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Rio Negro atinge menor nível da história: os pescadores do Amazonas que ficaram 'ilhados' pela seca pelo 2º ano seguido

De acordo com o Serviço Geológico do Brasil (SGB), o rio Negro registrou a menor cota da história na região de Manaus em 122 anos de medição

4 set 2024 - 04h59
(atualizado em 4/10/2024 às 17h58)
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A pescadora Izabel Serrão esteve a vida inteira a poucos passos de um rio.

Primeiro, na canoa onde morava com pai, mãe e irmãos nas águas dos rios Jaú e Negro, no interior do Amazonas.

Depois, em um "beiradão", a área imediatamente às margens de um rio — até ancorar raízes em uma área alagada do Cacau Pirêra, comunidade na cidade de Iranduba (AM), na região metropolitana de Manaus.

Mas os 38 anos vendo o sobe e desce natural das águas amazônicas não prepararam Izabel para a situação atual de seca dos rios e da estiagem na região.

"É o nosso costume ver o rio subir e descer durante o ano. Mas, neste ano, veio muito rápido a seca, pegou todo mundo de surpresa", conta ela à BBC News Brasil.

Izabel agora está "presa" em terra. Com um barco encalhado e outro recolhido, ela não tem como sair para pescar, já que ao redor tudo virou areia — onde há água, a cerca de 2 km de sua casa, virou uma lagoa sem saída.

De acordo com o Serviço Geológico do Brasil (SGB), o rio Negro registrou a menor cota da história na região de Manaus nesta sexta-feira (4/10).

O rio chegou à marca de 12,66 m - a menor já observada desde o início do monitoramento há122 anos. De acordo com as projeções, os níveis podem reduzir ainda mais nos próximos dias.

Seca 'pegou todo mundo de surpresa', conta a pescadora Izabel Serrão
Seca 'pegou todo mundo de surpresa', conta a pescadora Izabel Serrão
Foto: Vitor Serrano/BBC / BBC News Brasil

Outros rios amazônico também já chegaram em 2024 às suas mínimas históricas, como o Solimões, em Tabatinga (AM), e o Madeira, em Porto Velho (RO).

Em Manaus, a maior cidade da Amazônia, o Solimões se junta ao rio Negro para formar o rio Amazonas.

As 62 cidades do Amazonas estão em estado de emergência e, segundo o governo estadual, mais de 500 mil pessoas já estão afetadas pela seca diretamente.

Sem chuva e sem peixe

O rio Negro na região de Manaus está a menos de dois metros de alcançar seu nível mais baixo da história
O rio Negro na região de Manaus está a menos de dois metros de alcançar seu nível mais baixo da história
Foto: Vitor Serrano/BBC / BBC News Brasil

No Cacau Pirêra, cerca de 90 famílias vivem em flutuantes, moradias que ficam sobre a água — ou, em tempos de seca, encalhadas.

Segundo a comunidade local, 90% das famílias sobrevivem da pesca.

Quando há água, Izabel Serrão já está no rio às 4h: "É a hora boa para pegar peixe".

Na volta, o barco costuma estar cheio de pacus, sardinhas e tambaquis.

Em tempos "normais", mesmo na época da vazante do rio, os pescadores da comunidade ainda conseguiam sair com seus barcos — se não da porta de casa, a alguns metros de caminhada.

Mas, desde 2023, o trabalho tem sido completamente paralisado.

"Como ano passado a seca foi muito grande, não deu tempo de o rio encher. Muito lugar onde a água chegava nem chegou mais", conta Izabel, apontando para os bancos de areia que cercam a comunidade.

"Eu queria uma explicação para isso. Devolva nossa água quem tiver com a nossa água."

O professor e doutor em Clima e Ambiente Rogério Marinho, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), explica que "naturalmente o rio tem seu trabalho de depositar sedimentos e aparecer praias na sua história geológica", mas que a frequência e a intensidade atual dos fenômenos não é normal.

"As comunidades ribeirinhas relatavam que demorava 20, 30 anos para vir uma seca dessa. Agora, esses eventos estão acontecendo em menos de 10 anos e mais forte", diz Marinho.

O geógrafo explica que a intensidade da seca, em parte, pode ser explicada pelos fenômenos do El Nino, que aquece as águas do Oceano Pacífico, dificultando a formação de chuvas na Amazônia.

Além disso, diz, há um aquecimento das águas do Oceano Atlântico, que também reduz a quantidade de chuva na região.

No Cacau Pirêra, quanto mais antigo o morador, maior a sensação de que o que se vive é sem precedentes.

Na última vez que saiu para pescar, no meio de setembro, Ronilson Silva, 38 anos de vida e de comunidade, jogou a rede seis vezes e conseguiu apenas 25 peixes — um número para lá de modesto para os milhares que conseguiam levar para vender no mercado local.

"A gente está tudo encalhado, com os barcos atolados, sem saída. E ainda tem mais 30 dias para secar, então, acho que vai ser a maior estiagem da história", diz Ronilson.

Além de pescador, ele também é gari fluvial do município, recolhendo lixo dos moradores dos flutuantes. "Mas agora, eu faço coleta por terra."

O pescador Ronilson Silva está tendo dificuldades em conseguir pescas nas últimas semanas
O pescador Ronilson Silva está tendo dificuldades em conseguir pescas nas últimas semanas
Foto: Vitor Serrano/BBC / BBC News Brasil

O ministro de Desenvolvimento Social, Wellington Dias (PT), chegou a anunciar em entrevistas que o governo federal deve criar um auxílio emergencial para pescadores atingidos pela seca na região Norte do Brasil.

O benefício seria uma antecipação do "Seguro Defeso", normalmente dado a pessoas que vivem da pesca artesanal durante o período em que não podem realizar suas atividades devido à chamada "piracema", quando há o movimento migratório de peixes no sentido das nascentes dos rios, com fins de reprodução.

Questionado pela BBC News Brasil sobre valores e de quando a medida seria implementada, o ministério repassou a demanda para outra pasta, a de Integração e Desenvolvimento Regional, que, por sua vez, disse não ter responsabilidade sobre auxílio a pescadores.

Até a publicação desta reportagem, o Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social não deu detalhes sobre ajuda aos profissionais da pesca.

O governo do Amazonas disse que têm realizado a entrega de ajuda humanitária às comunidades ribeirinhas de Iranduba, com 2,5 mil cestas básicas dsitribuídas.

Já a Prefeitura de Iranduba disse que iniciou a distribuição de cestas básicas e água potável nas "comunidades rurais do município mais afetadas por esse fenômeno natural" e "mais isoladas".

Os moradores do Cacau Pirêra ainda não foram contemplados.

Queimadas

Amazonas tem neste ano o maior número de queimadas desde que o Inpe começou a reunir dados, em 1998
Amazonas tem neste ano o maior número de queimadas desde que o Inpe começou a reunir dados, em 1998
Foto: Vitor Serrano/BBC / BBC News Brasil

O Amazonas também tem tido o maior número de queimadas desde que o Inpe começou a reunir dados, em 1998.

Segundo o órgão, até o dia 25 de setembro, o Estado do Amazonas registrava 6.695 focos de incêndio neste mês, totalizando 21.930 focos de incêndio no ano.

É um aumento de 66% em relação ao mesmo período do ano passado.

O programa de observação da Terra da União Europeia Copernicus também divulgou recentemente que regiões da Amazônia e do Pantanal enfrentaram suas piores temporadas de incêndios em 22 anos, incluindo o Amazonas.

O índice, que mede emissões de carbono decorrente de incêndios florestais, mostra que, no Amazonas, a poluição esteve significativamente acima da média durante julho, agosto e setembro.

Quando a reportagem da BBC News Brasil esteve em Iranduba, era possível ver ao longe diversos focos de incêndio. O cheiro de fumaça é constante.

Em Manaus e sua região metropolitana, tem sido rotina a população acordar com a cidade encoberta pela poluição resultante das queimadas.

No ano de 2023, segundo o relatorio da empresa IQAir, Manaus foi a capital com a pior qualidade do ar, na média, no Brasil.

O governo do Amazonas disse que o Corpo de Bombeiros vem atuando desde junho na região do Cacau Pirêra com equipes em prontidão na operação Céu Limpo.

Desde o início de junho até quarta-feira (25/09), foram combatidos 18.740 focos de incêndio no Estado, segundo o governo.

Pelo que observa ao seu redor, a pescadora Izabel Serrão acredita que o desmatamento tem contribuído para o cenário em 2024.

"Onde não tem árvore, o sol se aproveita, né? Como todos sabem, o sol seca tudo", diz ela.

Mas, apesar do cenário desanimador, os pescadores do Cacau Pirêra não pensam em sair do lugar de onde vêm nem de deixar de fazer o que fazem.

"Pescar é o que o sei fazer. Preciso desse rio para continuar o nosso trabalho, para continuar se sustentando e também botando o alimento [peixe] na mesa das pessoas", diz Izabel.

Ronilson pensa da mesma forma. "É o que tenho, é onde eu sei viver. Se você gostasse do lugar onde você mora, você gostaria de deixá-lo para trás?", questiona o pescador.

"Eu também não".

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