Cientistas veem risco de nova onda com chegada de variante
Com 20% da população imunizada, País pode ser propício à cepa, que é mais contagiosa; pesquisadores pedem rastreamento, vigilância e isolamento de infectados
A rapidez com que o número de registros de covid-19 provocados pela variante Delta se multiplicou no Rioe a identificação de casos em cada vez mais Estados brasileiros chamou a atenção de cientistas, que temem uma nova onda da epidemia provocada pela cepa indiana. No Brasil, já são 122 pacientes com diagnóstico da nova cepa, mas especialistas acreditam que o número pode ser maior, diante das dificuldades de vigilância genômica.
Identificada originalmente na Índia, a Delta é mais transmissível que as demais variantes do novo coronavírus. Tornou-se predominante em praticamente todos os países do mundo em que entrou. É o caso dos Estados Unidos e de parte da Europa. No Brasil, acreditava-se que ela poderia ser bloqueada pelo fato de a cepa predominante no País ser a Gama (identificada originalmente em Manaus). De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a Gama é uma "variante de preocupação", tão potente quanto a indiana. Mas o salto no Rio, que concentra 84 dos casos confirmados no País, acendeu o alerta.
"Não podemos relaxar; precisamos rastrear os casos e os contatos, isolar as pessoas, reforçar a vigilância epidemiológica e genômica, manter as medidas de isolamento e uso de máscara, e ampliar a vacinação", enumera a presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Gulnar Azevedo e Silva, professora do Instituto de Medicina Social da UERJ. "Se nada disso for feito, corremos o risco, sim, de termos uma quarta onda."
Apenas uma dose não é suficiente para 'barrar' a Delta
Estudos mostram que a Delta é mais transmissível que as demais cepas, mas não necessariamente mais agressiva. Cientistas ressaltam que a variante se espalhou em países onde boa parte da população já está vacinada. Isso poderia explicar o baixo número de internações e mortes. Já se sabe também que apenas a primeira dose de um imunizante pode não ser suficiente para barrar a infecção. É complexo prever como a Delta se comportaria no Brasil, que tem menos de 20% da população imunizada com as duas doses.
"É difícil avaliar porque não temos nenhum outro país com a mesma situação epidemiológica do Brasil para comparar", afirmou o virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul. "Os países europeus tiveram medidas de controle muito mais rígidas e estavam com a vacinação mais avançada."
Segundo o especialista, o ideal é tentar evitar, pelo maior tempo possível, a transmissão comunitária da Delta no Brasil. É muito provável, porém, que ela já esteja circulando no Rio e em São Paulo.
"Temos de fazer a identificação dos casos, rastrear os contatos, mesmo os assintomáticos, quarentenando as pessoas", disse Spilki. "Ainda dá pra fazer isso. Quando estivermos com centenas ou milhares de casos, não será mais possível."
Presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Flávio Guimarães, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), acha cada vez mais difícil fazer previsões sobre a pandemia. Mas avalia que ainda é possível que a predominância da variante Gama no País impeça a disseminação da Delta.
"Nossas fronteiras são tão ou mais porosas do que a dos outros países, claramente já fomos expostos à Delta", pondera. "Se ela ainda não é predominante é porque algo a está impedindo."
Guimarães chama atenção também para o fato de que o Rio é o Estado que faz o maior número de sequenciamentos genéticos do vírus. São 800 amostras por mês, em média. Essa peculiaridade pode criar uma percepção alterada da presença da Delta.
"Temos que esperar mais um pouco para tentar entender se esse aumento é pontual e não se sustenta ou se a variante vai mesmo se espalhar", afirma o virologista. "Os números ainda são muito tímidos para chegarmos a qualquer conclusão."
Contra nova cepa, Estado do Rio autorizou redução no intervalo entre doses de imunizante
A Secretaria estadual de Saúde do Rio autorizou, na semana passada, que municípios reduzissem o intervalo entre as doses da AstraZeneca de 12 para oito semanas. A medida é uma forma de ampliar a imunização e evitar a entrada da nova variante.
Em nota divulgada nesta segunda-feira, 19, a secretaria frisou a necessidade de que as pessoas voltem para tomar a segunda dose do imunizante. Informou ainda que "independentemente da cepa do vírus ou linhagem, as medidas de prevenção e métodos de diagnóstico e tratamento da covid-19 seguem os mesmos". E ainda: "Sendo assim, não há alteração nas medidas sanitárias já adotadas, como uso de máscaras e álcool em gel, lavagem das mãos e distanciamento social".
O Ministério da Saúde informou que "os casos e seus respectivos contatos são monitorados pelas equipes de Vigilância Epidemiológica e Centro de Informações Estratégicas em Vigilância e Saúde locais". E ainda que tem orientado Estados e municípios sobre as ações necessárias a serem tomadas. São iniciativas como intensificar o sequenciamento genético das amostras, a vigilância laboratorial, o rastreamento de contatos, o isolamento de casos suspeitos e confirmados.
Governo federal investe em bloqueio nas fronteiras
A estratégia do governo federal para frear o espalhamento de variantes inclui o envio de vacinas extras para Estados que fazem fronteiras com outros países. Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Rondônia já receberam doses.
Nesta semana, Acre, Amapá, Amazonas, Roraima, Pará e Santa Catarina recebem lotes para imunização dessas áreas. Em visita nesta terça a Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira com Paraguai e Argentina, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que o objetivo é criar um "cordão epidemiológico". Segundo o governo, o grupo já imunizado nessa estratégia envolve meio milhão de pessoas.
No início deste mês, Mato Grosso do Sul recebeu uma remessa de 207 mil doses da vacina Janssen, de dose única, para reforçar a proteção de 79 cidades fronteiriças. Em 13 delas, está sendo conduzido um estudo de vacinação em massa com o imunizante da Janssen.
Em maio, o ministério chegou a enviar doses extras ao Maranhão após a identificação dos primeiros casos no Brasil. Pernambuco pediu no domingo um lote adicional por causa do registro de casos entre filipinos tripulantes de um navio.