Ouro em Dubai e lista de propina: as acusações contra capitão da PM em esquema de evasão de divisas
Policial, que chegou a ser preso na Operação Tai Pan, da PF, trabalhou como segurança no Palácio do Bandeirantes dos governadores Tarcísio de Freitas e Rodrigo Garcia; defesa alega inocência
Um dos principais operadores do esquema de evasão de divisas e lavagem de dinheiro no mercado do câmbio comandado pelo empresário chinês Tao Li seria o capitão da Polícia Militar de São Paulo, Diogo Costa Cangerana, de acordo com investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF). Ele teria atuado na organização criminosa entre 2021 e 2024, quando trabalhou como segurança dos governadores Tarcísio de Freitas e Rodrigo Garcia. Cangerana arrumava clientes interessados em blindar o patrimônio e lavar dinheiro com criptoativos. Também estaria envolvido na cooptação de gerentes de bancos e no comércio ilegal de ouro para Dubai, de acordo com a PF. Com ele foi achado uma "lista de propinas".
A PF interceptou diálogos entre Diogo e Li. O primeiro aconteceu em 30 de março de 2021, quando agendam um encontro às 9h30. No mesmo dia, por volta das 15 horas, Li envia planilha para o capitão para tratar de um negócio. A planilha traz custo de criação e manutenção de empresas usadas no esquema. Havia uma lista de propinas na planilha. "Chama atenção a contabilização dos custos mensais da manutenção dos CNPJs em que Tao Li prevê pagamentos para 'laranjas',' gerente de banco' e 'polícia'", afirmou o delegado Guilherme Alves Siqueira, responsável pelas investigações.
Para a "polícia", estavam reservados por mês "2 mil" - não se sabe se são mil ou milhões -, 3 mil para gerente de banco e 2 mil para laranja. "Fica evidente que os envolvidos estruturam o negócio sob bases ilícitas, mantendo contas bancárias de empresas inexistentes, em nome de interpostas pessoas, cujas movimentações milionárias dependem do pagamento de propina a gerentes de bancos e policiais", afirma a PF.
Tao Li reclamou ainda com Cangerana sobre a dificuldade de criar empresas de prateleira, pois era preciso pagar as contas das companhias durante, pelo menos, seis meses, pois elas não podiam "morrer muito rápido". "Não é bom para nós... Nós temos um custo para arrumar empresa, arrumar escritório". Um dos encontros do capitão com o empresário foi em São Bernardo do Campo, com um advogado que assessorou o grupo.
Conta e suborno de gerentes
Cangerana ainda intermediou contatos de Tao Li com bancos, com o propósito, segundo a PF, de obter facilidades em contratos de câmbio que seriam fechados por meio da Swapfy, uma empresa de fachada do grupo. Li fez então pagamento para o capitão, que disse ao empresário que conseguia ajudá-lo a abrir conta em um grande banco. Disse que o gerente cobrava suborno para a manutenção da conta com "grande limite de movimentação". "Cobra 5 mil para abrir e 5 mil/mês... Consegue movimentar 2mm/dia... ou mais", afirmou o capitão.
De acordo com documentos apreendidos pela PF, ambos deram andamento à abertura de contas em nome de laranjas. Li pediu a Diogo que abrisse duas contas num banco e afirmou que ia mandar os documentos, como o comprovante de residência de um "sócio". "Ele é só laranja (...) mesmo, não tem nada", disse o empresário em mensagem ao capitão.
Pouco depois, os diálogos entre os dois registram a abertura de mais duas contas no mesmo banco e duas outras em outro grande banco brasileiro. Todas com limite diário de R$ 2 milhões. No caso do segundo banco, havia um problema: seu sistema de controles. "Defender a conta, o gerente defende, mas tem de passar pela área de cadastro primeiro", disse o capitão ao empresário. Para a PF, a relação de Diogo era com o gerente do banco, que ele pretendia corromper.
Além de clientes, o capitão também forneceria segurança para o empresário a fim de cuidar do serviço de coleta de dinheiro com os comerciantes clientes de Tao Li. Só pelo serviço de abrir essas contas, Cangerana recebeu R$ 18 mil. O pagamento total seria de R$ 120 mil, que ele receberia por meio da Canbru Intermediações.
O capitão teria trabalhado ainda com contas correntes em outros três bancos do varejo para empresas de fachada. Em outra leva de contas, ele afirma ter pagado mais R$ 10 mil ao gerente de um dos bancos.
Tao Li cobrava o capitão para que cada conta tivesse limite de transação diária de R$ 2 milhões, pois se o limite fosse menor, não haveria como fazer as remessas.
Além de contas bancárias, o capitão também providenciava CNPJs para o empresário chinês. Foi assim quando apresentou três empresas a Tao Li. "Vou mandar para você dar uma pesquisada", escreveu o policial. Uma empresa de 2017 custava R$ 40 mil e outra, aberta em 2007, saía por R$ 45 mil, já contando com alterações de nomes. Diogo então faz uma advertência ao empresário: "Preciso dos RGs das pessoas. Não adianta pegar moleque de 19 anos (...) Mas o contrato social já está certo, só precisa fazer a alteração".
Tao Li escreveu: "Só pra finalizar porque ele tem o ouro lá com os papéis até 12 toneladas e já aceitou a forma de pagamento em cash, crypto ou bank". A primeira remessa de ouro seria colocada em uma Ferrari enviada a Dubai.