Greenwashing: Petrobras e políticos exageram ação ambiental e minimizam danos da exploração do óleo
POSTAGENS NO INSTAGRAM FALAM DE AVANÇOS NA PRODUÇÃO, MAS IGNORAM QUE MAIOR QUANTIDADE DAS EMISSÕES SE DÁ NO CONSUMO; EMPRESA DIZ QUE TRANSIÇÃO ENERGÉTICA DEVE OLHAR PARA QUESTÃO ECONÔMICA E SOCIAL
Uma análise das postagens da Petrobras no Instagram mostra que a empresa faz propaganda de ações adotadas para reduzir a emissão de gás carbônico na sua produção, mas omite o fato de que a maior parte da poluição está na queima dos combustíveis pelo consumidor final. O uso de linguagem para disfarçar o verdadeiro impacto ambiental de uma empresa ou exagerar benefícios ecológicos é chamado de greenwashing. Especialistas apontam que essa é uma estratégia comum adotada por companhias petrolíferas.
Em resposta ao Verifica, a Petrobras alegou que suas campanhas de comunicação são baseadas em informações verdadeiras e "transmitem, de forma transparente, suas ações e compromissos com a transição energética justa" (leia mais abaixo).
A Organização das Nações Unidas (ONU) diz que o greenwashing, enquanto promove de forma positiva uma marca, atrasa a ação climática porque passa uma ideia de avanço maior do que o real e enfraquece a adesão a medidas concretas.
Como exemplos, a ONU cita:
Exagerar o impacto de inovações pequenas;Enfatizar um atributo ecológico enquanto se ignora outros impactos;Comunicar atributos sustentáveis de um produto enquanto se ignora outras atividades da marca.
Em uma postagem feita em janeiro deste ano, a Petrobras mostrou trabalhos em uma Unidade de Abatimento de Emissões. "A gente pega todos os produtos da refinaria que seriam descartados em tocha e fazemos um novo processamento desses produtos", diz o vídeo.
Outra postagem, de outubro de 2024, exaltou a reinjeção de CO2 em um reservatório subterrâneo. Segundo a empresa, a tecnologia permite "mais energia para o Brasil" e "reduz as emissões de carbono na atmosfera".
Em agosto de 2023, a petrolífera celebrou avanços tecnológicos na plataforma Anita Garibaldi. "Equipada com tecnologias de última geração, sua operação garante redução de emissões de gases de efeito estufa na Bacia de Campos."
É positivo que qualquer empresa reduza suas emissões, mas, no caso petroquímico, há uma contradição, porque a maior parte da emissão de CO2 é gerada quando o consumidor final usa o produto (combustível, por exemplo). Mundialmente, estima-se que a produção e o transporte de petróleo e gás natural corresponda a 20% das emissões de CO2, e o seu consumo gera os outros 80%.
O que está sendo feito realmente?
Para Marcelo Colomer, consultor associado do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as petrolíferas exaltam a redução da emissão de CO2 em suas operações como forma de transmitir a mensagem de que estão fazendo sua parte para combater as mudanças climáticas. Mas não é o que ocorre de fato. "Você tem metas de queima zero, redução das emissões de plataforma, aproveitamento dos resíduos o máximo possível", exemplificou. "Aí, passa para a mídia e para a sociedade que está sendo feito muita coisa. Mas, quando olhamos o efeito e o orçamento, é bastante pequeno."
Colomer é um dos autores do estudo Posicionamento estratégico da Petrobras diante dos desafios da transição, do projeto DIP-BR (Descarbonização e Política Industrial), do Instituto de Economia da UFRJ. O levantamento identificou que, no longo prazo, há uma previsão de mais investimentos em energias renováveis e combustíveis com emissão de carbono mais baixa. Já no curto prazo, prevalece o investimento principalmente na extração e produção de gás e óleo.
O plano de negócios da Petrobras para o período 2025-2029 prevê investimento de US$ 94,7 bilhões (85,3%) em capital voltado ao óleo e gás, US$ 11 bilhões (9,9%) na produção de energia de fontes renováveis e US$ 5,3 bilhões (4,8%) na descarbonização das operações.
"No longo prazo, a Petrobras se diversifica, como uma forma de responder às pressões sociais e políticas e também de se posicionar em um mundo descarbonizado. Mas, no que diz respeito às estratégias de curto prazo, o que a gente percebe é que há um pragmatismo de focar em óleo e gás", disse Colomer.
Segundo ele, isso ocorre pelo papel que o petróleo ainda desempenha na economia. "Sem ele, a gente estaria dependente das importações. E há também o peso fiscal que o setor de petróleo tem", observou.
Outro ponto destacado no estudo é o impacto que o posicionamento do governo federal, principal acionista da empresa, tem nas estratégias de longo prazo. As trocas de governos vivenciadas no Brasil nos últimos anos refletiram em mudanças na estratégia de descarbonização da empresa.
Entre 2009 e 2017, os investimentos foram concentrados no desenvolvimento de biocombustíveis e no mercado para o gás natural. A partir de 2017, ocorreram desinvestimentos na produção de biocombustíveis e o foco passou para a descarbonização da exploração de óleo e gás. Já a partir de 2023, aumentaram os investimentos em novas fontes de energia de baixo carbono, como eólica (onshore e offshore), solar, hidrogênio e captura e armazenamento de carbono.
A classe política e o atraso da ação climática
O governo brasileiro apresenta uma contradição em sua pauta ambiental quando o assunto são os combustíveis fósseis. A intenção de estudar e abrir uma nova frente de exploração de petróleo na Margem Equatorial vai na contramão do distanciamento desses combustíveis pregado internacionalmente.
No discurso que abriu a Cúpula de Líderes da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP-30), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu construir um "mapa do caminho" para substituir os combustíveis fósseis. Apesar disso, o governo dele foi criticado por permitir, às vésperas da COP-30, que a Petrobras perfurasse um poço de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, onde acredita-se existir uma nova grande reserva de petróleo inexplorada.
O Verifica analisou postagens no Instagram do presidente da República, de ministros, de senadores e de governadores para saber o que falaram sobre o tema. Todos eles adotam estratégias de atraso climático. Essa técnica é definida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma forma de obstruir ou prejudicar a ação climática. Ela questiona a razoabilidade, necessidade ou justiça de uma determinada atitude necessária para mitigar as mudanças climáticas.
Em abril deste ano, o governador do Amapá, Clécio Luís, afirmou que a intenção das pesquisas é descobrir se realmente há petróleo na costa do Amapá para, então, produzir o combustível. E concluiu: "Nós somos o Estado mais preservado, mais protegido. Fizemos nosso dever de casa. Temos direito de viver com dignidade aqui no Amapá".
Ao citar o nível de preservação de território - 98% do Estado é coberto por vegetação nativa -, o governador alega que o ônus da mitigação das mudanças climáticas não cabe a ele. É o que o pesquisador do Potsdam Institute for Climate Impact Research William F Lamb chama de "desvio de responsabilidade".
Em outra postagem, o ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional do Brasil, Waldez Góes, criticou a negativa inicial do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para o estudo e perfuração de poços na costa amapaense, em 2023. Segundo Góes, o "novo Pré-Sal" da região representaria uma "nova e preciosa oportunidade" para duas regiões marcadas por desigualdades socioeconômicas, referindo-se ao Norte e ao Nordeste do País.
Também em 2023, o senador pelo Amapá Lucas Barreto (PSD) elogiou uma entrevista do ex-presidente da Petrobras Jean Paul Prates sobre a exploração de petróleo na costa do Amapá. Barreto afirmou se tratar de uma "operação segura" e criticou pessoas de outras regiões do País que se posicionam contrárias à exploração. "Não é possível sobreviver apenas olhando o verde das florestas. É fácil falar e criticar vivendo em um ambiente desenvolvido. Por isso, defenderemos sempre o direito do nosso povo de viver num lugar que ofereça oportunidades e dignidade", postou.
O senador e o ministro associam a exploração petrolífera a um determinado padrão de vida. Lamb classifica isso como um "apelo ao bem-estar" e ao "direito a uma vida moderna". Essa estratégia se caracteriza por apresentar os combustíveis fósseis como imprescindíveis ao desenvolvimento econômico.
Países não conseguem colocar acordos em prática
Os países signatários do Acordo de Paris se comprometeram a tomar medidas para manter o aumento da temperatura média global "bem abaixo" de 2°C, e idealmente a 1,5°C, acima dos níveis pré-industriais. As evidências científicas mais robustas apontam que o clima terá eventos extremos frequentes se a marca for ultrapassada. E ela já foi: o ano de 2024 foi o primeiro a registrar 1,55ºC acima.
Os combustíveis fósseis são o principal contribuinte para o aquecimento global. Correspondem a cerca de 68% das emissões de gases do efeito estufa e 90% das emissões de CO2, mundialmente. Reverter as mudanças climáticas passa obrigatoriamente pela redução do seu consumo.
O acordo final da COP-28, em Dubai, trouxe o compromisso de se afastar dos combustíveis fósseis "de forma justa, ordenada e equitativa". Também houve consenso de que é preciso intensificar esforços nesta década, mas há um descompasso com o que está sendo realmente feito.
O relatórioThe Production Gap 2025, do Stockholm Environment Institute, mostra que os planos de exploração de combustíveis fósseis nos próximos anos estão 120% acima do compatível com a meta. No caso do Brasil, a previsão é de crescimento de 56% da produção de petróleo até 2030, e de 118% de gás até 2034.
Brasil: Exploração vs compromissos climáticos
A meta de produzir mais petróleo e gás vai de encontro aos compromissos assinados internacionalmente, aponta a pós-doutora em Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Camila Ludovique.
"Se a gente for pegar o que diz a Agência Internacional de Energia, há um consenso de que, se a gente aceitar ficar dentro de 1,5°, não pode ocorrer mais expansão petrolífera", afirmou.
Ludovique diz que o governo pode equilibrar a exploração com medidas de compensação. Uma saída seria alinhar a exploração petrolífera ao investimento de energias renováveis. Ela avalia que é necessário aguardar os próximos passos adotados pela gestão federal.
Lula defendeu a perfuração exploratória na Margem Equatorial, sugerindo que as potenciais receitas do petróleo poderiam financiar uma transição para energia verde. A localização dos blocos petrolíferos planejados se sobrepõe a locais designados pelo governo brasileiro como áreas de extrema prioridade para conservação.
O diretor de política internacional do Observatório do Clima, Cláudio Ângelo, é cético quanto a essa possibilidade. Para ele, dizer que as receitas do petróleo irão financiar a transição para a energia verde é uma forma sofisticada de negacionismo climático porque é algo que não ocorreu até agora.
"Se fosse o caso de esse dinheiro pagar a transição energética, ele já deveria estar pagando. A gente produz muito petróleo no pré-sal há 15 anos", afirmou. "Não está acontecendo e não tem nenhuma indicação que vá acontecer."
Qual é o retorno que a população espera?
Um dos argumentos centrais identificados pelo Verifica nas redes oficiais de políticos é o de que a exploração de petróleo gera receitas que podem ser revertidas para a população. Por outro lado, ela significa a continuidade das mudanças climáticas. Os eventos extremos cada vez mais frequentes trazem impactos negativos para a qualidade de vida da população. Para Cláudio Ângelo, essa contradição não está clara para a população.
Ele questiona até mesmo os reais benefícios da exploração petrolífera para as comunidades locais. Ele cita como exemplo o caso de Coari (AM), onde há exploração de petróleo desde a década de 1980. Apesar disso, o município tem apenas 30% de cobertura de esgoto. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município é 0,586. Classifica-se como médio, o segundo grau mais baixo na escala.
"A população do Amapá tem a ilusão de que o Estado vai virar a Suíça na hora que começar a exploração da Margem Equatorial e começarem a receber os royalties", ironizou Cláudio.
Ludovique explica que, de todo o recurso petrolífero retirado de uma região pelas empresas, há uma cota que volta para as regiões exploradas: os royalties. Mas a pesquisadora explica que ainda não existe um plano específico para redistribuir riquezas. Ela avalia que as cidades onde já há a exploração de petróleo tiveram crescimento desordenado e aumento nas taxas de violência.
"O que aumenta é o índice de criminalidade, o que aumenta não é uma indústria pungente, uma indústria verde. Os efeitos encadeadores dessas indústrias extrativistas, diga-se petróleo, diga-se minério, não é promover (o desenvolvimento), infelizmente", pontuou.
Carlos Frederico Leão Rocha, coordenador do projeto DIP-BR na UFRJ, diz que a exploração de petróleo é concentradora de renda. Por isso, para que a Petrobras possa participar de uma transição energética justa, é preciso que haja uma mudança na forma da distribuição da receita gerada pela exploração do combustível fóssil.
Ele diz que a empresa precisa estar sensível à qualidade de vida da população nas regiões em que vai operar. "Eu não sei como vai ser a operação na Margem Equatorial, mas a Petrobras não pode sair de lá com as condições de vida piores do que quando ela chegou", falou.
Este texto foi produzido no âmbito do programa de intercâmbios da LatamChequea, a rede de checadores latino-americanos. Este intercâmbio fez parte do projeto "Promover informações confiáveis e combater a desinformação na América Latina", coordenado pelo Chequeado e financiado pela União Europeia. Seu conteúdo é de responsabilidade exclusiva do Estadão Verifica e não reflete necessariamente os pontos de vista da União Europeia.