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Câmara aprova proposta que flexibiliza Lei de Improbidade Administrativa

Proposta restringe punições a agentes públicos em casos de corrupção; placar foi de 408 votos a 67

16 jun 2021 - 19h37
(atualizado às 22h46)
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BRASÍLIA - Em acordo que uniu aliados do presidente Jair Bolsonaro e deputados de oposição ao governo, a Câmara aprovou nesta quarta-feira, 16, por ampla maioria, projeto que afrouxa a Lei de Improbidade Administrativa. Com um placar de 408 votos a favor e 67 contra, a votação representa mais um passo na tentativa de blindar políticos de investigações, iniciada após a Lava Jato. Considerada por integrantes do Ministério Público e de associações como uma brecha para a impunidade, a proposta segue agora para o Senado.

Sob a justificativa de proteger bons gestores, a proposta que recebeu sinal verde da Câmara abre caminho para impedir a punição de agentes públicos que cometem irregularidades. Com apoio do Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), teve papel importante para levar à votação mudanças na lei que classificou como "antiquada" e "ultrapassada".

Uma alteração de última hora impediu que a contratação de parentes, prática conhecida como nepotismo, fosse totalmente liberada mediante a apresentação de um bom currículo, mas ainda há insegurança jurídica sobre a possibilidade de punir nomeações por indicação política.

Pela redação do relator do projeto, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), era permitido dar emprego a parentes caso os indicados ostentassem "adequada capacitação". A previsão descumpria a Súmula 13 do Supremo Tribunal Federal (STF), que proíbe contratações de familiares, independentemente da qualificação técnica.

Após emenda proposta pelo líder do PSB, Danilo Cabral (PSB-PE), o texto do projeto foi adequado à regra definida pelo Supremo. Mesmo assim, porém, foi mantido um parágrafo segundo o qual "não se configurará improbidade a mera nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandatos eletivos, sendo necessária a aferição de dolo com finalidade ilícita por parte do agente".

'Avanço'

Ao abrir a votação, Lira fez um longo discurso em defesa do projeto, sob o argumento de que o texto é um avanço constitucional e reforça a segurança jurídica. Condenado em ações de improbidade na Justiça alagoana e alvo de outras ações na Justiça Federal no Paraná, Lira comanda o Centrão e é um dos possíveis beneficiados com a aprovação do projeto. Uma das ações contra ele, aberta com base nas apurações da Operação Taturana - que constatou um esquema de "rachadinha" na Assembleia de Alagoas à época em que o presidente da Câmara era deputado estadual -, tramita no Superior Tribunal de Justiça. Além de Lira, outros parlamentares devem ser favorecidos por mudanças na lei. Dos 24 integrantes da comissão especial que analisou a proposta na Câmara, sete respondem a ações de improbidade.

Uma das possibilidades de benefício a parlamentares é justamente o fim da perda da função pública a condenados que tenham mudado de cargo ao longo do processo. Atualmente, se um senador é condenado à perda do cargo por atos que praticou no passado, quando era prefeito, por exemplo, ele perde a atual função. Com o novo projeto, essa punição não ocorre.

Críticas

Os partidos Novo, Podemos e PSOL votaram contra o texto, acompanhados por alguns deputados do PDT e do PSB, incluindo o líder da Oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ). "Esse projeto corta, dilacera, mutila o espírito da proposta, então eu queria pedir a todos, a gente precisa dar um passo para trás para discutir decentemente e votar com consciência", afirmou a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).

"Impressiona a aliança que foi feita entre o petismo e o bolsonarismo nesse retrocesso, tanto no combate à corrupção como à negligência na administração pública. O texto já começa excluindo todas as hipóteses de culpa grave", disse o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).

O Podemos, partido do autor do projeto original, Roberto Lucena (SP), apresentou um requerimento para que o texto original fosse aprovado, mas o pedido foi rejeitado.

O projeto também limita ao período de 180 dias, prorrogável por apenas uma vez, o prazo para conclusão de inquéritos civis, etapa preliminar à apresentação de ações de improbidade. Foi suprimida, ainda, a etapa da defesa prévia nas ações de improbidade, prevista na lei vigente. "É considerada ineficaz para as partes", justificou Zarattini.

Irritado com postagens do procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, que batizou o projeto como "Lei da Impunidade", Lira disse que o chefe do Ministério Público pediu a ele que não pautasse proposta que acaba com os supersalários no Judiciário. Sarrubbo afirmou depois, em nota, que teve com Lira um diálogo "absolutamente republicano".

"A audiência a que se refere o eminente presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, deu-se exatamente neste contexto. O diálogo institucional acerca das matérias que afetam o Ministério Público configura algo absolutamente republicano", afirma trecho da nota no Ministério Público de São Paulo. "É exatamente esse diálogo que o MPSP preconiza, neste momento, no que tange ao Projeto de Lei 10887/2018, cujos termos podem transformar a Lei da Improbidade na Lei da Impunidade, algo que contraria frontalmente os interesses da sociedade, destinatária última da atuação da nossa instituição".

Estadão
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