PUBLICIDADE

Polícia

Julgamento do Carandiru segue com depoimentos e deve acabar na sexta

1 ago 2013 - 08h30
(atualizado às 08h39)
Compartilhar
Exibir comentários
<p>O julgamento será retomado às 13h</p>
O julgamento será retomado às 13h
Foto: Fernando Borges / Terra

Após avançar a madrugada, os depoimentos dos 25 policiais militares acusados por 73 das 111 mortes ocorridas em 2 de outubro de 1992, na Casa de Detenção de São Paulo, previstos para acabarem na quarta-feira, não foram totalmente tomados e, por isso, esta fase avançou para esta quinta-feira, quando estava previsto apenas a leitura de peças e apresentação de vídeos.

Júri condena 23 PMs a 156 anos de prisão por massacre do Carandiru
"Vocês vão decidir que polícia querem na rua", diz defesa
Absolver PMs é 'cuspir na cara do bom policial', diz acusação
Defesa cita 'Tropa de Elite' e acusa governo para absolver PMs
MP exalta letalidade da Rota e acusa PM de 'plantar' armas

O julgamento será retomado às 13h. Apesar do atraso, a programação de leitura de peças e apresentação de vídeos foi mantida e a previsão é de que o julgamento se encerre na data prevista, sexta-feira.

Depoimentos de réus apresentam contradições

Na quarta-feira, quatro dos 25 policiais depuseram no júri. O plano era que cinco fossem ouvidos, já que 18 se mantiveram no direito de permanecer em silêncio, seguindo a orientação da defesa, e dois se ausentaram do julgamento.

Primeiro a ser ouvido, o coronel Valter Alves de Mendonça, um dos comandantes da Rota que atuou no terceiro pavimento da Casa de Detenção, disse nesta quarta-feira que entrou no local preocupado em levar tiros. "Eu não esperava a reação dos presos", afirmou.

"Eu vi clarões, ouvi estampidos e senti impacto no escudo que eu carregava. Atiraram contra mim. Aí eu reagi", disse ele.

Mendonça disse, na abertura do interrogatório, que tem ciência da acusação contra ele - de ter participado da morte dos presos -, mas afirmou não concordar com ela. "Eu efetuei três disparos. Contra mim, acredito que tenham sido meia dúzia de disparos. Tomei paulada na perna e fui cortado por estilete no braço", disse, ele, alegando que reagiu em legítima defesa.

Ele conta que fazia o patrulhamento na região do Carandiru quando foi chamado, com sua equipe, para comparecer ao Carandiru, atendendo solicitação do coronel Ubiratan Guimarães, responsável pela operação naquele dia. "Quando chegamos lá, o diretor da Casa de Detenção estava nervoso, andando de um lado para o outro. Dava para perceber que ele queria uma intervenção, dizia que a briga estava incontrolável. A preocupação maior era com uma fuga em massa e que o Pavilhão 8, que era o mais perigoso, se rebelasse", diz.

Mendonça conta que já na entrada do prédio pode ver quatro corpos, um deles decapitado. "Subimos gritando palavras de ordem: ‘entrem nas celas’. Três deles gemiam de dor no corredor. Recolhi pelo menos duas armas com eles", afirmou. O promotor lembrou que nos depoimentos anteriores, ele nunca citou ter encontrado esse preso morto, sem cabeça. "Na época não achei relevante", justificou-se.

Segundo oficial, presos usaram materiais contaminados com HIV Após o primeiro depoimento, encerrado às 15h, o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo, decretou um intervalo, que se estendeu até as 17h. Após 18 réus se recusarem a falar, o major da Polícia Militar Marcelo Gonzáles Marques, prestou esclarecimentos para o júri.

Segundo o então tenente da Polícia Militar e integrante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), em reunião com o então diretor da Casa de Detenção, José Ismael Pedrosa, com juízes de direito e oficiais da Polícia Militar, entre eles o coronel da PM Ubiratan Guimarães, comandante da invasão da penitenciária, informações apontavam que os presos estariam armados e que, entre eles, havia mortos.

De acordo com o depoimento do policial, Pedrosa alertou a PM sobre um possível risco de ampliação da rebelião para outros pavilhões e uma fuga em massa. Segundo ele, o diretor da Casa de Detenção afirmou que a administração do local já havia perdido a possibilidade de controle da situação e que a ação da polícia era necessária.

Segundo Marques, Pedrosa disse ser iminente a necessidade de uma intervenção policial. “Ele foi enfático em dizer que era urgente (a necessidade de intervenção policial no local)”, disse.

Com a situação passada pela administração da cadeia, Ubiratan teria informado o então secretário de Segurança Pública do Estado, Pedro Franco de Campos, que autorizou o PM a dar início a operação caso acreditasse haver necessidade.

De acordo com o policial, em um primeiro momento, quem faria a entrada inicial no presídio era a Tropa de Choque, não a Rota. Ele considera que a mudança na ordem ocorreu pelo fato de haver possibilidade de conflito armado entre rebelados e policiais. “É uma das atribuições da Rota (agir em conflitos com arma de fogo)”, disse.

‘Ataques vinham de cima’

O policial afirmou que os homens da Rota foram atacados por presos com diversos objetos, desde máquinas de escrever e vasos sanitários à armas brancas. “Eram lançadas, não estavam jogadas”, disse. Questionado sobre de onde partiam os objetos, Marques disse que “vinham de cima”.

Ao chegar ao segundo andar, chamado de terceiro pavimento, do pavilhão 9 da Casa de Detenção, o policial afirma que a polícia foi alvo de disparos de armas de fogo. “Então revidamos”, disse, sem saber se os tiros efetuados pela PM atingiram detentos. “A única coisa que conseguíamos verbalizar era: ‘larga a arma e entra na cela’”, afirmou, sobre o avanço da PM nos corredores do pavimento.

De acordo com o relato do policial, houve quatro confrontos entre policiais e detentos no pavimento, três com disparos e um corporal. No último deles, ele teria sido esfaqueado e disparado tiros com seu revólver 38. Questionado, ele não informou quantos tiros foram dados nem se eles atingiram alguma pessoa. Segundo Marques, entre oito e 10 detentos ficaram feridos após os confrontos e cerca de três ou quatro armas de fogo foram apreendidas. Ele negou que os policiais tenham feito disparos dentro das celas.

Ainda de acordo com o relato do PM, assim que o combate cessou, a Tropa de Choque chegou ao andar e ordenou que os homens da Rota deixassem o local. “Vai para o hospital”, teria sido a ordem recebida.

Assim como afirmou Mendonça, Marques, questionado pela defesa, disse que os réus só estão sendo julgados por afirmarem que efetuaram disparos durante a ação. "Tinha oito ou 10 feridos e agora respondemos por mais de 70 mortes", disse.

De acordo com ele, por não afirmarem que dispararam tiros de arma de fogo, os homens do 2º Batalhão de Choque não foram denunciados e, por isso, não respondem na Justiça pela ação.

Contradição

Confrontados, os depoimentos dos dois réus apresentaram divergências e contradições. Questionado pelo assistente Eduardo Olavo Canto Neto, Marques afirmou que não viu o coronel Mendonça recolher armas, contradizendo o depoimento do PM dado hoje.

"Recolhi pelo menos duas armas com eles", afirmou Mendonça. O promotor lembrou que, nos depoimentos anteriores, o policial nunca citou ter encontrado um preso morto sem cabeça. "Na época não achei relevante", justificou-se Mendonça.

Marques, que estava sob o comando de Mendonça, afirmou que não viu, em sua entrada, corpos no pátio de entrada da penitenciária, diferente do que afirmou o coronel.

Mendonça contou que, já na entrada do prédio, pode ver quatro corpos, um deles decapitado. Já Marques diz ter encontrado corpos de detentos apenas após chegar ao terceiro pavimento.

Terceiro depoimento

Após mais de quatro horas de depoimento do major Marcelo Gonzales Marques, o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo decidiu ouvir mais um réu, o tenente-coronel Carlos Alberto Santos, que comandava uma das tropas que invadiu o presídio. O depoimento de Santos começou por volta da meia-noite.

Ao iniciar o depoimento, Santos disse que "os poucos disparos que fez, fez para se defender". Naquele dia, segundo ele, estava se preparando para sair às ruas com a sua tropa quando recebeu a notícia de que havia uma rebelião no Carandiru. Então, recebeu a determinação de ir com a tropa para o local.

Lá, junto com outros oficiais da Polícia Militar, participou de uma reunião com diretores do presídio e outra pessoas, civis, que não soube precisar quem eram.  Santos também confirmou a preocupação da tropa em evitar que a rebelião se espalhasse para os outros pavilhões.

Foi então traçado um planejamento de como as tropas entrariam no local para conter a rebelião. "Fomos para um pátio que dá acesso ao Pavilhão 9 e colocamos a tropa em forma", relatou. A ideia inicial era que a Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) entrasse por último. No entanto, após ouvirem tiros, houve uma mudança de estratégia e a Rota foi a primeira a entrar no local. "Ouvimos muita gritaria no interior do Pavilhão 9. Ouvíamos esse quadro de terror diante desse portão que estava à nossa frente. E pedíamos para a tropa ter calma e agir sempre em conjunto", ressaltou.

Quando atravessaram o portão, segundo Santos, muitos objetos foram arremessados pelos presos em sua direção, tais como pedaços de pau e de pedra, facas e estiletes e sacos de plástico com urinas e fezes. Ainda no térreo, enquanto começavam a entrar no Pavilhão 9, Santos disse ter visto duas pessoas caídas no chão, "aparentemente mortos". A tropa comandada por ele foi para o terceiro pavimento do pavilhão, onde foi também recebida por porretes e estiletes e seringas (que eles imaginavam estar contaminada com HIV), que eram lançados em suas direções, e por tiros. "Alguns policiais revidaram a agressão", disse.

Houve, segundo ele, um primeiro confronto entre presos e policiais, em que policiais ficaram feridos. Em outro embate, declarou que foi ferido por um disparo de arma de fogo, um tiro que atingiu a perna esquerda. "E eu revidei", declarou. Após ter sido baleado, Santos que caiu e fez mais disparos com um revólver, enquanto a sua tropa avançava. "Estava no comando. Aí caí no solo e a tropa continuou. Eu fui ficando para trás. Enquanto eu regredia, ouvi que os disparos tinham cessado e dei início à descida das escadas. Vi então que minha tropa iniciava o processo de socorrer os feridos", relatou.

Toda a ação para reprimir a rebelião no Carandiru, em 1992, resultou em 111 detentos mortos e 87 feridos. O episódio é considerado como o maior massacre do sistema penitenciário brasileiro.

Relembre o caso

Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.

Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.

A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.

Com informações da Agência Brasil

Fonte: Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade