É falso que vídeo mostre seguranças de Bolsonaro pedindo 'calma' a Adélio
IMAGENS DO ATENTADO EM 2018 VOLTARAM A SER COMPARTILHADAS PARA FAZER PARECER QUE FACADA FOI ENCENADA; PF CONCLUIU QUE AUTOR AGIU SOZINHO
O que estão compartilhando: que um novo vídeo mostraria seguranças do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) falando "calma, Adélio" no dia da facada.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O vídeo foi investigado pela Polícia Federal (PF) no inquérito da facada. Os peritos concluíram que em nenhum momento foi dita a palavra "Adélio". Um depoente ouvido na investigação afirmou ter pedido calma ao autor da facada porque ele tentava se aproximar de Bolsonaro com insistência. As investigações sobre o caso concluíram que Adélio Bispo agiu sozinho. Dois inquéritos chegaram à mesma conclusão e descartaram haver mandantes para o crime. Não houve nenhum desdobramento recente do caso, como confirmou a Defensoria Pública da União (DPU) ao Verifica.
Saiba mais: Em 6 de setembro de 2018 o ex-presidente foi atacado enquanto fazia campanha em Juiz de Fora, Minas Gerais. Ele estava sendo carregado por apoiadores quando foi golpeado no abdome por Adélio Bispo de Oliveira.
O vídeo em que parecem pedir "calma" a Adélio já havia circulado nas redes sociais em outros momentos. Em 2021, o Verifica desmentiu o mesmo conteúdo, com a alegação de que o ex-presidente estaria pedindo calma ao autor da facada no dia do atentado.
Durante as investigações sobre o caso da facada, a Polícia Federal analisou peças de desinformação sobre o ocorrido que circularam nas redes sociais. Uma delas foi exatamente o vídeo checado aqui.
Os peritos concluíram que as falas no vídeo devem ser consideradas "ininteligíveis" por causa do barulho de fundo. Em vez de "calma, Adélio", outras palavras poderiam ser deduzidas, como "calma, véio".
"Em nenhum momento foi dita a palavra 'Adélio'", afirma o inquérito. "As falas direcionadas a Adélio Bispo de Oliveira foram feitas por apoiadores da segurança, visando conter o ímpeto deste em se aproximar do candidato, que causava tumulto generalizado."
Segundo o relatório, seguranças de Bolsonaro que disseram ter interagido com Adélio afirmaram que ele tentava "insistentemente" se aproximar de Bolsonaro.
"As imagens apresentadas retratam o momento anterior (ao da facada), em uma das vezes que Adélio Bispo de Oliveira tentou golpear o candidato e é impedido pelo corpo de seguranças", diz o documento.
Uma pessoa ouvida pela PF afirmou ter gravado um vídeo da ocasião. Ele disse se recordar de Adélio como o único a tumultuar perto do cordão de segurança.
Segundo o depoente, a partir dos 7 minutos e 34 segundos do vídeo, ele alertou Adélio, dizendo "calma aí, calma aí cara...agora não dá não...calma, cara, paciência...". Ele acreditava que o agressor queria apenas tocar nas mãos do então candidato.
A partir dos 8 minutos e 52 segundos do vídeo, ele começou a desconfiar da conduta de Adélio e perguntou: "o que você tem na mão?". Confira aqui o relatório.
Vídeos repercutem teoria infundada de 'fakeada'
Os comentários na postagem analisada reforçam a teoria infundada de que a facada teria sido orquestrada pela equipe de Bolsonaro para que ele ganhasse as eleições de 2018. O ataque é chamado de fakeada" — uma junção de "fake" (falso, em inglês) e "facada".
"Nunca acreditei! O local cheio de fanáticos, o Adelio dá uma facada e consegue sair do meio dá multidão sem ser linchado?? Sem um arranhão? Palhaçada!", disse um comentário. "Eu sempre soube que foi armação, pra ele ganhar a eleição! Fakeada muito óbvia", alegou outro seguidor.
Mas a PF concluiu que Adélio agiu sozinho. Em 2018, a corporação finalizou o primeiro inquérito sobre o caso, que concluiu que Adélio agiu por "inconformismo político". Em 2020, a PF concluiu um segundo inquérito, que descartou a hipótese de que o crime tivesse ligação com "agremiações partidárias, facções criminosas, grupos terroristas ou paramilitares".
O último depoimento de Adélio à Justiça foi feito em 19 de agosto de 2019. A DPU, que presta assessoria jurídica à Adélio, informou ao Verifica que "não foi informada de novidades na investigação". Ou seja: não há novos desdobramentos sobre o caso.
Adélio foi considerado inimputável, o que quer dizer que é considerado incapaz de responder pelo crime por sofrer distúrbios psicológicos. Ele cumpre medida de segurança na penitenciária federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Ele ainda não é considerado apto para voltar ao convívio social, mas passa por avaliações periódicas.
Uma das teorias de "fakeada" ressalta a falta de sangue nas imagens que flagraram o momento em que Bolsonaro é esfaqueado. Porém, a ausência de sangue visível nesse caso não é anormal.
O médico José Gustavo Parreira, cirurgião com área de atuação em cirurgia do trauma e membro da Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado (SBAIT), explicou ao Verifica em checagem anterior que em casos como o de Bolsonaro muitas vezes não ocorre sangramento externo.
"No caso do abdômen, quando a faca entra dentro da barriga da pessoa, vai sangrar dentro da barriga e raramente vem para fora", explicou o médico.
Em 2019, o cirurgião Luiz Henrique Borsato, que operou Bolsonaro no dia da facada, explicou ao Estadão que é considerado normal o sangramento não estar visível.
O ex-presidente sofreu lesões nos intestinos grosso e delgado. A facada também atingiu uma veia no abdome. No dia do ataque, médicos da Santa Casa de Juiz de Fora informaram à imprensa que o então candidato chegou ao hospital com sinais de choque e hemorragia interna. Desde que foi esfaqueado, Bolsonaro já passou por cinco cirurgias abdominais.
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