STF forma maioria para condenar Bolsonaro por tentativa de golpe
Com votos da ministra Cármen Lúcia e do presidente do colegiado, Cristiano Zanin, placar para condenação terminou em 4 a 1
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira, 11, para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
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A decisão foi consolidada com os votos da ministra Cármen Lúcia e do presidente do colegiado, Cristiano Zanin, que se alinharam aos votos dos ministros Alexandre de Moraes, relator do caso, e Flávio Dino. Apenas o ministro Luiz Fux votou pela absolvição do ex-presidente.
Com a conclusão de todos os votos, os ministros agora discutirão a dosimetria das penas. Essa discussão deverá levar em consideração o grau de participação e a relevância de cada réu nos fatos criminosos.
O voto decisivo da ministra pela condenação foi marcado por um discurso que relembrou a ditadura e a redemocratização. Ela iniciou citando uma poesia de resistência de Affonso Romano de Sant'Anna — "Uma coisa é um país, outra um ajuntamento" — para em seguida argumentar que, embora o período pós-redemocratização não tenha sido perfeito, as instituições sempre reagiram.
No entanto, destacou que "desde 2021, para além da provação mundial da pandemia de covid-19, novos pesares brotaram nessas terras voltadas a objetivos espúrios", já mostrando desde o princípio que seu voto tenderia a reconhecer a tentativa de golpe e abolição do Estado Democrático de Direito.
"Esse é um processo, como há outros, que temos a responsabilidade constitucional de julgar. Processos que despertam maior ou menor interesse da sociedade, o que não é também nada de novo, seja uma cidade pequena, seja para todo o país. Toda ação penal, especialmente a ação penal, impõe um julgamento justo e aqui não é diferente. O que há de inédito, talvez, nessa ação penal, é que nela pulsa o Brasil que me dói. A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro na área especificamente das políticas públicas dos órgãos de Estado", disse Cármen.
Em seguida, a ministra rejeitou as preliminares apresentadas pelas defesas dos réus, que alegavam incompetência do STF e da Primeira Turma para julgar o processo, cerceamento de defesa e nulidade da colaboração premiada de Mauro Cid.
Ao concordar com o relator Alexandre de Moraes e discordar de Luiz Fux, Carmén Lúcia mandou vários recados ao único colega a votar pela absolvição de Bolsonaro e fez questão de reforçar que, em sua avaliação, os crimes denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) aconteceram e foram praticados por todos os réus envolvidos.
Durante o seu voto pela condenação dos réus, a magistrada relembrou todo o conjunto probatório, afirmou que os atos golpistas de 8 de janeiro não foram “um acontecimento banal”, que há "acervo enorme de provas" e que "ficou largamente demonstrada" a participação de todos os acusados na trama, assim como ficou comprovado que Bolsonaro atuou como "líder" da organização criminosa.
Sobre a participação do ex-presidente nos crimes, a ministra destacou que ele "deu início efetivo a essas ações de propagação [contra urnas eletrônicas], atingindo, exatamente, um número muito grande da sociedade brasileira". Nesse sentido, a magistrada avaliou haver uma prática ilegal "permanente" por parte da organização criminosa desde julho de 2021.
A ministra ainda afirmou que os discursos contra o Judiciário, iniciados em 2021, culminaram nos atos que pediam a intervenção militar e a substituição dos ministros. Para ela, essa sequência de eventos demonstra claramente o uso da violência nos atos golpistas.
“Eu acho que o Brasil só vale a pena porque nós estamos conseguindo ainda manter o Estado Democrático de Direito e todos nós, com as nossas compreensões, estamos resguardando isso e só isso: o direito que o Brasil impõe que nós como julgadores façamos valer”, disse a ministra ao finalizar seu voto.
Ao encerrar a votação, o ministro Cristiano Zanin, presidente da turma, analisou o conjunto probatório e endossou integralmente a acusação feita pela PGR contra os réus do "núcleo crucial" da trama, condenando todos os envolvidos. "Não procede a tese de que a discussão envolveu mero ato preparatório, porque não teria se chegado a haver a convocação do Conselho da Defesa ou Conselho da República", afirmou o magistrado.
"Todos os elementos revelam que a tentativa de golpe de Estado havia sido planejada com esmero e já se encontrava em curso com ações voltadas para viabilizar o melhor momento da sua deflagração, contando com a ciência e contribuição por meio de ações e omissão do réu, Jair Messias Bolsonaro, o maior beneficiário dos atos", acrescentou Zanin.
O presidente da Primeira Turma também destacou que Bolsonaro era considerado o "líder a ser seguido" pelos integrantes da organização criminosa e que o ex-presidente estava ciente de todas as ações do grupo, "anuindo a cada passo ou tomando a frente para conclamar a população a atos concretos".
Como votaram os outros ministros
Moraes foi o primeiro a votar pela condenação dos réus. Ele rejeitou as preliminares da defesa e manteve uma postura firme e incisiva ao concluir que "não há dúvida de que houve tentativa de golpe". Além disso, afirmou que as provas apontam o ex-presidente como "líder da organização criminosa".
Entre as evidências, citou a agenda do general Augusto Heleno com registros sobre "o planejamento prévio da organização criminosa de fabricar um discurso contrário às urnas eletrônicas"; o plano "Punhal Verde Amarelo" — que previa o assassinato de autoridades como Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e o próprio Moraes —; a "Operação Luneta" com detalhamento tático do golpe; transcrições de áudios entre militares sobre operações 'Punhal Verde e Amarelo' e 'Copa 2022'; e diálogos entre Alexandre Ramagem e Bolsonaro.
Em seguida, o ministro Flávio Dino acompanhou o relator. Em seu voto, ironizou as pressões do governo de Donald Trump e rebateu ataques e críticas à Corte. "Espanto alguém imaginar que alguém chega no Supremo e vai se intimidar com um tweet. Será que as pessoas acreditam que um tweet de uma autoridade de um governo estrangeiro vai mudar um julgamento no Supremo? Será alguém imagina que um cartão de crédito ou o Mickey vão mudar o julgamento no Supremo?", criticou o magistrado.
Apesar de ter votado pela condenação de todos os réus, Dino defendeu penas menores para Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira por "menor participação na trama golpista". Afirmou ainda que "esses crimes já foram declarados pelo plenário do Supremo Tribunal Federal como insuscetíveis de indulto, de anistia".
Em divergência durante o voto mais longo entre os ministros, que durou cerca de 14 horas, Luiz Fux absolveu Bolsonaro e outros cinco dos oito réus do núcleo considerado crucial para o plano de golpe pela PGR. Ele condenou apenas o tenente-coronel Mauro Cid e Walter Braga Netto por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
