'Bebo sangue dele: leia diálogos dos 'capos' Bacellar e desembargador do TRF2, segundo a PF
O desembargador Macário Ramos Judice Neto, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), trocava "palavras de afeto e declarações efusivas de carinho" com o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Rodrigo Bacellar (União Brasil), segundo inquérito da Polícia Federal. Ambos foram alvos da segunda fase da Operação Unha e Carne, que investiga possíveis irregularidades envolvendo a condução do processo do ex-deputado estadual Thiego Raimundo dos Santos, o TH Joias (expulso do MDB), suspeito de integrar o Comando Vermelho e manter contato muito próximo com os chefões da facção.
Preso desde a última terça-feira, 16, Macário "fornecia à organização criminosa a proteção necessária para escudar seus membros políticos de medidas" da Polícia Federal, aponta a representação policial que revelou a 'lealdade' entre Bacellar e o desembargador.
A defesa do magistrado afirma que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que decretou a prisão de Macário, foi "induzido a erro". "A defesa apresentará os devidos esclarecimentos nos autos e requererá a sua imediata soltura", afirmou o advogado Fernando Augusto Fernandes.
A defesa de Bacellar, conduzida pelos criminalistas Daniel Leon Bialski e Roberto Podval, informou que "o parlamentar sempre se colocou à disposição da autoridade policial e da Justiça para evidenciar seu não envolvimento nos fatos noticiados, prestando todos os esclarecimentos necessários".
Para os federais, a relação afetuosa entre Bacellar e Macário "traz à tona toda a teia de interações e relacionamentos escusos existentes no cerne dos órgãos estatais".
"Todos esses elementos descortinam a existência de um verdadeiro estado paralelo, capitaneado pelos capos (líderes na hierarquia da máfia italiana) da política fluminense que nos bastidores vazam informações que inviabilizam o sucesso de operações policiais relevantes contra facções criminosas violentas, a exemplo do Comando Vermelho", ressalta a representação da PF.
'Sou teu fã'
Em 20 de outubro de 2025, após sucessivas chamadas de áudio e vídeo logo pela manhã, Macário se declara para Bacellar.
"Te amo", escreveu o desembargador, em mensagem acompanhada por um emoji de coração.
"Deus te abençoe, irmão. Sou teu fã", devolveu Bacellar.
"Bom dia. Recíproco. Aguardo sua agenda. Quero lhe desejar muitas bênçãos nos exames que fará hoje", anotou Macário.
Três dias depois, mais trocas efusivas de afeto entre o desembargador e o parlamentar, que foi preso na primeira fase da Operação Unha e Carne e libertado após a Assembléia decidir pela revogação da prisão preventiva no dia 9 de dezembro.
"O gov me ligou! Falamos hoje", disse o desembargador, que goza da 'confiança e lealdade' do parlamentar, segundo a PF.
"Você é irmão de vida. Não se desgaste por nada pq o melhor não (sic) temos irmão que é amizade pra vida e reciprocidade", respondeu Bacellar.
'Bebo sangue dele'
No dia 4 de novembro de 2025, Macário enviou mensagens a Bacellar na tentativa de apaziguar o desgaste entre o presidente da Alerj e o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), que naquele momento se agravava politicamente.
"Irmão lamentável esse momento! Penso que separados serão vulneráveis. Para sair como candidato precisará da Alerj", escreveu Macário.
"Se ele quiser me enfrentar bebo sangue dele, irmão. Sou da roça amo brigar com peixeira na mão", afirmou Bacellar, rompido com Castro desde julho.
"Evitemos esse embate", recomendou o desembargador.
"Só te mandei pra te mostrar que ele ama ser vítima e o mundo é o culpado ele sempre inocente", argumentou o parlamentar, que seria preso um mês depois pela PF.
"Foque em BsB hj. Obg pela confiança", sugeriu o desembargador.
"Vc eu levo pro caixão meu irmão nunca duvide disso", respondeu Bacellar.
"Mas pensemos juntos. Não verbalize nada agora", retrucou o magistrado.
"Jamais. Tô apenas desabafando com meu irmão Macário. Estamos velhos pra passar recibo."
"Claro. Mas nós que temos personalidade forte temos que ter calma e sabedoria. O jogo está iniciando."
"Vc é faixa preta", encerrou Bacellar.
'Meu Padrinho', 'um beijo grande'
A representação da Polícia Federal que pediu a prisão do desembargador aponta que os laços entre Macário e Bacellar eram tão estreitos a ponto de envolver até o repasse de ingressos para partidas do Flamengo.
"Irmão querido boa tarde! Como tem passado? Diga-me uma coisa, vc consegue 4 ingressos para o jogo do Flamengo x Ceará?", pediu o desembargador no dia 30 de novembro.
O rubro-negro da Gávea iria enfrentar o Ceará na noite de quarta, 3, no Rio. O embate contra o 'Vozão' levou quase 70 mil pessoas ao Maracanã. O Flamengo sagrou-se campeão brasileiro de 2025.
"Nem que eu arrebente o portão darei um jeito. Tenho juízo meu Padrinho", afirmou o parlamentar.
"Na verdade, deixa eu te explicar. O meu irmão Rodrigo, que é seu xará, Rodrigo Judice, está indo com meu sobrinho, filho dele, o Fernandinho. A esposa entendeu? E mais assim, acho que o sobrinho também dela. E eu queria, eles são flamenguistas doentes, então eu queria ver se eu consigo atender ao meu sobrinho, na verdade, que é o Fernandinho, que está aqui me perturbando a paciência. Você, querido, tá tudo bem? Eu retornando no Rio, a gente precisa sentar, cara, nós temos que sentar pra bater um papo. Eu estaria dia 11, tá? Mas assim, se você não conseguir, deixa pra lá, tá, meu amigo, eu sei que deve tá uma procura terrível, né? Esse jogo de Ceará com o Flamengo, quarta-feira, mas tamo junto, tá? Qualquer coisa cê me avisa aqui. Um beijo grande e um excelente domingo pra vocês", justificou Macário sobre o pedido.
"Meu irmão, fica tranquilo que eu vou dar meu jeito, tá? Amanhã eu vou saber a carga exata que a Suderj (Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro) vai me informar. Eu não vou mesmo, eu sempre fico de casa, entendeu? Eu gosto de ver jogo quieto, então tão resolvidos. Vou dar um jeito. Amanhã, até o fim do dia, eu te dou um jeito. Dia 11 também, quando você chegar, vamos falar, tá? Pode ficar despreocupado", tranquilizou Bacellar.
Um dia antes da partida, em 2 de dezembro, Macário agradeceu o presidente da Alerj pelos ingressos.
"Meu irmão querido, desculpa a demora em te dar resposta, mas deu tudo certo lá o meu irmão conseguiu tá. Fica na paz muito obrigado você sempre muito positivo e foi bom também que eu não te ocupei né. Fica mais sobra os ingressos pra vocês tá?", disse o desembargador.
"Semana que vem estou chegando aí para a gente sentar. Forte abraço. Seremos campeões amanhã, amém", previu o magistrado, em referência ao jogo que sacramentou o Flamengo como campeão brasileiro deste ano.
"Te amo meu irmão. Sempre que precisar tô aqui pra qq parada em especial na hora ruim", declarou Bacellar.
O desembargador, o parlamentar e o pagodeiro
A "suspeita de uma relação consolidada entre Bacellar e Macário", segundo a PF, é reforçada pela proximidade pessoal entre o presidente da Assembleia e o pagodeiro Belo, ator da Globo.
"Eu te amo. Mesmo vc me abandonando tá", enviou o cantor em 6 de agosto.
"Nuncaaaa. Falei de vc demais ontem irmão. Vamos marcar de se ver semana que vem", sugeriu Bacellar.
"Seu secretário de Cultura, firme e fiel", se autointitulou o cantor, apesar de não ocupar nenhum cargo público.
Belo envia uma foto com o desembargador Macário Judice, após encontro em um shopping do Rio.
"Nossa família", aponta o cantor.
"Tô presidindo já te chamo irmão", advertiu Bacellar.
"Tá tudo bem. Estou com Macário aqui. Nosso desembargador", afirmou Belo.
Churrasquinho e vazamento de informações
A análise dos diálogos pela Polícia Federal indica que houve um encontro entre Rodrigo Bacellar e o desembargador Macário Judice Neto na Churrascaria Assador, no Aterro do Flamengo, na véspera da deflagração da Operação Zargun, em 3 de setembro de 2025.
A reunião "permite concluir que ambos provavelmente estavam juntos no momento em que TH Joias enviava mensagens a Bacellar sobre sua evasão e a destruição de provas", diz a representação.
"Além do encontro físico, verificou-se a existência de laços estreitos de amizade e confiança entre Bacellar e Macário, evidenciados por interações constantes, declarações de lealdade e articulações políticas registradas nos diálogos analisados", anota o inquérito.
Os federais ainda relembram a carreira de Macário na magistratura, marcada por um afastamento compulsório ao longo de dezoito anos sob suspeita de venda de sentenças e envolvimento com o jogo do bicho.
O magistrado "foi reintegrado ao cargo em razão da declaração da prescrição de seu Processo Administrativo Disciplinar e, em razão de sua antiguidade, foi automaticamente promovido a desembargador."
Para a PF, Macário "draga toda a imagem do Poder Judiciário para uma vinculação direta com a criminalidade violenta do Estado do Rio de Janeiro, de modo a vulnerar toda a credibilidade do sistema de Justiça."
COM A PALAVRA, A DEFESA DE RODRIGO BACELLAR
Em nota, os criminalistas Daniel Leon Bialski e Roberto Podval informaram que "o parlamentar sempre se colocou à disposição da autoridade policial e da Justiça para evidenciar seu não envolvimento nos fatos noticiados, prestando todos os esclarecimentos necessários".
"Além disso, quando ouvido, informou, em sede policial, que havia acabado de se mudar, comunicando o novo endereço", destacam os advogados.
Bialski e Podval ressaltam que o deputado Bacellar 'tem cumprido todas as medidas determinadas' e reiteram que o parlamentar 'não atuou, de nenhuma forma, para inibir ou embaraçar qualquer investigação, direta ou indiretamente, sendo certo que isso restará demonstrado'.
COM A PALAVRA, A DEFESA DE MACÁRIO JUDICE NETO
"A defesa do desembargador Macário Judice registra, desde logo, que Sua Excelência o ministro Alexandre de Moraes foi induzido a erro ao determinar a medida extrema. Ressalta, ainda, que não foi disponibilizada cópia da decisão que decretou sua prisão, obstando o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. A defesa apresentará os devidos esclarecimentos nos autos e requererá a sua imediata soltura", afirmou o advogado Fernando Augusto Fernandes.