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México. O PRI: A Serpente Emplumada

8 ago 2018 - 18h02
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“O mexicano não que ser nem índio, nem espanhol. Tampouco quer descender deles. E não se afirma nem como mestiço, senão como uma abstração: é um homem. Torna a ser um filho do nada. Ele começa com ele mesmo.”

Octavio Paz – El labirinto de la soledad, 1950

A capital dos astecas e sua grande pirâmide
A capital dos astecas e sua grande pirâmide
Foto: Gravura de Ignacio Marquina / Reprodução

Na belíssima e sagrada cidade de Tenochtitlán, enfiada no Lago de Tezcucan, a mais de 2,2 mil metros de altitude, em meio às montanhas mexicanas, repousava a teocalli, a colossal pirâmide-fortaleza dos astecas. Ela era o símbolo da autoridade suprema do Uei Tlatoani, “aquele que fala”, o chefe absoluto do império.

Hernan Cortés e sua gente, que lá chegaram em 1519, impressionaram-se com a rigorosa hierarquia daquela espantosa capital do reino dos índios... “Parecia”, disse Bernal Díaz del Castillo, o cronista da conquista, “ as coisas de encantamento que se encontram no livro de Amadís...aqueles que a viam, imaginavam uma coisa de sonhos”. Ninguém dos nativos ousava mirar Montezuma nos olhos. Afinal, não fazia muito, em consideração às festividades do entronamento recente dele, sacrificaram milhares de vítimas a Huitchipochtli, o  Marte dos mexicanos, o seu deus da guerra. Um homem capaz de matar tanta gente assim não podia sentir-se desafiado por um ser humano qualquer.

A extensão do poder

Na pirâmide do sacrifício humano
Na pirâmide do sacrifício humano
Foto: Gravura asteca / Reprodução

Daquela cabeça coroada partiam as linhas que a ligavam a uma quantidade enorme de repúblicas, de tribos e clãs, espalhadas por todo o México, dos desertos do Arizona à península do Yucatán, e que lhe deviam respeito e obediência. Os historiadores estimam que aquela admirável estrutura de poder já existia há mais de três séculos quando os conquistadores espanhóis trataram de arrasá-la. Porém, por mais que lhe abatessem os templos, que lhe destruíssem a exótica estatuária, nem mesmo os invasores escaparam da vocação hiper-centralista que herdaram. Findo o Império Asteca, sumiu o poder do Tlatoani. Imperou no seu lugar o todo-poderoso vice-rei da Nova Espanha. Foram-se os cerimoniais de sacrifício humano, onde os sacerdotes nativos arrancavam do corpo da vítima o seu coração ainda latejando. Substituí-os o crepitar das fogueiras do Santo Ofício da gente do Inquisidor Alonso Manso. Os mortos é que eram sempre os mesmos: o índios mexicanos.

Outras formas políticas

Por mais que os mexicanos tenham, nesses cinco séculos, esperneado e se revoltado contra tal passado de sacralização do poder e de espargir de sangue, eles, como a lendária Serpente Emplumada que todos pensam morta, sempre encontram um modo de voltar à vida. A sagrada pirâmide de teocalli, como fênix, está pronta para erguer-se das cinzas. Sempre centralista, sempre autoritária e mandona.

Depois da Independência da Espanha, alcançada em 1821, tentaram de tudo: império, república, e novamente um império (entre 1861-67, governou-os Maximiliano, um príncipe austríaco, amparado por Napoleão III). O país, que teve quarenta governantes em quarenta anos, mergulhou numa anarquia e num banditismo que só Dom Porfirio Díaz, à bala e a relho, o resgatou da desordem. Os rurales - a tropa de elite e também o esquadrão da morte a cavalo da ditadura -, impuseram a Pax Porfirista (1876-1910) com muita pólvora e nó de forca.

Mas ai de quem pensou que o México encontrara sua paz perpétua. Lá duas nações nascidas da brutalidade da conquista convivem num estado de tensão permanente. De um lado a grande chingada: a massa dos nativos destituída de tudo e de todos (parece que só a Virgem de Guadalupe olha por eles). Do outro, os guachupines: os descendentes dos espanhóis da conquista, que são os donos de tudo, do ar, da terra e do mar. No meio deles, um demiurgo de mestiços - a tão estimada "raça cósmica" de Don José Vasconcelos -, inclinado-se para um ou para o outro lado, de acordo com as conveniências do momento.

A revolução de 1910

La trinchera
La trinchera
Foto: Mural de Orozco / Reprodução

Em 1910 um novo desacerto. Um guachupin, Don Francisco Madero, tentou desalojar Don Porfírio, o filho da chingada. Foi um deus-nos-acuda. Com dedicação e afinco, com espantoso ódio e muita faca em riste, os mexicanos mataram-se sem parar por quase vinte anos seguidos. Não houve barbarismo que não ousassem cometer. Fossem eles porfiristas, maderistas, villistas, zapatistas, carranzistas, obregonistas, delahuertistas ou cristeros, a linguagem que falavam, atiçada pela tequila, era a mesma: a dos fuzilamentos em massa, das degolas, dos cachos de enforcados, dos estripamentos e estupros, dos saques e roubos, enfim, toda aquela anarquia que o demônio sempre gosta de ver e ouvir.

Uma festança de balaços e de canhonadas ensandeceu o México inteiro. O que fez com que os sobreviventes, ao se encerrar a Grande Matança por volta de 1929, se predispusessem, fosse qual fosse a classe social que pertencessem, a aceitar a canga do partido único.

O Partido Revolucionário Institucional

Plutarco Calles, o fundador do PRI
Plutarco Calles, o fundador do PRI
Foto: Reprodução

O Partido Nacional Revolucionário, rebatizado em 1946 de Revolucionário Institucional (o que é um contra-senso em termos), fundado por Plutarco Elias Calles em 4 de março de 1929, foi a nova pirâmide teocalli erguida pela Revolução de 1910. No topo dela cabiam os caciques regionais, os fazendeiros, os empresários, os ricaços, os militares, os tecnocratas e os intelectuais. No seu sopé, os chefetes dos pueblos indígenas, os pobres diabos dos ejidos, os sindicalistas e os coisa-nenhumas dos subúrbio. Até Cantinflas e Maria Félix eram priiristas. E, claro, Miguel Aceves Mejías e seus mariachi cantando o eterno cucurrucucu paloma! Desta vez, naquele imenso partido, estavam presentes gentes de todas as raças mexicanas.

Uma super-máquina partidária abarcou o país integralmente. Erguia-se a partir dos bairros, dali chegava aos quase 2.000 prefeitos municipais, aos 31 governadores de estado e, finalmente, ao Senhor Presidente no Palácio de Los Pinos na Cidade do México. Tudo funcionando azeitadamente por meio de eleições periódicas, nas quais a oposição, quando existia, não ousava vencer.

A ditadura perfeita

Na construção desse impressionante edifício político – que Vargas Llosa chamou de “a ditadura perfeita” - estava sempre o Jefe Máximo, a versão republicana, laica e moderna, do Uei Tlatoani asteca, “o único que fala”. Ora aquela grande pirâmide partidária inclinava-se ideologicamente à esquerda (General Cárdenas, López Portillo), ora à direita (Miguel Alemán, Gustavo Dias Ordaz). Porém, na maioria das vezes, aprumou-se numa posição centrista. O que trocava de seis em seis anos era o construtor-chefe da interminável construção. Mas a forma arquitetônica dela era sempre a mesma. Antecedeu o tão anunciado desabamento do PRI, o Duelo dos Alacranes, a briga dos escorpiões graúdos da agremiação, que faz pouco vitimou dois dos seus mandachuvas (José Ruiz Massieu e Luís Donaldo Colosio foram assassinados em 1994). Pois agora o símbolo do nacionalismo mexicano do século XX adernou. A grande pirâmide priista foi abalroada por ninguém mais do que um ex-diretor da Coca-Cola, o Dom Fox, e, tudo indica, irá ser demolida lentamente, por la mañana!

As Eras Políticas do México (1200-2000)

Períodos Formas de governo
A Era dos Astecas (1200-1521) O Império do Tlatoani, com sede na cidade de Tenochtitlán, que submetia todas as 20 tribos indígenas à sua autoridade
A Era da Nova Espanha (1521-1821) O Vice-Reino dos conquistadores com sede na Cidade do México
A Era Porfirista (1876-1910) A ditadura republicana de Dom Porfírio Diaz – a Paz Porfirista
A Era do PRI (1929-2000) A ditadura perfeita, a máquina partidária-estatal do Partido Revolucionário Institucional,  emergida da Revolução de 1910, com sede na Capital Federal

Gravuras: Jesús Silva Herzog – Breve Historia de la revolución mexicana, México, FCE; G.C.Vaillant – La civilizacón azteca, México, FCE

Veja também:

Pinturas rupestres do Peruaçu:
Fonte: Voltaire Schilling
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