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GO: falta de remédios paralisa tratamento de vítimas da radiação

13 set 2012 - 07h46
(atualizado às 14h44)
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Mirelle Irene
Direto de Goiânia

O presidente da Associação das Vítimas do Césio 137, Odesson Alves Ferreira, afirma que desde o fim de 2010 o Centro de Assistência aos Radioacidentados (Cara), órgão do Estado de Goiás, parou de fornecer a maioria dos remédios para o tratamento de pessoas afetadas pela radiação. Para ele, muitas pessoas desistiram de ir ao Cara para fazer monitoramento obrigatório de saúde porque se sentem abandonadas ou apenas usadas para pesquisas. "Eu mesmo faço tratamento de uma prostatite aguda há cinco anos, mas só conseguiu o medicamento por três anos. Desde que isso acabou (a distribuição), e eu não dei conta mais de comprar os remédios. Para ser sujeito de pesquisa, uma cobaia, eles tem que dar os meus direitos de assistência", ressaltou.

Para André Luiz de Souza, processo de liberação de medicamentos para vítimas é lento
Para André Luiz de Souza, processo de liberação de medicamentos para vítimas é lento
Foto: Mirelle Irene / Especial para Terra

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A burocracia seria o principal obstáculo da falta de medicamento, explica André Luiz de Souza, diretor-geral do Cara, que é vinculado à Secretaria Estadual de Saúde (SES). "A grande demanda que nós temos é, sem dúvida nenhuma, a de compra de medicamentos. A secretaria de Saúde dispõe do recurso financeiro, mas o processo de liberação é moroso. A Lei das Licitações engessa o processo", afirmou.

Segundo o diretor, o Centro precisa de R$ 10 mil mensais para comprar e disponibilizar a cada mês os remédios para atender 1.015 pacientes atendidos, mas admite que desde o início de 2011 não consegue manter a regularidade do serviço. "Até o final de 2010 havia o Fundo Rotativo, que era, de certa forma, usado de maneira indevida. Porque ele é para atender emergência e os nossos medicamentos são de uso contínuo", disse, informando que, após recomendação do Ministério Público, a SES extinguiu o Fundo Rotativo, mas a situação foi agravada.

Conforme o diretor, só estão disponíveis no Cara atualmente medicamentos da farmácia básica. Remédios para doenças cardíacas, para controle da pressão, ou de problemas de próstata, por exemplo, estão em falta. Souza disse que o secretário da Saúde de Goiás, Antônio Faleiros, acredita que a aprovação de um projeto que cria o Fundo de Saúde estadual pode desburocratizar o processo de compras e eliminar o problema. "É o grande sonho de nós gestores, esta autonomia", apontou o diretor. Ainda de acordo com Souza, paliativamente, a Organização das Voluntárias de Goiás, órgão de assistência social do governo, comprometeu-se a liberar os medicamentos necessários até o início da próxima semana.

Os detalhes da tragédia

No dia 13 de setembro de 1987, no Centro de Goiânia, dois catadores de lixo descobrem um aparelho de radioterapia abandonado. Com a intenção de vender o metal, a dupla leva até um ferro-velho localizado na rua 57 do Setor Aeroporto. O dono do estabelecimento, Devair Alves Ferreira, compra o material e, naquele noite, abre a cápsula e encontra um pó que emitia um brilho azul. Maravilhado com a coloração, ele leva para dentro de casa e mostra para a cunhada, Maria Gabriela Ferreira, e para o restante da família. Sem ter noção do que tinha nas mãos, ele passou dias mostrando para amigos, vizinhos e parentes, o seu achado. Alguns até levaram porções do pó para casa, como o seu irmão Ivo. Nesse meio tempo, Devair e sua família começam a apresentar os sintomas da radiação, como tonturas, náuseas e vômitos.

Alertada por vizinhos, a cunhada de Devair desconfiou que os problemas de saúde tinham origem na cápsula. De ônibus, ela levou o material até a Vigilância Sanitária. Os doentes, que já apresentavam queimaduras, eram tratados no Hospital de Doenças Tropicais. Somente no dia 29 de setembro foi constatado que o produto levado por Maria Gabriela era radioativo e se tratava do césio 137, uma substância que não existe na natureza e é resultado da queima do Urânio 235 dentro de um reator nuclear.

A Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) foi acionada. O pânico se espalhou por Goiânia. A Cnen monitorou os níveis de radioatividade de mais de 110 mil pessoas, no Estádio Olímpico. Encontrou radiação em 271 delas, sendo que 120 tinham rastros em roupas.

No dia 1º de outubro daquele ano, 14 pessoas, em estado grave, foram levadas para o Hospital Marcílio Dias, no Rio de Janeiro. Poucas semanas depois, quatro delas morreram. A primeira foi Leide das Neves Ferreira, 6 anos, a sobrinha do dono do ferro-velho e que se tornou o maior símbolo da tragédia. No mesmo dia, Maria Gabriela Ferreira, 37 anos, perdia a vida também. Morreram ainda outros dois jovens, Israel Batista dos Santos, 22 anos, e Admilson Alves de Souza, 18 anos. Os quatro foram os únicos mortos segundo dados oficiais. A Associação das Vítimas do Césio 137, no entanto, aponta que nesses 25 anos 104 pessoas tenham morrido e cerca 1,6 mil tenham sido afetadas de forma direta.

Os responsáveis pela tragédia foram condenados por homicídio culposo, ou seja, sem intenção de matar e cumpriram penas brandas. Em fevereiro de 1996, quase dez anos depois do acidente, os médicos Carlos Bezerril, Criseide Castro Dourado e Orlando Alves Teixeira e o físico hospitalar Flamarion Barbosa Goulart foram senteciados a três anos e dois meses de prisão em regime aberto. Os médicos e o físico tiveram que prestar serviços à comunidade.

A decisão foi do Tribunal Regional Federal de Brasília, que modificou as penas impostas pela Justiça de Goiânia. Em 1992, todos os envolvidos tinham recebido penas mais brandas, mas um recurso impetrado junto ao TRF alterou toda a situação.

Sócios na Clínica de Radiologia de Goiânia, Carlos, Criseide e Orlando foram considerados os principais responsáveis pelo acidente. Eles deixaram, na sede da clínica, uma bomba radioativa. Com a retirada de telhas, portas e janelas, o prédio ficou desprotegido e a bomba acabou chamando a atenção de catadores.

O ferro-velho e outras residências da região foram destruídas, assim como os pertences das famílias envolvidas, gerando toneladas de rejeitos radioativos. Um depósito foi construído em Abadia de Goiás, cidade ao lado de Goiânia. Em 1987, quando os rejeitos foram levados para lá, Abadia de Goiás ainda não era um município.

Fonte: Especial para Terra
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