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Como a cidade dos ancestrais de Trump vê a eleição nos EUA

30 set 2020 - 16h47
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A pequena Kallstadt, na região do Palatinado, é a terra dos avós paternos do presidente americano. Mas nem todos os habitantes veem essa ligação com orgulho. Durante quase quatro anos, uma pequena cidade do estado alemão da Renânia-Palatinado especulou sobre uma visita de Donald Trump. A pequena Kallstadt é a terra natal do avô paterno de Trump, Frederick (ou Friedrich), assim como da sua avó paterna, Elizabeth (nascida Elisabeth). Mas o neto nunca apareceu para uma visita.

Mas, após anos de governo caótico nos EUA e o derretimento da imagem do país mundo afora, os habitantes de Kallstadt estão desapontados ou aliviados com o fato de Trump nunca tenha visitado a cidade?

Com apenas 1.200 habitantes, Kallstadt nunca fez qualquer esforço para se promover como lar ancestral da família Trump, mas a aproximação da eleição presidencial americana voltou a fazer com que a imprensa alemã se interessasse pela cidade.

"Há sempre momentos em que as perguntas sobre Donald Trump ressurgem com mais frequência. Chega a ser irritante", conta o prefeito Thomas Jaworek (CDU).

Desde a vitória de Donald Trump, há quase quatro anos, os habitantes da cidade passaram a ser bombardeados com a mesma pergunta: "o presidente dos EUA voltou para visitar o lar de seus ancestrais?".

A apenas cinco semanas da eleição, parece claro que Trump não deve mais fazer uma visita. Será que o prefeito Jaworek está desapontado? Não parece muito. "Eu repito o que sempre falei desde o começo: se ele vier, virá, se não vier, não virá. A este respeito, não ter expectativas significa que não temos com que se decepcionar ", diz ele, de maneira diplomática.

Pelas ruas de Kallstadt, fica evidente que há poucas pessoas que ficariam animadas com a visita do presidente americano. Trump não é nada popular na Alemanha. Recentemente, uma pesquisa apontou que os alemães têm mais medo das ações do presidente americano do que de terrorismo

"O frenesi da mídia em relação à última eleição foi um fato de grande irritação para muitos habitantes. Uma visita significaria caos", diz um morador da cidade.

"E nós acompanhamos o noticiário e vemos que tipo de política o homem está fazendo. Não conheço ninguém aqui que lhe daria boas-vindas calorosas."

Terra do estômago de porco recheado

Se Trump visitasse a cidade, ele não ficaria sem o que fazer. Kallstadt é uma das cidades pitorescas ao longo da "Rota do Vinho Alemã" e oferece diferentes programas.

Quem gosta de pratos pesados pode experimentar um Saumagen (estômago de porco recheado), uma iguaria da região do Palatinado, mas é provável que ciclistas e adeptos de trilhas acabem optando por experimentar pratos mais leves.

Há restaurantes ao ar livre, hotéis em construções de madeira. Os visitantes podem ainda observar as duas casas na rua Freinsheimer onde viveram os ancestrais de Trump, que há dois séculos ainda grafavam o sobrenome como "Drumpf". No entanto, a presença de visitantes em frente às casas há muito é um pesadelo para os atuais ocupantes.

O avô de Trump cresceu em uma dessas casas modestas antes de emigrar para a América do Norte em 1885. Lá, Friedrich fez fortuna como proprietário de restaurantes, hotéis e até um bordel no Canadá, especialmente durante a corrida do ouro no território de Yukon.

Ele voltou à Alemanha em 1901, já como um homem rico, e pediu em casamento Elizabeth Christ (1880-1966), a filha de um antigo vizinho. Eles se mudaram para Nova York no ano seguinte. Em 1904, no entanto, o casal voltou para a Alemanha porque Elizabeth não havia conseguido se adaptar aos EUA. Mas a estada na Alemanha não duraria muito.

Logo após a volta do casal, as autoridades do país europeu acusaram Trump de ter migrado para a América do Norte quase duas décadas antes como forma de evitar o serviço militar alemão. Ele tentou apelar, mas acabou tendo a cidadania cassada e recebeu uma ordem de deixar o país. Os Trump acabaram voltando para os EUA em 1905, mesmo ano do nascimento do filho Fred, o pai de Donald.

Curiosamente, Kallstadt também é o lar dos ancestrais de outro notório teuto-americano, Henry J. Heinz, que na segunda metade do século 20 desenvolveu a marca de ketchup mais famosa do mundo.

Há alguns anos, a Organização Trump anunciou uma doação de 5 mil dólares (R$ 28 mil) para a restauração da fachada da igreja da cidade. Os descendentes de Heinz foram mais generosos, e doaram 50 mil euros (R$ 330 mil) para que a igreja comprasse um órgão.

Diante da irritação de alguns moradores com Donald Trump, o prefeito Jaworek tenta minimizar qualquer má impressão. "Somos um lugar hospitaleiro", diz Jaworek. "Eu acredito que a população respeitaria um eventual desejo de Donald Trump de visitar a cidade de seus avós. Os habitantes encarariam o ato como uma visita normal de um descendente de pessoas que emigraram da região do Palatinado."

"Toni Trump"

E se o avô de Trump, Friedrich, nunca tivesse deixado a Alemanha e, consequentemente, seu neto Donald tivesse crescido na Alemanha? Com esse cenário especulativo em mente, o diretor, ator e dramaturgo Alexis Bug montou uma peça de teatro nada lisonjeira chamada "Kallstadter Saukerl" (O cretino de Kallstadt). No enredo, Donald nunca se tornou uma figura pública de destaque. Em vez disso, foi batizado como Toni e acabou virando um cabelereiro.

A peça foi apresentada de maneira itinerante em várias cidades da Renânia-Palatinado e Baden-Württemberg. "Chegamos a fazer uma apresentação no Natal passado em Kallstadt", diz Bug, um nativo de Speyer, que fica a apenas 30 quilômetros da cidade ancestral dos Trump.

Segundo o autor, metade do público assistiu à peça sem esboçar um sorriso. "Os pobres coitados não sabiam como reagir. Provavelmente esperavam uma peça cômica, uma paródia de Trump. Na verdade, porém, eles acharam a personagem Toni bastante normal."

Ao final da peça, um discurso de Toni durante as festividades de Carnaval causa uma briga entre os habitantes da cidade. "Essa é uma descrição bastante precisa da presidência de Trump, na minha opinião", afirma Bug. "Primeiro um grande espetáculo. Depois, a guerra civil."

Relação difícil com a Alemanha

Ao longo dos seus quase quatro anos à frente da Presidência dos EUA, Trump adotou uma postura hostil à Alemanha em vários momentos. Ele criticou seguidamente o país europeu pela falta de investimentos em defesa e pela anuência de Berlim ao projeto do gasoduto russo Nordstream 2, visto como um risco geopolítico por Washington.

Recentemente, Trump ainda ordenou a retirada de tropas americanas da Alemanha, mesmo contra as recomendações do Pentágono. Já os alemães reagiram com desânimo diante das investidas de Trump contra o Acordo Climático de Paris e as reclamações do americano em relação à balança comercial dos dois países.

Trump visitou Hamburgo em 2017 para a cúpula do G20, mas não foi à capital, Berlim, desde que assumiu o cargo.

Já a chanceler federal Angela Merkel (CDU) visitou a Casa Branca em duas ocasiões desde que Trump assumiu a Presidência. Em uma das viagens, em 2018, ela presentou Trump com uma placa de cobre que mostra um mapa de Kallstadt e do Palatinado em 1705.

Expectativas em Kallstadt

Mas, afinal, como a cidade de Kallstadt encara as próximas eleições nos EUA? "Acho que vemos do mesmo jeito que o resto da Alemanha", diz Jaworek. "Estamos esperando para ver se será como da última vez, quando fomos para a cama com a certeza de um resultado e acordamos com um desfecho completamente inesperado."

Se Trump for reeleito, ele poderá visitar Kallstadt durante seu segundo mandato. Se for derrotado, ainda poderá fazer uma viagem mais discreta à cidade.

Em última análise, diz o prefeito Jaworek, esse desfecho está nas mãos do povo americano. "Nós aceitaremos o que for decidido."

Em uma reunião no final de agosto, os residentes de Kallstadt foram instados a escrever suas esperanças para o futuro da comunidade. As respostas incluíram pedidos para a construção de um centro comunitário com um café, mais lojas, melhores opções de lazer e uma versão vegana do Saumagen.

Uma visita do homem que ocupa o cargo mais poderoso do mundo não apareceu entra as respostas.

JPS/dpa

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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