigatoriedade para alunos cantarem o Hino Nacional à revisão do golpe de 1964 em livros de História - e a segunda demissão no primeiro escalão do governo federal. Professor da Escola de Educação da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, o brasileiro Paulo Blikstein alerta que o aprendizado dos alunos foi esquecido no debate.

Um dos fundadores de um centro de empreendedorismo e inovação educacional, com foco em iniciativas brasileiras, Blikstein diz que há uma "falsa dicotomia" entre gastar muito com educação e gastar melhor. Para o professor, não é preciso escolher entre um e outro. Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Blikstein.

O prédio principal do Ministério da Educação, em Brasília
O prédio principal do Ministério da Educação, em Brasília
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado / Estadão Conteúdo

O que a indicação do ministro Abraham Weintraub, com experiência na área de Previdência, indica para o futuro da pasta?

Infelizmente, por enquanto as indicações foram quase todas fora da área de educação. Um gestor genérico vai precisar de seis meses para começar a entender gestão educacional, então isso equivale a andar mais devagar. Se o ministro trouxer, para o resto da equipe, pessoas de fato com experiência em gestão da educação pública, talvez as coisas andem.

O ministro precisa interromper a agenda ideológica que parou o MEC por 100 dias e começar a agenda do aprendizado. O MEC é um dos ministérios mais complexos do governo e exige gestão especializada. É necessário conhecer a escola, a universidade, as redes municipais e estaduais.

O sucesso do ministro vai depender, ironicamente, de deixar-se de lado as bandeiras da campanha. Um ministro inteligente começaria em outro tom, mostrando que é diferente. Espero que seja o caso.

Quais riscos a paralisação do MEC nos primeiros 100 dias do governo traz para os desafios do Brasil na área, como a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no fundamental e a reforma do ensino médio?

O MEC é um ministério de ações de longo prazo. Foram 100 dias perdidos que teríamos, por exemplo, para implementação da BNCC, para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), para todos os programas do MEC, que não vão existir, não vão voltar nunca mais. Há ministérios em que, por exemplo, se uma ponte fica pronta três meses depois, tudo bem. No MEC, não. Ele é regido pelo calendário escolar. Esses 100 dias são uma coisa enorme, principalmente no ano de reestruturação do currículo nacional.

Em vez de ouvir planos estruturantes de longo prazo nesses 100 dias, ouvimos que os adolescentes não têm de receber educação sexual - essencial para o seu bem estar e saúde -, que o professor tem de andar armado, que o livro de História tem de ser revisto, que a escola tem de ser militarizada. Só factoides e ações sem embasamento empírico, sem dados, sem evidência. O desafio do ministro é parar com esse negócio. Não é isso que se espera do MEC. O que se espera do MEC é um programa de longo prazo e execução, com competência, desses programas.Senão, há um sério risco de desorganização profunda do sistema, e quem paga a conta são os nossos alunos.

É possível um consenso entre educadores e os seguidores da ideias de Olavo de Carvalho?

Opiniões divergentes são importantes na democracia. É ótimo a gente ter todas as vozes no debate, a gente não tem de silenciar nenhuma opinião. Se o Olavo de Carvalho e os seguidores dele têm opinião, eu acho que eles têm de ser ouvidos.

A agenda dos seguidores do Olavo de Carvalho e dele mesmo, apesar de ter seu lugar no debate nacional, não fala diretamente sobre o aumento da aprendizagem. É uma agenda que talvez fale de outras coisas. Se o foco (do ministro) é aumentar a qualidade da Educação, não é a agenda que ele tem de ouvir. Ele tem de olhar os especialistas, os pesquisadores, as pessoas que entendem de Educação, e é daí que tem de vir a agenda.

Tem que usar a pesquisa empírica, dados, evidências, as melhores práticas. O último ministro desprezou tudo isso.

A educação básica brasileira lida com problemas crônicos de abandono de alunos e notas baixas em avaliações nacionais e internacionais. Quais países já enfrentaram esses problemas de forma bem sucedida no mundo? O que pode servir de inspiração para o País?

Esses testes internacionais não são os únicos indicadores de qualidade. Há muitos países em que os alunos vão bem em testes, mas são profundamente infelizes. Odeiam a escola, têm alto índice de suicídio infantil. Os testes são importantes, claro, mas não queremos ser um país onde todo mundo só estuda para testes.

Antes até de comparar com outros países, nós temos de olhar para as experiências que deram certo no Brasil, como o Ceará e a cidade de Sobral. No Ceará, por exemplo, os municípios que melhoram a educação recebem mais dinheiro do Estado. Acho isso uma excelente ideia, e não vejo porque isso não está no Brasil todo. É um exemplo de algo que dá certo no Brasil.

Em termos internacionais, nenhum país resolve o problema da educação sem elevar o status da profissão de professor. E isso não é só salário. É o apoio à formação dos professores. Por exemplo, na Finlândia, a formação tem quatro ou cinco anos, toda financiada pelo governo. Só os melhores do ensino médio são selecionados (para a Licenciatura).

E também envolve as condições de trabalho na escola. Parece óbvio, mas são três coisas importantíssimas: bom salário, boa formação e boas condições de trabalho.

Além disso, a gente tem de entender no Brasil que dar aula é uma profissão, não é hobby. É uma profissão com plano de carreira, que tem conhecimentos técnicos. A gente tem de fazer tudo isso.

Os países que têm melhor educação tratam o professor como um herói nacional. É isso que a gente deveria fazer.

Essas melhores práticas internacionais estão em consonância com a discussão das bases curriculares para o ensino básico no País? O MEC deveria seguir o caminho que foi traçado até agora?

O MEC deveria seguir o caminho que foi traçado até agora, principalmente seguir com a implementação da BNCC. Apesar das suas limitações, ela faz parte de uma política de estabelecimento de um plano mínimo de ensino garantido a todos os alunos do Brasil.

Esse é um ótimo objetivo. Mas eu pensaria na BNCC como um projeto de longo prazo. Países que fizeram projetos semelhantes demoraram de 5 a 10 anos para colocar o documento em prática, e tiveram vários ciclos de redação.

O que é perigoso no Brasil é a nossa tendência a achar que leis e documentos viram realidade de uma hora para outra.

Qual a principal diferença entre o Brasil e outros países da Organização para a Cooperação para o Desenvolvimento Econômico, a OCDE, que o presidente usa como exemplo quando o assunto é financiamento da educação?

O gasto por aluno no Brasil aumentou, mas ainda é pequeno. Além da diferença de nível de gasto por aluno, com o Brasil investindo entre duas e três vezes menos por aluno na educação básica do que a média da OCDE, temos um problema de desigualdade neste investimento. O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) reduziu muito a desigualdade, mas ainda pode ir mais longe.

Além disso, precisamos voltar a olhar para a escola pública como o grande projeto brasileiro. Na maioria dos países da OCDE, o rico e o pobre vão para a mesma escola pública. Isso faz com que a sociedade como um todo queira melhorar a educação pública. No Brasil, estamos caminhando para um cenário de escolas de elite que vivem em bolhas de século 21 e escolas públicas que não conseguem sair do século 19. É uma desigualdade obscena.

O presidente Jair Bolsonaro já disse que o problema da educação no País não passa pelo montante de recursos que a área recebe, e sim pela forma como o dinheiro é gasto. O que o senhor pensa sobre isso?

Há uma falsa dicotomia entre o nível e a qualidade do investimento. É uma falácia dizer que temos dinheiro suficiente, que ele é só mal gasto. São as duas coisas: é preciso ter mais investimento e precisa ser de qualidade.

Segundo a OCDE, o custo do aluno brasileiro é de 3,5 mil dólares ao ano, contra 12 mil nos EUA. As estatísticas mostram que para os países que investem menos de 8 mil dólares, há um ganho enorme em investir mais. Quem gasta abaixo de US$ 8 mil dólares por aluno, ganha muito em investir mais. A partir de R$ 8 mil, o ganho é marginal.

Nós estamos a menos da metade desse patamar crítico. Precisamos investir muito mais. Nessa faixa atual, nós vamos talvez ultrapassar (nos rankings educacionais) a Turquia, o México, o Cazaquistão, mas não vai chegar no nível da Europa. O Brasil é a oitava economia do mundo, e não pode ter a 30ª melhor educação. A gente tem de ser ambicioso nisso.

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