Como bloqueio naval de Trump impacta o regime de Maduro
Cerco a petroleiros na Venezuela pressiona governo chavista e economia, mas não deve causar alterações expressivas no mercado internacional de petróleo, segundo especialistas.A decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de impor um "bloqueio total e completo" de petroleiros sancionados que viajam de e para a Venezuela levantou questões sobre as consequências econômicas para o regime do presidente venezuelano, Nicolás Maduro.
Trump fez do petróleo um alvo central em sua campanha contínua contra Maduro, motivada pelas alegações de que o líder venezuelano seria responsável por um fluxo ilegal de migrantes e drogas para os Estados Unidos a partir da Venezuela.
A frágil economia venezuelana é extremamente dependente do petróleo. Se a ameaça de bloqueio de Trump se concretizar, terá implicações significativas para Caracas.
O que exatamente Trump ameaçou?
Em uma postagem no Truth Social na terça-feira (16/12), Trump afirmou que a Venezuela "está completamente cercada pela maior armada já reunida na história da América do Sul", antes de anunciar a ordem de bloqueio.
Desde o fim de agosto, os EUA vêm organizando uma grande mobilização naval pelo Mar do Caribe - uma das maiores operações navais americanas na região desde a chamada crise dos mísseis de Cuba em 1962.
Até uma dúzia de embarcações militares americanas têm operado no Caribe nas últimas semanas, incluindo porta-aviões, destróieres lançadores de mísseis e navios de assalto anfíbio.
Como funciona um bloqueio?
Um bloqueio naval é uma operação militar em que navios de guerra cercam uma determinada costa para impedir o tráfego marítimo de entrar ou sair.
A ameaça de Trump especifica "todos os petroleiros sancionados que entram e saem da Venezuela".
Na semana passada, forças dos EUA apreenderam um petroleiro na costa venezuelana. A procuradora-geral americana Pam Bondi afirmou que o navio transportava petróleo sancionado da Venezuela e do Irã. Caracas classificou a apreensão como um ato de "pirataria internacional".
Se implementado com sucesso e de forma plena, o bloqueio naval ameaçado por Trump reduziria drasticamente a quantidade de petróleo exportada pela Venezuela. No entanto, ainda não está claro quais navios seriam afetados ou como exatamente o bloqueio seria realizado.
Há também dúvidas jurídicas sobre os planos de Trump. Elena Chachko, especialista em direito internacional da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, em Berkeley, disse à agência de notícias Reuters que um bloqueio levantaria "sérias questões tanto no âmbito da legislação doméstica quanto internacional".
Apesar de muitos navios que operam com a estatal venezuelana Petróleos da Venezuela (PDVSA) estarem sancionados, há embarcações que ainda transportam petróleo venezuelano sem sofrer sanções. A gigante americana Chevron, por exemplo, recebeu licenças especiais do governo de Joe Biden em 2022 para retomar as exportações de petróleo venezuelano - o objetivo era aliviar pressões no mercado global após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Em outubro deste ano, o governo Trump concedeu nova autorização à Chevron para produzir petróleo na Venezuela, argumentando que a empresa americana era um parceiro vital para Caracas.
Como as sanções já atingiram a Venezuela?
A Venezuela depende quase totalmente do petróleo para sua receita estatal. O petróleo bruto e derivados como petroquímicos respondem por mais de 90% das exportações do país. Eles mantêm o poder do governo de Maduro, mesmo fortemente sancionado e isolado.
Especialistas afirmam que, sehouver mais apreensões de carga ou se Trump levar adiante o cerco, grande parte do petróleo venezuelano permanecerá no país, enquanto o que conseguir sair provavelmente será vendido com grande desconto.
Já há indícios de impacto: segundo a empresa de análise S&P Global Commodities Insights, o número de petroleiros viajando para a Venezuela caiu acentuadamente nas últimas semanas. Em relatório divulgado na terça-feira, a firma londrina informou que, na semana iniciada em 14 de dezembro, havia 17 navios navegando em direção ou ao redor das águas venezuelanas - contra 24 um mês antes.
O relatório também destacou que vários navios sancionados atualmente "parecem estar se afastando" das águas venezuelanas e do Caribe após a apreensão do petroleiro pelos EUA e novos anúncios de sanções.
Em 11 de dezembro, os EUA sancionaram seis companhias de navegação e seis petroleiros que operavam regularmente no setor petrolífero venezuelano, com mais sanções previstas nas próximas semanas.
A economia venezuelana suportaria o impacto?
A produção de petróleo do país já vinha em declínio nos últimos anos devido a sanções, casos de corrupção e má gestão econômica. Apesar de possuir a maior reserva comprovada de petróleo do mundo, a Venezuela tem enfrentado dificuldades crescentes para maximizar sua receita.
Durante o governo do antecessor de Maduro, o falecido Hugo Chávez, os preços e receitas do petróleo dispararam, mas vêm caindo drasticamente há mais de uma década. Enquanto Caracas chegou a arrecadar mais de 100 bilhões de dólares (R$ 552 bilhões) por ano com petróleo, hoje o valor fica em cerca de 20 bilhões de dólares (R$110 bilhões).
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia venezuelana sofreu "o maior colapso econômico de um país não envolvido em conflito em quase meio século" desde que Maduro assumiu o poder em abril de 2013.
E os mercados globais de petróleo?
Embora os preços do petróleo tenham subido mais de 1% na quarta-feira, a maioria dos analistas afirma que a ameaça de bloqueio de Trump sobre a produção venezuelana tem impacto limitado nos mercados globais.
"De modo geral, os volumes de exportação da Venezuela são relativamente pequenos na participação global. Com todas as atenções voltadas para as negociações Rússia-Ucrânia, o mercado ainda enfrenta riscos de queda", disse um operador de petróleo à Reuters.
Muyu Xu, analista sênior da empresa de dados Kpler, com sede em Bruxelas, disse à Reuters que, embora a produção venezuelana represente cerca de 1% da produção global, "a maior parte está concentrada em um pequeno grupo de compradores chineses, além de outros nos EUA e em Cuba".
Ao mesmo tempo, já há expectativas de que o mercado global de petróleo enfrente excesso de oferta no próximo ano.
Saad Rahim, economista-chefe da gigante de comércio de commodities Trafigura, disse ao jornal Financial Times no início deste mês que o mercado enfrentará um "super excesso" quando uma onda de nova oferta colidir com a fraqueza da economia global, pressionando ainda mais os preços do petróleo bruto em 2026.