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"Relação é mais importante para Brasil do que para EUA"

20 mar 2019 - 07h11
(atualizado às 07h41)
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Apesar de tom otimista adotado por Trump e Bolsonaro em Washington, analista afirma que presidente americano está pouco interessado em alianças duradouras e que Brasil tem comparativamente pouco a oferecer aos EUA.O presidente Jair Bolsonaro foi recebido nesta terça-feira (19/03) pelo líder americano, Donald Trump, na Casa Branca. Ambos trocaram elogios e adotaram um tom otimista ao falar sobre as relações bilaterais futuras.

Ao receber Bolsonaro (d), Trump afirmou que os dois países nunca estiveram tão próximos
Ao receber Bolsonaro (d), Trump afirmou que os dois países nunca estiveram tão próximos
Foto: DW / Deutsche Welle

No entanto, enquanto o Brasil fez concessões durante a visita de Bolsonaro a Washington - como a liberação de vistos para americanos e o uso comercial da base militar de Alcântara, localizada no Maranhão -, os EUA ficaram no campo da promessa.

Trump afirmou que apoiará a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) se Brasília abrir mão de receber um tratamento especial na Organização Mundial do Comércio (OMC).

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Para o analista Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), era esperado que a visita tivesse um caráter mais simbólico e não muita substância.

"Vemos esse desejo de aproximação forte aos EUA, mas temos que ver que Trump é um presidente que não tem grande interesse em estabelecer alianças fixas. Então, esse é um teste", afirmou. "Sou cético quanto ao que Washington está disposto a dar ao Brasil, uma vez que o Brasil tem pouco a oferecer aos EUA."

DW Brasil: Como o senhor avalia a visita de Bolsonaro aos EUA?

Oliver Stuenkel: Quando uma visita acontece tão cedo na Presidência, sabemos que o elemento simbólico é mais importante e que não pode haver tanta substância, porque uma visita presidencial normalmente é o ponto final de negociações que costumam demorar meses. Como não havia esse tempo, todos sabiam que não haveria grandes resultados que iriam transformar a relação entre Brasil e EUA. Mesmo assim, houve alguns resultados significativos.

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro falou muito sobre o alinhamento do Brasil com os EUA. Agora, depois do primeiro encontro entre os presidentes, você vê isso na prática?

Os EUA querem que o Brasil atenda a demandas muito específicas. As duas principais são: ajudar na questão da Venezuela e limitar a influência chinesa na região. Quanto à primeira, o Brasil não tem muito o que fazer, pois não tem mais uma relação econômica forte com a Venezuela e não apoia uma intervenção militar. Em relação à China, em função da dependência brasileira dos chineses, Bolsonaro tem muito pouco espaço para ajudar nessa empreitada. A visita não muda a lógica dessa relação bilateral, que inclui a cooperação em algumas áreas, e dificilmente cria um alinhamento constante, porque é uma relação assimétrica: a relação é mais importante para o Brasil do que para os EUA. Um exemplo é que a visita domina as notícias no Brasil, mas não nos jornais americanos.

Na viagem, Bolsonaro disse apoiar o muro de Trump, liberou os vistos para os americanos e o uso da base de Alcântara pelos EUA, mesmo sem a garantia de obter da Casa Branca algo em troca.

A decisão de liberar vistos para os americanos é pouco usual. É uma ruptura com a tradição diplomática, e muitos observadores têm manifestado preocupação com a retórica pró-EUA e a maneira como essa aproximação pode afetar os interesses nacionais brasileiros. Diante das dificuldades que Bolsonaro enfrentará na política doméstica - como a reforma da Previdência -, a área externa é uma das poucas em que ele consegue avançar sem precisar da aprovação do Congresso para muitas coisas ou em que a forma pouco ortodoxa de ele lidar com os outros poderes não atrapalha. É preciso explicar melhor como essa aproximação, inédita nas últimas décadas, ajuda o país. Isso será um ponto de muita controvérsia ao longo dos próximos meses e anos, sobretudo em função da dúvida se Bolsonaro quer se aproximar de Trump ou se aproximar dos EUA. Isso porque existe uma chance de Trump perder as próximas eleições. Assim, a grande dúvida é se Bolsonaro, neste cenário, manteria essa aproximação.

Bolsonaro e seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, falam muito em resgatar o nacionalismo brasileiro. Esta viagem aos EUA mostrou que as ações do atual governo brasileiro vão realmente nessa direção?

Essa questão de resgatar o nacionalismo brasileiro é uma ferramenta retórica: não está claro como isso se traduz em propostas concretas de política externa. A primeira manifestação desse desejo é de aproximação forte dos EUA, mas temos que ver que Trump é um presidente que não tem grande interesse em estabelecer alianças fixas. Sou cético quanto ao que Washington está disposto a dar ao Brasil, uma vez que o Brasil tem pouco a oferecer aos EUA.

Para apoiar o Brasil na adesão à OCDE, os EUA pressionam para que Brasília não usufrua mais de um tratamento especial na Organização Mundial do Comércio (OMC). Até que ponto o Brasil pode ceder para obter seus objetivos?

Depende muito da determinação e do interesse brasileiro em avançar com a sua adesão à OCDE. A princípio, parece-me pouco provável que o Brasil abra mão desse privilégio [na OMC]. Porém, os EUA devem estar pedindo isso não só ao Brasil, mas também a outros países que têm o mesmo status. Então, se Brasília perceber que há uma tendência, aí poderia aceitar essa troca. Mas essa negociação só começa agora, e isso deverá ser discutido ao longo dos próximos meses e anos. Vale lembrar que a adesão à OCDE é um processo longuíssimo e que ela provavelmente não vai acontecer durante o governo Bolsonaro.

Bolsonaro pediu uma ajuda aos EUA para "libertar o povo venezuelano" e Trump disse que "todas as opções para a Venezuela estão sobre a mesa", inclusive a militar. A posição histórica do Brasil sempre foi a de mediador, e ela parece não estar sendo adotada no governo Bolsonaro.

Acredito que isso é, acima de tudo, retórica. Eu não vejo como o Brasil pode ter uma atuação incisiva na Venezuela. Parece-me bastante claro que o Brasil não é um ator-chave na crise venezuelana, e sim países como EUA, China, Rússia e Cuba. Portanto, eu não vejo coisas concretas e relevantes que o Brasil possa fazer a respeito neste momento, e essa observação se aplica a toda América do Sul. Essa é uma crise que envolve grandes potências e, em função disso, a região irá reagir a tendências mais amplas.

Pode ser que Maduro ainda fique no governo por um bom tempo. A cada dia que passa, 5 mil pessoas deixam o país, e isso, a princípio, é positivo para ele, pois esvazia as manifestações e reduz a resistência. Então, o cenário mais provável é uma espécie de 'Robert Mugabe do Zimbábue': um Estado falido, talvez com poucos elementos da República Democrática do Congo, com milícias operando no país e gerando uma espécie de incerteza sobre quem governa em qual região e, em algum momento, pode haver certamente um colapso do regime. Mas isso pode demorar e depende também da determinação dos EUA pressionarem o regime.

Como o Brasil vai conseguir lidar com as pressões americanas e chinesas e, até mesmo, com a guerra comercial entre Washington e Pequim?

O Brasil não tem como influenciar essa questão. Brasília pode perder os privilégios que temporariamente obteve quando a guerra comercial alcançou seu auge, porque o Brasil conseguiu substituir a soja americana no mercado chinês. Mas, com um novo acordo [entre Washington e Pequim], isso pode acabar, e o Brasil terá que se adequar ao "novo normal", que é um mercado internacional muito menos previsível, onde regras e normas são constantemente alteradas por questões políticas. Então, a princípio, essa tensão maior é uma má notícia para o Brasil.

Recentemente, o chanceler Ernesto Araújo disse aos novos diplomatas que o Brasil, nos últimos anos, fez uma opção equivocada ao querer se integrar à América Latina, à Europa e aos Brics em vez de aprofundar as relações com os EUA.

O chanceler erra ao considerar a maior aproximação do Brasil com a América Latina e Brics como resultado de uma escolha ideológica. É natural que um país que ocupa 50% do território e que representa 50% da população e do Produto Interno Bruto (PIB) da América do Sul queira ganhar uma presença maior na região. Isso é natural, pois é por meio da relação econômica mais forte que conseguimos influenciar também eventos políticos na região. Então, a liderança regional brasileira é um objetivo importante da política externa - por exemplo, para evitar crises como a da Venezuela. Nós vemos que o Brasil não conseguiu exercer essa liderança, mas ganhá-la novamente e exercer um papel de liderança no futuro deveria ser um dos objetivos.

Em relação aos Brics, o Brasil está se adaptando a uma nova distribuição de poder no mundo. O grupo é uma ferramenta importante não tanto para o Brasil se alinhar com esses países, mas acima de tudo para lidar com eles e defender seus interesses. Brasília teve e continuará tendo benefícios com o Brics. Quanto à Europa, ela nunca deixará de ter uma grande relevância no Brasil. Acredito que um afastamento não seja de interesse do país neste momento.

Eu confesso que esse comentário [de Araújo] não me preocupa tanto, porque, apesar de ver uma retórica radical, acredito que grupos mais moderados - tanto os generais como também os economistas da equipe do [Ministro da Economia] Paulo Guedes - vão vetar passos que possam levar de fato ao afastamento do Brasil tanto dos Brics, quanto da Europa e da América Latina.

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