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Os 200 anos da biblioteca que nasceu no Império e ajudou a formar a República e seus presidentes

A Faculdade de Direito do Largo São Francisco abriga a mais antiga biblioteca pública de São Paulo, que completa seu bicentenário em abril planejando a reforma de suas salas e a construção de um novo prédio para abrigá-la

13 abr 2025 - 09h30
(atualizado às 15h14)
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O retrato de Álvares de Azevedo fixa seu olhar em qualquer canto da sala. Ali naquele ambiente gerações de estudantes foram vigiados pela imagem no quadro fixado acima da entrada da sala de leitura do complexo da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Com seus acervo físico de 500 mil itens, 6,5 mil dos quais abrangem obras raras dos séculos 16 ao 19, essa instituição paulistana completará 200 anos no próximo dia 24 de abril. Trata-se da primeira biblioteca pública de São Paulo, que antecedeu em dois anos a criação do primeiro curso de ciências jurídicas do País, em 11 de agosto de 1827, no Largo São Francisco, ao qual ela acabou incorporada.

Acervo físico da biblioteca da Faculdade de Direito da USP tem cerca de 500 mil itens
Acervo físico da biblioteca da Faculdade de Direito da USP tem cerca de 500 mil itens
Foto: Werther Santana/Estadão / Estadão

Só em 2024, a biblioteca atendeu a 10.138 usuários, 8.309 da USP e 1.829 usuários externos. Neste ano, a faculdade prepara um projeto para a reforma das históricas salas de leitura e do fichário da biblioteca, no primeiro andar do prédio do Largo São Francisco, por meio de parcerias do programa Adote uma Sala, que envolve doações voluntárias de empresas e de ex-alunos da instituição sem nenhuma contrapartida.

As duas salas têm uma área de 219 m², com pé direito de 4,66 metros. Os patronos da reforma terão seus nomes gravados em uma placa, a exemplo do que já aconteceu com 19 outras salas do prédio. E a obrigação de fazer a manutenção das novas instalações pelos próximos cinco anos,

A Biblioteca da Faculdade de Direito da USP, que completa 200 anos em abril, guarda cerca de 500 mil itens em seu acervo
A Biblioteca da Faculdade de Direito da USP, que completa 200 anos em abril, guarda cerca de 500 mil itens em seu acervo
Foto: Werther Santana/Estadão / Estadão

Atualmente, a biblioteca está instalada em sete espaços diferentes distribuídos no prédio histórico do largo e no chamado Anexo IV da faculdade, na Rua Senador Feijó. Uma das cinco maiores da USP, a biblioteca participa da Comunidade Acadêmica Federada (CAFe), com acesso a períodos da área do Direito físico e digital.

Para abrigar todos esse livros - muitos dos quais ainda estão encaixotados -, a faculdade prepara a construção de um novo prédio de dez andares com 8 mil m². Trata-se do Edifício Cláudio Lembo, na Rua Riachuelo, nos fundos do prédio histórico da faculdade.

O projeto prevê, além da modernização da biblioteca, a criação de espaços de estudo e novos ambientes para armazenamento do acervo, além de um anfiteatro no último andar com vista panorâmica para o centro histórico.

Parte dos recursos para a obra - R$ 17 milhões - tem origem em um acordo de não persecução cível celebrado entre o Ministério Público do Estado e o Grupo CCR. Outra parte dos recursos - R$ 16 milhões - vem de um termo de doação assinado pela JBS com a faculdade. Juntos cobriram metade dos gastos - o custo total da obra é estimado em R$ 62 milhões

A biblioteca reúne obras raras dos séculos 16 ao 19; atualmente, o acervo está dividido em dois prédios da faculdade
A biblioteca reúne obras raras dos séculos 16 ao 19; atualmente, o acervo está dividido em dois prédios da faculdade
Foto: Werther Santana/Estadão / Estadão

"O ideal seria que tudo esteja pronto em 2027, quando a faculdade vai comemorar seu bicentenário", afirmou Celso Fernandes Campilongo, diretor da faculdade. As novas instalações e as salas reformadas devem ter iluminação própria para a biblioteca, isolamento acústico, proteção contra raios UVA e UVB e ar-condicionado.

No caso das instalações no prédio antigo, os móveis e o piso devem passar por restauro, bem como as paredes e a cobertura de madeira, tudo com autorização dos órgão de defesa do patrimônio histórico. Atualmente, as salas de aula reformadas permitem aos professores aulas híbridas, tanto presenciais quanto a distância. "A reforma é uma volta ao passado com estrutura voltada para o futuro", afirmou o professor Maurício Zanoide de Moraes.

As raridades e os presidentes

Enquanto a reforma não começa, Maria Lucia Beffa, chefe técnica da biblioteca da faculdade, cuida da preservação de obras e do atendimento ao público. É ela quem pode folhear a edição da Encyclopédie, de Diderot, do século 18, ou a edição da Commedia, de Dante Alighieri, impressa na Itália no século 16 ou ainda o exemplar da Bíblia Poliglota, feita na Espanha, no século 16.

Maria Lucia caminha entre os corredores dos andares da biblioteca onde estão as mais de 6 mil obras jurídicas publicadas no século 19 no Brasil, incluindo o Princípios de Direito Natural, de 1829, publicada pelo primeiro professor nomeado para a faculdade, José Maria de Avellar Brotero, além dos volumes com os manuscritos das provas de alunos das primeiras décadas do curso de ciências jurídicas.

Esse manuscritos escondem nomes famosos da história política e das artes do País. É que pelos bancos da faculdade e de sua biblioteca, a chamada alma mater do Largo São Francisco, passaram presidentes, desde o começo da República, como Prudente de Moraes e Campos Salles, passando por Washington Luís até chegar a Michel Temer.

De lá também saíram futuros ocupantes da Pasta da Justiça e de cadeiras no Supremo Tribunal Federal como o ministro Alexandre de Moraes. E ainda uma miríade de escritores e poetas, desde Álvares de Azevedo, Castro Alves, José de Alencar, Olavo Bilac, Monteiro Lobato até Oswald de Andrade, Haroldo de Campos e Lygia Fagundes Telles.

Maria Lucia Beffa, a chefe técnica da biblioteca da Faculdade de Direito da USP: conservação de obras raras
Maria Lucia Beffa, a chefe técnica da biblioteca da Faculdade de Direito da USP: conservação de obras raras
Foto: erther Santana/Estadão / Estadão

"Recebemos, especialmente, nas férias, alunos de outros Estados, que vem fazer pesquisas com livros que só temos aqui na faculdade, que eles não encontram em outro lugar", disse Maria Lucia. "E também, como a biblioteca é aberta ao público em geral, recebemos pessoas da sociedade e inclusive de moradores de rua", afirmou.

Estes vão à biblioteca principalmente para usar os computadores e ter acesso à internet. "Às vezes, eles vêm para fazer pesquisa mesmo, pedem livros, para ficar estudando, lendo enciclopédias, usam a sala de leitura", contou. Ou como disse o diretor da faculdade: "A nossa biblioteca é aberta a qualquer um. Então, advogados, aqueles que tiverem interesse em estudar um problema jurídico qualquer, a biblioteca é aberta a todos", afirmou.

História do acervo

A história de seu acervo começou com Frei Manuel da Ressurreição, o terceiro bispo a ocupar a então diocese de São Paulo (1774-1789). Frei Manuel destinou todo seu acervo "para utilidade comum do clero e estudantes". E pediu que ele fosse mantido no Convento de São Francisco, o que só foi possível em razão da aprovação do Marquês de Pombal. Eram quase dois mil volumes, muitos trazidos de Portugal. A província de São Paulo contava então com cerca de 10 mil habitantes.

Seguiu-se, em 1810, a doação do acervo do Bispo de Funchal, da Ilha da Madeira, dom Luiz Rodrigues Villares. Nascido em São Paulo, ele também destinou seus livros à biblioteca dos franciscanos.

Mas foi só depois da morte do bispo dom Mateus de Abreu Pereira, em 5 de maio de 1824, que o presidente da Província de São Paulo, Lucas Antônio Monteiro de Barros, o Visconde de Congonhas do Campo, viu a possibilidade de adquirir o acervo do bispo e reuni-lo ao que já estava no convento para abrir a primeira biblioteca pública. Ela fazia parte do projeto de se criar uma universidade na cidade, o que ocorreria em 1934.

A sala de leitura da Biblioteca da Faculdade de Direito da USP, que completa 200 anos em abril; ambiente será reformado pelo programa Adote uma Sala
A sala de leitura da Biblioteca da Faculdade de Direito da USP, que completa 200 anos em abril; ambiente será reformado pelo programa Adote uma Sala
Foto: Werther Santana/Estadão / Estadão

O primeiro bibliotecário da nova instituição foi José Antonio dos Reis, órfão negro criado pelo Cônego da Sé. A história da biblioteca descrita pelo professor Zanoide de Moraes registra que Reis, "não tendo casa, cama, roupa ou comida, viveu em extrema penúria por anos".

E prossegue: "Inscreveu-se (Reis), com apenas 15 anos, no curso de Filosofia aberto em São Paulo pelo frei Francisco Montalverne, destacando-se e atraindo a atenção do bispo diocesano, dom Mateus de Abreu Pereira, que o toma em sua proteção, facilitando-lhe o acesso ao sacerdócio, a que se sentia chamado, e nomeando-o, logo, altareiro da Sé".

Em seguida, Reis foi nomeado por dom Mateus professor substituto de Teologia. Ele foi ordenado sacerdote em 1821. Quando a biblioteca se tornou pública, o sacerdote foi chamado pelo Visconde de Congonhas do Campo para assumir o cargo de bibliotecário, onde permaneceu até 1833 - nomeado bispo pelo papa Gregório XVI, ele teve de assumir a diocese de Cuiabá. "Antes, porém, ainda no ano de 1832, forma-se em Direito, como melhor aluno da primeira turma dos Cursos Jurídicos do Largo de São Francisco", relatou Zanoide.

Ao longo dos séculos, a biblioteca cresceu com outras doações de professores e de seus diretores, como o tenente-general José Arouche de Toledo Rendon, primeiro diretor da faculdade, que deixou cerca de 700 volumes, e os juristas Mário Marzagão e Waldemar Ferreira.

Manuscritos com as provas de alunos do século 19: acervo deve ser digitalizado com a construção de novo prédio para a Biblioteca do Largo São Francisco
Manuscritos com as provas de alunos do século 19: acervo deve ser digitalizado com a construção de novo prédio para a Biblioteca do Largo São Francisco
Foto: Werther Santana/Estadão / Estadão

Aos livros deles se uniram ao acervo os das bibliotecas dos professores Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Cássio Mesquita de Barros, José Afonso da Silva, Vicente Marotta Rangel e a doação feita pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) de parte dos acervos dos professores Alcides Jorge Costa e Gerd Willi Rothmann.

A digitalização de todo esse acervo é o que o diretor Campilongo considera ser o próximo desafio da faculdade. Não se trata, segundo ele, de substituir a biblioteca tradicional, mas da readequar o acervo e o acesso à informação a fim de proporcionar a preservação do catálogo e de ampliar a agilidade e disponibilidade do acesso ao conhecimento técnico e literário de alta qualidade. A Faculdade do Largo São Francisco espera obter recursos para a digitalização por meio da Lei de Incentivo à Cultura e de doações de seus ex-alunos.

Estadão
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