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Envio de haitianos a SP escancara crise migratória; entenda

25 abr 2014 - 17h11
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O bate-boca entre governantes de São Paulo e do Acre sobre o destino de imigrantes - em sua maioria haitianos - recém-chegados ao Brasil e enviados à capital paulista é o último desdobramento de um empurra-empurra entre autoridades que se arrasta há pelo menos dois anos e evidencia a crise migratória enfrentada pelo país.

Em 2010, haitianos começaram a entrar no Brasil pelas fronteiras no Norte do país, principalmente pelo Acre. Em 2012, o governo estadual passou a abrigá-los num alojamento na cidade de Brasileia, na fronteira com a Bolívia. Já que chegavam sem vistos, eles permaneciam ali até tirar os documentos para trabalhar legalmente no país.

No início do mês, o governo do Acre resolveu fechar o abrigo e transferir parte dos imigrantes à capital, Rio Branco. Outros 400 foram enviados para São Paulo, onde estão instalados, em sua maioria, em abrigos da Igreja Católica ou da prefeitura.

O envio dos imigrantes pelo Acre foi criticado pelo governo paulista e pela prefeitura de São Paulo, que disseram não ter sido avisadas da decisão. Nesta sexta-feira, a secretária de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, Eloisa de Souza Arruda, disse que São Paulo pode levar o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A ONG Conectas, que já denunciou na ONU o tratamento dado pelo Brasil aos imigrantes haitianos, cobra maior envolvimento do governo federal no impasse.

A BBC Brasil elaborou uma série de perguntas e respostas sobre a onda de imigração haitiana ao Brasil.

Por que o Acre fechou o abrigo e mandou imigrantes a São Paulo?

O governo acriano disse ter tomado a decisão porque a permanência dos imigrantes em Brasileia ameaçava causar problemas com a população local. A cidade, de 20 mil habitantes, chegou a abrigar 2,5 mil imigrantes. Moradores diziam que os estrangeiros sobrecarregavam os serviços públicos locais.

Desde fevereiro, a situação em Brasileia se agravou com cheia do rio Madeira, que cortou a ligação terrestre do Acre com o resto do país. Em março, o alojamento dos imigrantes - um antigo ginásio esportivo com capacidade para abrigar algumas centenas de pessoas - chegou a acolher 1,9 mil estrangeiros, sua ocupação máxima até então.

O Acre disse ainda que, ao transportar os imigrantes a São Paulo, deixou-os mais perto dos principais centros de emprego no país.

Por que os imigrantes haitianos têm vindo para o Brasil? Quantos já chegaram?

O terremoto que arrasou o Haiti em 2010 deu impulso extra ao grande fluxo de haitianos que, há várias décadas, deixa o país caribenho em busca de melhores condições de vida em outras nações.

Segundo o governo federal, entre 2010 e o fim de 2013, 21 mil haitianos obtiveram vistos permanentes para viver no Brasil. O número total de haitianos no Brasil é, no entanto, desconhecido, já que muitos ainda aguardam os vistos.

Mesmo assim, o número é pequeno comparado ao total de imigrantes haitianos em outros países. Nos Estados Unidos, o Censo de 2010 contou quase 1 milhão de haitianos. Na República Dominicana, único país a dividir fronteira terrestre com o Haiti, estima-se que haja entre 500 mil e 800 mil haitianos.

Grande parte dos haitianos no Brasil diz ter optado pelo país pelo tamanho de sua economia e suas possibilidades de trabalho. Alguns também citam as crescentes dificuldades para migrar para países europeus e os EUA.

Os haitianos são considerados refugiados?

Não. O Brasil reconhece como refugiados somente aqueles que tenham deixado seu país por sofrer perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas.

Os haitianos, no entanto, migram para o Brasil principalmente por razões econômicas. Ainda assim, grande parte dos que chegam ao país sem vistos solicita refúgio ao governo brasileiro.

Enquanto o governo analisa o pedido, o que pode levar até um ano, eles podem obter documentos para trabalhar no Brasil.

Como eles viajam até o Brasil?

Os haitianos que chegam ao Brasil pela Amazônia costumam voam até o Equador e, de lá, pegar ônibus até a fronteira do Peru com o Brasil. A viagem pode durar até uma semana.

A chegada deles pela Amazônia foi facilitada pela inauguração, há alguns anos, da estrada Interoceânica, que liga o Acre à costa do Peru, no Pacífico.

No trajeto, muitos imigrantes dizem sofrer achaques policiais e pagar preços escorchantes a atravessadores (coiotes).

Nos últimos anos, imigrantes de outros países, principalmente Senegal e República Dominicana, também passaram a chegar ao Brasil pela rota aberta pelos haitianos com início no Equador.

Qual a posição do governo federal em relação às críticas?

O governo federal diz ajudar o Acre a receber os imigrantes com recursos extras para saúde, assistência e integração social. O governo diz ainda ter acelerado a concessão de documentos para os imigrantes (com registro, CPF, carteira de trabalho e cadastro no Sistema Nacional de Emprego).

Além disso, no início de 2012, em resposta à crescente chegada de imigrantes haitianos pela Amazônia, o governo federal passou emitir na embaixada brasileira no Haiti cem vistos permanentes por mês para famílias haitianas que quisessem viver no Brasil.

O governo disse que a medida tinha fins humanitários e visava encorajar haitianos a chegar ao Brasil de avião, livrando-se assim da ação de atravessadores e dos riscos da longa viagem por terra.

Como a procura por vistos foi muito superior à oferta, porém, o governo acabou pondo fim ao limite mensal. Agora, o Itamaraty diz que as autorizações são concedidas conforme a capacidade de seus funcionários.

Por que o programa de vistos não pôs fim às chegadas pela Amazônia?

Muitos haitianos se dizem incapazes de cumprir os requisitos burocráticos para tirar o visto na embaixada. Para se candidatar ao visto, o postulante deve ter passaporte em dia, portar atestado de residência que comprove que vive no Haiti e apresentar atestado de bons antecedentes. Com todos os documentos em mãos, deve ainda pagar US$ 200 para a emissão do visto.

Além disso, nem todos os haitianos que têm chegado ao Brasil estava vivendo no Haiti. Parte do grupo já vivia como imigrante em outros países, como a República Dominicana ou as Bahamas.

Onde estão os imigrantes que chegaram nas primeiras levas ao Brasil?

Muitos haitianos foram recrutados ainda em Brasileia por empresários de várias regiões do Brasil, principalmente na região Sul. A maioria tem trabalhado em indústrias ou na construção civil.

Os senegaleses também têm como principal destino o Sul do país, onde geralmente conseguem empregos em abatedouros dedicados à exportação de carne para países de maioria muçulmana. Os senegaleses trabalham justamente com a preparação da carne conforme os preceitos islâmicos.

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