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Cientistas identificam alternativas promissoras para tratamento da fibrose cística

Doença afeta aproximadamente um a cada 10 mil brasileiros: tratamento incorporado ao SUS é caro e não pode ser usado por todos pacientes

21 out 2024 - 10h32
(atualizado às 18h45)
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Ilustração do sistema respiratório: a fibrose cística é uma doença genética rara cujas mutações afetam principalmente os sistemas respiratório e digestivo, com impactos severos na saúde, frequentemente, levando à morte precoce pela perda progressiva da função pulmonar creativepic/Unlimphotos
Ilustração do sistema respiratório: a fibrose cística é uma doença genética rara cujas mutações afetam principalmente os sistemas respiratório e digestivo, com impactos severos na saúde, frequentemente, levando à morte precoce pela perda progressiva da função pulmonar creativepic/Unlimphotos
Foto: The Conversation

A fibrose cística (FC) é uma doença genética rara que afeta mais de 100 mil pessoas em todo o mundo, incluindo aproximadamente 1 a cada 10 mil brasileiros. A doença é causada por mutações no gene conhecido como "regulador da condutância transmembrana da fibrose cística" (CFTR, na sigla em inglês). O CFTR é responsável por codificar uma proteína - também conhecida como CFTR - que regula o transporte de cloro, sódio e água pelas células, e suas mutações afetam principalmente os sistemas respiratório e digestivo.

A mutação mais comum do gene, a deleção da fenilalanina na posição 508 da proteína CFTR (F508-del), leva a um enovelamento inadequado e consequente degradação prematura da proteína. Isso resulta em impactos severos à saúde, comprometendo a qualidade de vida e, frequentemente, levando à morte precoce. A perda progressiva da função pulmonar é a principal causa de morbidade e mortalidade entre os pacientes de fibrose cística.

Recentemente, a multinacional farmacêutica Vertex desenvolveu os medicamentos Trikafta/Kaftrio, que demonstraram aumentar significativamente a expectativa e qualidade de vida de pacientes com fibrose cística. Inicialmente, o custo anual do tratamento por paciente era de US$ 360 mil (cerca de R$ 2 milhões). No Brasil, o Trikafta foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) em 28 de março de 2024, tornando o tratamento mais acessível para os pacientes com mutações elegíveis.

A incorporação do Trikafta ao SUS foi uma grande conquista para os pacientes com fibrose cística no Brasil, beneficiando cerca de 1.700 pacientes. Com essa incorporação, o medicamento passou a ser disponibilizado gratuitamente pelo SUS, eliminando o alto custo direto para os pacientes, embora o valor ainda represente um investimento significativo para o sistema público de saúde.

Rota sintética mais simples

Apesar desse grande avanço, pacientes com fibrose cística que utilizam moduladores do CFTR continuam a enfrentar diversos sintomas e complicações, e nem todos os pacientes com FC são elegíveis para esses tratamentos. Isso reforça a necessidade de desenvolver combinações adicionais e/ou melhores de moduladores do gene para otimizar o resgate da função da proteína CFTR mutante.

O diagnóstico de fibrose cística no meu filho foi o que me motivou a dedicar à pesquisa sobre a doença desde 2016, buscando compostos alternativos para seu tratamento. Em colaboração com o Miquéias Lopes Pacheco, biomédico e pesquisador da Universidade Emory, nos EUA, identificamos duas moléculas promissoras neste sentido, levando ao depósito de um pedido de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) por meio da Agência PUC-Rio de Inovação (AGI/PUC-Rio). A tecnologia agora faz parte do portfólio de patentes da PUC-Rio, disponível para licenciamento pela indústria.

Uma das principais vantagens de nossa abordagem é que a rota sintética para produção dos compostos é simples, eficiente e alinhada aos princípios da química verde, permitindo a sua produção em larga escala. Diferente da combinação tripla presente no Trikafta, tratam-se de moléculas com um arcabouço muito simples. Dentre estas, dois compostos se destacaram por suas potências in vitro contra a mutação mais prevalente no mundo, a mencionada F508-del.

Estes compostos foram obtidos como uma mistura de enantiômeros (mistura racêmica). Muitos compostos orgânicos, incluindo fármacos, existem como enantiômeros, que são imagens especulares - algo como reflexos em um espelho - não sobreponíveis, isto é, que não podem ser sobrepostas uma na outra (como as mãos direita e esquerda).

Embora quimicamente idênticos, as interações biológicas destes compostos podem ser dramaticamente diferentes. Um enantiômero pode fornecer o efeito terapêutico desejado, enquanto o outro pode ser inativo ou até mesmo prejudicial, como no caso do medicamento talidomida, em que um enantiômero teve efeitos terapêuticos, enquanto o outro causava graves deformidades congênitas nos fetos das mulheres que o utilizaram.

Assim, a obtenção de fármacos enantiomericamente puros é crucial na indústria farmacêutica. Isso pode aumentar a segurança e a eficácia dos tratamentos, reduzir a dosagem necessária, minimizar efeitos adversos e melhorar a previsibilidade do comportamento do medicamento no organismo.

A caminho dos ensaios clínicos

Desta forma, nossa pesquisa também abrange a obtenção de compostos enantiomericamente puros. Em colaboração com pesquisadores da UFRJ, selecionamos um dos compostos ativos para fazer a separação dos enantiômeros. O enantiômero ativo foi identificado e estamos investigando se o outro enantiômero é apenas inativo, ou se eventualmente causa algum tipo de toxicidade, o que é crucial para garantir a segurança e eficácia no desenvolvimento futuro do fármaco.

Atualmente estamos desenvolvendo uma forma de sintetizar apenas estes enantiômeros ativos, passo fundamental para seguirmos com os estudos in vivo, primeiro em animais e depois em ensaios clínicos com seres humanos.

Embora ainda haja um longo caminho a percorrer, como em qualquer processo de desenvolvimento de fármacos, nossa equipe espera que, com investimentos, seja possível alcançar os objetivos e oferecer novas alternativas terapêuticas para a fibrose cística.

The Conversation
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Foto: The Conversation

Camilla Buarque recebe financiamento da FAPERJ, CNPq, CAPES e Cystic Fibrosis Foundation.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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