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Barroso vota para descriminalizar aborto em último ato no STF: 'Se homens engravidassem, não seria crime'

Ministro repetiu feito de Rosa Weber e deixou nessa sexta-feira (17/10), como última cartada antes da aposentadoria, voto favorável à descriminalização do aborto.

18 out 2025 - 04h28
(atualizado em 18/10/2025 às 07h38)
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Barroso deve votar ainda nessa sexta-feira sobre a descriminalização do aborto, em seu último dia útil como ministro do STF
Barroso deve votar ainda nessa sexta-feira sobre a descriminalização do aborto, em seu último dia útil como ministro do STF
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Na véspera de sua aposentadoria do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso votou na noite desta sexta-feira (17/10) a favor de descriminalizar o aborto até as 12 semanas de gestação.

Em seu voto escrito, Barroso argumentou que "ninguém é a favor do aborto em si".

"A discussão real não está em ser contra ou a favor do aborto. É definir se a mulher que passa por esse infortúnio deve ser presa", escreveu o ministro, defendendo que o aborto seja tratado como questão de "saúde pública".

"Ninguém duvide: se os homens engravidassem, aborto já não seria tratado como crime há muito tempo."

Mais cedo nessa sexta-feira, Barroso havia solicitado formalmente que, dada sua aposentadoria, fosse aberto com urgência o julgamento virtual da ação que trata do assunto, a ADPF 442.

O pedido foi aceito pelo presidente do STF, ministro Edson Fachin, que liberou o julgamento virtual das 20h desta sexta até 23h59 de segunda-feira (20/10).

Entretanto, o julgamento foi suspenso logo depois do voto de Barroso, após o ministro Gilmar Mendes apresentar pedido de destaque (que transfere um julgamento virtual para sessões presenciais).

Barroso também concedeu, na noite dessa sexta, liminar em duas outras ações relativas ao aborto (leia mais abaixo).

Esta sexta é o último dia útil de Barroso como ministro. O decreto presidencial que concedeu a aposentadoria ao magistrado terá efeito a partir deste sábado (18).

Na véspera de sua saída, Barroso foi hospitalizado em Brasília, na quarta (15), após passar mal. Ele teve alta no dia seguinte, e os médicos aguardam resultados dos exames para identificar a causa da indisposição, enquanto o magistrado é tratado com medicamentos em casa.

Ao votar sobre a ADPF 442, Barroso repetiu uma movimentação feita pela ex-ministra Rosa Weber em 2023.

Prestes a se aposentar, a então presidente do STF e relatora da ação deixou seu voto.

"A maternidade é escolha, não obrigação coercitiva. Impor a continuidade da gravidez, a despeito das particularidades que identificam a realidade experimentada pela gestante, representa forma de violência institucional contra a integridade física, psíquica e moral da mulher."

O trecho é parte do voto da ex-ministra em favor da descriminalização do aborto, se realizado até a 12ª semana de gestação.

Mas o julgamento foi interrompido por um pedido do próprio Barroso para que a ação saísse do plenário virtual e fosse analisada pelo plenário físico do Supremo.

Desde então, a ação protocolada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), no início de 2017, nunca mais foi à pauta na Corte.

Agora, com os votos de Weber e Barroso, são dois os votos favoráveis à descriminalização.

Outras ações sobre aborto

O voto de Barroso era uma expectativa de 61 entidades e mais de 200 pessoas que enviaram uma carta ao gabinete do ministro na quarta-feira (15) pedindo que ele registrasse o voto na Ação Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 e em outras duas, todas relacionadas ao aborto.

Também na noite dessa sexta, Barroso votou favoravelmente, com liminar, aos argumentos dessas ações.

A ADPF 1207 prevê que outros profissionais de saúde além de médicos, como enfermeiros e técnicos de enfermagem, participem de procedimentos de aborto legal — o que recebeu a anuência de Barroso em medida cautelar.

Já a ADPF 989 pede que o Supremo crie mecanismos para assegurar o direito à interrupção da gestação nas hipóteses já permitidas pelo Código Penal (risco à vida da gestante e gravidez por estupro) e em casos de fetos anencéfalos.

Na liminar, Barroso determinou que órgãos públicos da saúde não podem dificultar a realização do aborto legal.

Em 2012, antes de ser ministro, Barroso atuou como advogado na ação que liberou o aborto também em casos de anencefalia.

Em março de 2017, durante um seminário no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Barroso, já como ministro do Supremo, defendeu que a criminalização do aborto "viola sua autonomia e viola também a igualdade, porque se os homens engravidassem isso já teria sido resolvido há muito tempo".

No ano seguinte, em novembro, em uma fala no Congresso Internacional de Direito e Gênero, promovido pelo FGV no Rio de Janeiro, ele disse que a discussão deve ser tratada no Judiciário e não no Legislativo.

"A mulher não é um útero a serviço da sociedade. Se os homens engravidassem, esse problema já teria sido resolvido. O ponto é que a criminalização se tornou uma má política", afirmou na ocasião.

Por já ter sinalizado diversas vezes, em entrevistas e seminários dos quais participou nos últimos anos, ser a favor da descriminalização do aborto, a expectativa por essa última cartada do ministro foi criada nos últimos dias.

"Estamos em contagem regressiva para o último dia do ministro Barroso no STF", disse à BBC News Brasil a antropóloga Débora Diniz, pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) e referência internacional na defesa dos direitos das mulheres, antes do voto do ministro.

"A história política recente da Corte atravessou as grandes questões constitucionais que ele esperaria ter enfrentado, como foram as ações de aborto, sob sua relatoria", prosseguiu Diniz.

Religiosos em manifestação em 2012, em frente ao STF, contra a descriminalização do aborto em caso de feto anencéfalo; Barroso atuou como advogado no processo
Religiosos em manifestação em 2012, em frente ao STF, contra a descriminalização do aborto em caso de feto anencéfalo; Barroso atuou como advogado no processo
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil / BBC News Brasil

Mauricio Dieter, professor de criminologia da Universidade de São Paulo (USP) e um dos advogados na ação pela descriminalização do aborto, também havia avaliado, antes do voto se concretizar, que o ministro deixaria um voto favorável.

"Imagino que ele deva se manifestar favoravelmente aos direitos reprodutivos das mulheres, o que seria coerente com a ideologia pela qual advoga", afirmou, na ocasião.

Assim como defendeu a descriminalização do aborto em diferentes momentos, Barroso também já havia afirmado, por outro lado, que o Brasil não está preparado para esse debate.

"Eu penso que, muito possivelmente, isso não será pautado proximamente. Não há clima de tranquilidade para julgar essa matéria. Mas ela também não pode ser adiada indefinidamente. Em algum momento vai ter que ser decidido e acho que pode ser uma decisão apertada", disse ele à BBC News Brasil em 2022.

Julgamento definitivo das ações depende do presidente do STF

Mesmo com o voto favorável de Barroso à descriminalização do aborto, isso não significa que as ações rapidamente voltarão à pauta no Supremo.

Pierpaolo Bottini, advogado e professor de Direito Penal da USP, explicou que o fato de um ministro deixar o voto antes de se aposentar não muda em nada o curso do processo.

"Não faz diferença para o processo ele votar agora. Quem decide o que será colocado em pauta é o presidente do Supremo."

Por isso, é preciso que Edson Fachin continue pautando o tema para que mais ministros votem — algo que o próprio Barroso, enquanto esteve na presidência da Corte (2023-2025), não fez.

Além disso, assim como há entidades e juristas na defesa dessas ações, há outras tantas contrárias aos afrouxamentos no que diz respeito à interrupção da gravidez, gerando pressão para o assunto ficar onde está.

Quem é contra a descriminalização do aborto em geral argumenta que o direito à vida do embrião começa no momento da concepção e que ele sobrepõe o direito à autonomia corporal da mulher.

A BBC News Brasil tentou entrar em contato com a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), a União dos Juristas Católicos (Ujuca) e o Instituto de Defesa da Vida e da Família (IDVF), mas não obteve retorno de nenhuma delas até o fechamento desta reportagem.

"Qual é a prioridade de legalizar o aborto na pauta nacional hoje?", disse o senador Eduardo Girão (Novo-CE), quando o julgamento foi retomado no STF em 2023.

"Isso é desejo da população brasileira? É óbvio que não. É desejo de poucos militantes que usam toga, assim como fizeram na questão das drogas."

A descriminalização do aborto é rejeitada por 75% dos brasileiros, segundo uma pesquisa Ipsos-Ipec de julho deste ano — dois pontos percentuais acima do levantamento anterior, de 2023.

Em contrapartida, 16% apoiam, índice que teve queda de dois pontos percentuais em relação a dois anos antes.

No STF, o ministros Kássio Nunes Marques e André Mendonça já se declararam publicamente contra a ampliação do acesso ao aborto.

Ao ter sua indicação ao STF sabatinada no Senado em outubro de 2020, Marques se disse contra a interrupção da gravidez por razões pessoais: "Questões familiares, questões pessoais, experiências minhas vividas. A minha formação é sempre em defesa do direito à vida".

Ele também manifestou que as três hipóteses de liberação do aborto no Brasil estariam adequadas e que apenas algum fator extraordinário poderia provocar a ampliação disso.

O sucessor favorito

Anunciada na semana passada, a aposentadoria de Barroso foi antecipada, já que o ministro teria cargo garantido até os 75 anos, ou seja, até 2033.

Segundo Barroso, sua decisão foi motivada por razões pessoais.

"Sinto que agora é hora de seguir outros rumos. Nem sequer os tenho bem definidos, mas não tenho qualquer apego ao poder e gostaria de viver um pouco mais da vida que me resta sem a exposição pública, as obrigações e as exigências do cargo. Com mais espiritualidade, literatura e poesia", disse, emocionado.

Agora, cabe ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicar seu sucessor, que herdará todas as ações das quais Barroso é relator.

Dentre elas, a que requer que outros profissionais de saúde possam realizar o procedimento de aborto legal e a que pede a garantia ao direito à interrupção da gestação nas hipóteses já permitidas pelo Código Penal em casos de fetos anencéfalos.

Não há prazo definido para que o presidente faça esta escolha.

A ex-presidente Dilma Rousseff (PT), por exemplo, levou quase um ano para indicar Edson Fachin, em 2015, para a vaga deixada por Joaquim Barbosa.

Mas desde o anúncio da aposentadoria de Barroso, alguns nomes passaram a circular como prováveis indicados.

Dentre eles, o do advogado-Geral da União (AGU), Jorge Rodrigo Araújo Messias, é visto como favorito por alguns juristas com quem a BBC News Brasil conversou, em caráter reservado.

Messias já ocupou diferentes cargos em governos petistas, como o de subchefe para assuntos jurídicos da Presidência no governo de Dilma Rousseff, e é muito próximo ao presidente Lula.

Além de Messias, estão entre os cotados o desembargador federal Rogério Favreto, do TRF da 4ª região; o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas; o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e o atual advogado da Petrobras e ex-secretário de Assuntos Jurídicos da Presidência Wellington César Lima e Silva.

Após a indicação, o nome tem que de ser aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado e depois pelo plenário do Casa, onde precisará da maioria absoluta dos votos.

*Com reportagem adicional de Mariana Alvim, da BBC News Brasil em São Paulo

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