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Política

Apenas 7 projetos analisados pela CDH viraram lei em 9 anos

Presidida por Marco Feliciano, comissão alvo de discórdia na Câmara exerce pouco o poder de propor e votar projetos de lei

22 abr 2013 - 09h02
(atualizado às 09h06)
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A eleição do deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDH) colocou em destaque um colegiado anteriormente tido como de pouca força política dentro da Câmara. Apesar de a CDH ganhar grande espaço no noticiário do último mês, a polêmica em torno do perfil de Feliciano ofuscou a atuação da comissão, e muito pouco se discute acerca de seu papel no Congresso e na sociedade. Levantamento feito pela Câmara, a pedido do Terra, mostra que, apesar de ter garantido o poder deliberativo desde 2004, a comissão faz pouco uso de suas atribuições legislativas, dando prioridade à realização de audiências públicas e à fiscalização do respeito aos direitos humanos no País.

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Nos últimos nove anos, apenas sete projetos que tramitaram na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara resultaram na promulgação de leis e normas. Apesar de ter contribuído para a aprovação da Lei de Cotas - que determina a reserva de 50% das vagas nas universidades para estudantes na rede pública -, a grande maioria dessas medidas analisadas foram atos que referendaram a assinatura de acordos internacionais de respeito aos direitos humanos. Nenhuma das matérias transformadas em lei foi proposta por membros da CDH.

Criada em 1995, a comissão tem entre suas atribuições constitucionais e regimentais "receber, avaliar e investigar denúncias de violações de direitos humanos", "fiscalizar e acompanhar a execução de programas governamentais do setor", "cuidar dos assuntos referentes às minorias étnicas e sociais" e "discutir e votar propostas legislativas relativas à sua área temática". A última prerrogativa, entretanto, era limitada até 2004, quando alterações no regimento interno da Câmara permitiram à comissão a faculdade de proferir parecer de mérito sobre os projetos em tramitação.

O ex-deputado federal e atual secretário municipal do Trabalho de Porto Alegre (RS), Pompeo de Mattos (PDT-RS), que presidiu a comissão entre 2008 e 2009, vê com naturalidade o baixo número de matérias aprovadas pela CDH que se tornaram lei. "A Comissão de Direitos Humanos é uma trincheira de luta das minorias. E, via de regra, as minorias não legislam, elas reivindicam. Na minha visão, a comissão legisla pouco porque não tem força para legislar. Ela tem espaço para reivindicar, para cobrar, para fiscalizar. Enfim, para ser o eco do grito dos desassistidos", analisa o pedetista.

A opinião de Pompeo é compartilhada pelo deputado Domingos Dutra (PT-MA), antecessor de Feliciano no cargo. "A principal importância da comissão é debater os temas relativos a direitos humanos, a suas violações", afirma. Segundo a Câmara, a CDH recebe, em média, 320 denúncias de violações dos direitos humanos por ano. A maioria delas refere-se a violações de direitos de presos e detenções arbitrárias, seguida de violência policial e violência no campo.

A cada denúncia recebida, a comissão encaminha ofícios e determina acompanhamentos e cobra providências cabíveis, seja do poder público, seja de entes privados. É possível ainda dirigir ofícios ao Ministério Público Federal ou Estadual, à Justiça, polícia e outros órgãos de governo, para que as denúncias de violações sejam investigadas. "Para cada denúncia, é aberto processo administrativo para facilitar o acompanhamento. Quando não há respostas por parte das autoridades, a CDH reitera os ofícios e solicitações até que haja manifestação do órgão ou autoridade pública", diz a Câmara na página da comissão.

Para Dutra, falta estrutura à comissão para que execute de forma eficaz a fiscalização de violações de direitos humanos. "O ideal é que ela tivesse autonomia financeira, material e humana para se deslocar rapidamente para locais onde ocorrem violações de direitos humanos. A comissão acaba não tendo estrutura", argumenta.

Para o deputado Nilmário Miranda (PT-MG), primeiro presidente da história da CDH, a comissão tem pouco apelo entre os parlamentares. "Não é uma comissão cobiçada. Como ela tem pouca estrutura, ela não tem uma força institucional, tem só uma força simbólica e política para fora da Câmara. Dentro da Câmara, ela acaba não tendo muito peso", afirma.

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Além do pequeno número de projetos que são encaminhados para a CDH, Domingos Dutra argumenta ainda que a comissão veta boa parte das matérias analisadas, que contrariam, na sua opinião, os direitos humanos. "Ela recebe poucos projetos. Muitas das vezes, ela é lenta em algumas coisas porque tem projetos extremamente nocivos aos interesses dos direitos humanos. E a comissão não delibera com a rapidez", afirma Dutra, que usa como exemplo demandas da bancada ruralista para "anular decretos presidenciais relativos a terras de quilombo ou indígenas".

Entre projetos aprovados estão Dia do Índio e Lei de Cotas

Dos sete projetos que tramitaram pela CDH e viraram lei desde 2004, quatro aprovam a assinatura de acordos internacionais de defesa dos direitos humanos. O projeto de decreto legislativo (PDC) 1425, de autoria da Comissão de Relações Exteriores de Defesa Nacional e publicado em 2004, aprova o texto do Protocolo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotado em Nova York dois anos antes. De autoria da mesma comissão, o PDC 2253, de 2006, diz respeito a dois protocolos internacionais de abolição da pena de morte.

Além deles, foram aprovados os PDCs 495/2008 e 2.230/2009, que aprovam, respectivamente, os textos do Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos e do Mercosul e da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado.

Já o projeto de lei (PL) nº 73, de 1993, estabelece 50% de reserva de vagas nas universidades públicas federais para alunos de escola pública, a chamada Lei de Cotas. Além da chamada cota social, que atende alunos que estudaram o ensino médio em escolas públicas, a lei prevê ainda recorte étnico-racial, que varia segundo a proporção de negros e índios em cada unidade da federação. Após quase dez anos de negociações, a lei foi finalmente sancionada pela presidente Dilma Rousseff (PT) no ano passado.

O PL 1.735/2003, do ex-deputado Carlos Abicalil (PT-MT), acrescenta um parágrafo à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, determinando que cabe à União estimular as universidades públicas ou privadas para que garantam o acesso dos povos indígenas ao ensino superior.

Por fim, o PL 7.072/2006, do senador Paulo Paim (PT-RS), instituiu o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, celebrado no dia 7 de fevereiro. A data é uma lembrança da morte de Sepé Tiarajú, símbolo da resistência da etnia Guarani.

Feliciano é exceção em comissão dominada pela esquerda

Desde 1995, 16 deputados federais presidiram, por 19 mandatos, a Comissão de Direitos Humanos, historicamente dominada por partidos de esquerda. Até a eleição de Feliciano, a única exceção à regra era o ex-deputado Eraldo Trindade, do antigo PPB (atual PP) do Amapá. Empresário de comunicação e com atuação parlamentar voltada à defesa dos interesses do funcionalismo, Trindade foi eleito com 15 votos a 1, em disputa com o colega de partido Jair Bolsonaro (RJ). Capitão da reserva do Exército e famoso até hoje por suas declarações polêmicas, Bolsonaro havia anunciado, durante a campanha pela presidência da CDH, que instituiria o fuzil como símbolo da comissão, sendo amplamente rejeitado no pleito.

Lista de presidentes da CDH
Nome Partido Estado Entrada Saída
1 Nilmário Miranda PT MG 22/02/1995 08/03/1996
2 Hélio Bicudo PT SP 13/03/1996 15/02/1997
3 Pedro Wilson PT GO 13/03/1997 15/02/1998
4 Eraldo Trindade PPB AP 18/03/1998 31/01/1999
5 Nilmário Miranda PT MG 03/03/1999 15/02/2000
6 Marcos Rolim PT RS 22/03/2000 15/02/2001
7 Nelson Pellegrino PT BA 21/03/2001 15/02/2002
8 Orlando Fantazzini PT SP 07/03/2002 31/01/2003
9 Enio Bacci PDT RS 26/02/2003 15/02/2004
10 Mário Heringer PDT MG 23/03/2004 01/03/2005
11 Iriny Lopes PT ES 02/03/2005 28/03/2006
12 Luiz Eduardo Greenhalgh PT SP 29/03/2006 31/01/2007
13 Luiz Couto PT PB 14/02/2007 04/03/2008
14 Pompeo de Mattos PDT RS 05/03/2008 04/03/2009
15 Luiz Couto PT PB 04/03/2009 03/03/2010
16 Iriny Lopes PT ES 03/03/2010 31/01/2011
17 Manuela D'Ávila PCdoB RS 02/03/2011 07/03/2012
18 Domingos Dutra PT MA 07/03/2012 07/03/2013
19 Marco Feliciano PSC SP 07/03/2013  
Fonte: Terra
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