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Política

Embate na PGR: de onde vem a rivalidade entre Raquel Dodge e Rodrigo Janot?

Disputa por protagonismo entre alas do Ministério Público Federal e uma suposta personalidade "centralizadora" de Janot estariam na origem da divisão, mas não há grandes diferenças de filosofia entre o antigo procurador-geral e Dodge.

20 set 2017 - 18h28
(atualizado às 18h43)
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Janot sentando e Raquel Dodge de pé, em frente a uma persiana
Janot sentando e Raquel Dodge de pé, em frente a uma persiana
Foto: BBC News Brasil

Raquel Elias Ferreira Dodge, de 56 anos, assumiu na última segunda-feira a chefia do Ministério Público Federal. No dia seguinte, oficializou um dos primeiros atos de sua gestão: mandou de volta para casa oito dos dez integrantes da força-tarefa da Lava Jato que tinham sido escolhidos por seu antecessor, Rodrigo Janot.

Com o desmanche, descumpriu uma promessa de campanha. E tornou oficial a existência de dois grupos distintos no órgão: um vinculado a Janot, outro, a Dodge.

O clima entre os dois procuradores se deteriorou rapidamente nas últimas semanas, a ponto dele não ter nem sequer comparecido à cerimônia de posse. Dodge afirma que mandou convite por e-mail. Janot disse que, para ele, não havia nem sequer uma cadeira reservada no evento. No dia da posse, se limitou a mandar uma mensagem de boa sorte à sucessora na lista de e-mails do Ministério Público Federal.

"Que a nova PGR encontre alegria mesmo diante das adversidades e que seja firme frente aos desafios", pois "o êxito da colega Raquel Dodge será a vitória de todos nós", afirmou. Enquanto isso, despachava em seu escritório, no mesmo prédio onde acontecia a posse.

Embora pareçam dois líderes completamente apartados, procuradores ouvidos pela BBC Brasil que conviveram com ambos afirmam não há grandes diferenças de opinião, posicionamentos ou filosofia entre Janot e Dodge. Discordam quanto a crenças religiosas: ele é agnóstico, ela é católica praticante.

Se é assim, o que explica o racha no órgão responsável pela Lava Jato e pelo maior abalo sísmico na política brasileira desde a redemocratização? Características de estilo de gestão e prioridades na direção do órgão ajudariam a explicar a cizânia dentro do Ministério Público Federal.

Lava Jato acima de todo o resto

Para começar, o protagonismo imenso dado à área criminal dentro do órgão, por causa da Lava Jato, fez com que procuradores que atuam na esfera cível (em temas como os direitos humanos, defesa do consumidor e de comunidades indígenas) se sentissem desprestigiados.

Muitos desses profissionais acabaram votando em Raquel Dodge na consulta informal entre os procuradores, feita pela associação da categoria, sobre a substituição de Janot.

Esse foi o motivo de Dodge não ter mencionado a Lava Jato em seu discurso de posse, na segunda-feira. Ao contrário do antecessor, que frisou o tema em vários momentos de seu discurso de despedida na última sexta-feira e em seu e-mail de despedida para os colegas.

Raquel Dodge assina documento em um púlpito ao lado de Michel Temer
Raquel Dodge assina documento em um púlpito ao lado de Michel Temer
Foto: BBC News Brasil

Esta divisão também explicaria a escolha de Luciano Mariz Maia como vice-procurador-geral, o número dois na hierarquia da nova PGR. Ele chefiava a 6ª Câmara de Coordenação, órgão que atua na defesa de comunidades indígenas, quilombolas e outras minorias.

A escolha dele seria uma forma de prestigiar a área cível. Maia é também primo do senador Agripino Maia (DEM-RN), investigado na Lava Jato - sua nomeação foi alvo de críticas na imprensa.

Ao fim do mandato, Janot atingiu a marca de 603 investigados na Lava Jato. Para chegar a esse resultado, teve que recrutar um número bem maior de procuradores da 1ª instância que o antecessor, Roberto Gurgel. Ao fazê-lo, tirou oito dos 32 procuradores da 1ª instância em Brasília, por exemplo. Resultado: sobrou mais trabalho para os demais, que reclamaram.

O episódio, aliás, resultou numa disputa pública entre Janot e Dodge no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Ele saiu derrotado na ocasião - ela foi a autora de uma resolução que limitou o número de procuradores que poderiam ser "pinçados" de cada Estado, e que começa a valer em janeiro próximo.

Numa reunião, em abril, houve uma discussão. Janot chegou a dizer que ficou "perplexo" com a proposta e que ela afetaria o andamento da Lava Jato.

'Panelinha dos brothers'

Janot foi nomeado para o cargo de PGR pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), depois de ser o mais votado pelos colegas do Ministério Público. E há quem diga que ele tem um traço em comum com a petista, a quem denunciou por formação de quadrilha: seria "centralizador" e costumaria "deixar na geladeira" os procuradores que não faziam parte de seu núcleo mais próximo.

"Uma divisão foi criada na cabeça do Rodrigo [Janot]. Ele achava que tinha pessoas fiéis a ele e o resto, contra. Quem não era da turma dele, ele tratava como adversário. Toda essa confusão foi criada pelo Rodrigo. Por ele e pelas pessoas que ele chamava", diz um procurador influente em Brasília.

Na história recente do Ministério Público brasileiro, Janot representa o último nome do chamado grupo dos "tuiuiús" à frente da instituição. Trata-se de uma geração de procuradores que fez oposição ao ex-procurador-geral Geraldo Brindeiro (no cargo entre 1995-2003) e defendia que a escolha do chefe do órgão fosse feita pelos colegas.

Brindeiro acabou apelidado de "engavetador-geral da República". E os "tuiuiús" receberam esse nome em referência à uma ave do Pantanal que, por desengonçada, tem dificuldade em levantar voo. Assim como o animal, os procuradores não decolavam com a sua demanda de eleger o procurador-geral - os resultados das consultas feitas por sua associação, a ANPR, eram ignorados sistematicamente pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em 2003, o grupo emplacou Cláudio Fonteles à frente da PGR, nomeado por Lula. De lá para cá, todos os antecessores de Janot em governos petistas também eram "tuiuiús" - a chegada de Raquel Dodge representa também o fim dessa era.

Imagem da sede da Procuradoria-Geral da República em Brasília
Imagem da sede da Procuradoria-Geral da República em Brasília
Foto: BBC News Brasil

"Janot gostava de ser paparicado por quem trabalhava com ele. E a condição para entrar nesse grupo era tratar os de fora como adversários", diz. Nas palavras do mesmo procurador, "virou uma coisa de 'brother'. 'Vou te chamar, prque você é meu brother'". "Na verdade, os 'tuiuiús' sempre foram dessa política do 'nós contra eles'", diz.

Mas procuradores que trabalharam com Janot dizem que essa "discriminação" não ocorria. E que é normal que o PGR acabe tendo pessoas mais próximas e com mais acesso às informações.

"Parece um pouco natural que qualquer procurador-geral tenha um grupo de confiança e restrinja um pouco (as informações). Eu nunca vi problema nisso. E naturalmente vai acontecer agora também, na gestão de Raquel Dodge", diz um outro procurador, que integrou o círculo mais próximo de Janot.

O ex-procurador-geral, de fato, costumava tecer relações pessoais com os subordinados. Ficou pessoalmente abalado com o caso do procurador Ângelo Vilela, que foi preso sob acusação de vender informações sobre a operação Greenfield para a JBS. Janot disse em entrevista que "se sentiu traído" e que vomitou várias vezes quando soube da prisão, dada a proximidade com o colega.

Além disso, dava um tom pessoal às festividades: no fim de semana passado, por exemplo, organizou uma feijoada para comemorar com a equipe o fim do mandato.

Raquel Dodge leva o dedo indicador ao olho direito
Raquel Dodge leva o dedo indicador ao olho direito
Foto: BBC News Brasil

O que esperar da 'era Dodge'

Dodge também costuma ser centralizadora. Mas há uma diferença capital entre os dois: ela transita no mundo político com muito mais facilidade que seu antecessor.

Enquanto Dodge é elogiada pela presidente do STF, Cármen Lúcia, como ocorreu na tarde desta quarta-feira, Janot está para ser "convidado" a prestar explicações no Congresso pelo chefe da tropa de choque de Temer, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS). O ex-procurador teria, inclusive, desistido de se aposentar imediatamente do cargo, com medo de represálias do mundo político.

Quem já trabalhou com Dodge destaca como qualidades dela o rigor técnico, a tenacidade para encarar longas jornadas de trabalho e também o fato de ser uma pessoa ambiciosa. Ela se candidatou a uma vaga de ministra no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2013, mas acabou derrotada pelo colega Sergio Kukina.

Na Lava Jato, é esperada pelo menos uma mudança no estilo de comunicação: Dodge prometeu, na campanha, criar uma sistemática para controlar melhor o acesso a informações sigilosas, evitando vazamentos. E também para facilitar a investigação de quem vazou o quê para a imprensa, quando isso ocorrer.

A ideia é acabar com a "prioridade" que o antecessor daria a alguns jornalistas. As operações "espetaculares" da era Janot devem ficar no passado.

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