Dois PMs são presos por ação ilegal em Paraisópolis; homem já estava rendido quando foi morto
Medida foi tomada após análise de imagens de câmeras das fardas dos agentes, segundo a corporação; tropa entrou em confronto com moradores na quinta
Dois policiais militares foram presos em flagrante após uma noite marcada por confrontos com moradores de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, nesta quinta-feira, 10. A prisão foi revelada somente na manhã desta sexta-feira, 11.
Conforme a PM, os dois agentes atiraram em um morador, identificado como Igor Oliveira, de 24 anos, quando ele já estava rendido, com as mãos na cabeça. O jovem não tinha antecedentes como adulto, mas registro de ato infracional por roubo e tráfico. A PM não conseguiu determinar a quantidade de tiros.
"Dois policiais efetuaram os disparos. Não havia nada que justificasse nesse momento o disparo por parte da força policial", afirmou o coronel Emerson Massera, porta-voz da PM.
O Estadão apurou que são dois cabos do 16.º Batalhão, que compreende a região de Paraisópolis, Morumbi e Vila Andrade. São eles: Renato Torquato da Cruz e Robson Noguchi de Lima. Os dois devem passar por audiência de custódia neste sábado, 12, em horário e local ainda indefinidos.
Em nota enviada à reportagem, os advogados Wanderley Alves e William Cássio, à frente da defesa de Cruz, afirmam que "não se deve fazer prejulgamentos", uma vez que, continuam, "a análise da COP(câmera corporal)não corresponde ao campo de percepção do policial militar". Já a defesa de Lima afirmou que, como não teve acesso total às imagens, ainda não irá se manifestar.
Na visão do porta-voz, o erro não pode ser atribuído à falta de treinamento ou ao despreparo - os dois agentes eram considerados experientes. Os PMs têm histórico de envolvimento em ocorrências com confrontos. "Eles sabiam que estavam cometendo erros e optaram por isso. A falta de treinamento não pode ser justificativa".
"Embora ali estivesse bem configurado o crime de tráfico, foi uma ação ilegal, não legítima, que levou à prisão", afirmou o coronel.
As prisões foram feitas após análise das imagens das câmeras corporais. Ao todo, quatro policiais participaram da operação -os outros dois também foram indiciados, mas não presos.
As câmeras corporais não foram ligadas diretamente pelos policiais presos, mas sim por outros agentes do batalhão. Os novos equipamentos são acionados em grupo assim que um policial liga sua câmera individualmente.
"Reconhecemos nossos erros, lamentamos, mas não podemos retroceder no trabalho de resgatar a cidadania de quem mora em Paraisópolis", disse o coronel.
Protestos ocorreram após morte de jovem
Após a morte de Oliveira, houve protestos generalizados na região. A PM afirma que os protestos foram feitos por criminosos, mas reconhece que surgiram após os disparos contra o jovem.
Barricadas com objetos queimados fecharam ruas de acesso à comunidade e o trânsito foi interrompido em parte das avenidas Avenida Giovanni Gronchi e Hebe Camargo, no Morumbi.
Ao Estadão, moradores relataram que o policiamento foi reforçado após a noite de confrontos. Segundo relato de moradores à reportagem, a situação segue tensa. "Às 5h da manhã já tinha helicópteros (da PM) sobrevoando a comunidade. O clima é de medo".
Moradores também afirmam que tiveram dificuldades para acessar suas casas por conta dos bloqueios feitos pela polícia nas entradas de Paraisópolis.
A situação, de acordo com a moradora, não é atípica. Os conflitos com o tráfico são intensos e as incursões da polícia costumam ser violentas.
"As pessoas de bem, que é a grande maioria, obviamente, a grande maioria acaba ficando refém de toda essa situação e correndo o risco de se machucar ou, às vezes, até de perder a vida por conta dessas operações violentas dentro da comunidade."
As Polícias Civil e Militar apuram as ocorrências. Segundo a Secretaria da Segurança Pública, os conflitos começaram à tarde, quando os policiais foram acionados para uma denúncia de homens armados em um ponto de venda de drogas.
Ao chegarem ao local, três suspeitos fugiram em direção a uma casa. Foi neste momento em que Igor foi morto. Outros dois foram presos. Foram apreendidas armas de fogo, munições, entorpecentes e anotações do tráfico.
Horas depois, outra ação terminou em troca de tiros, um suspeito foi morto e um PM da Rota ferido.
As ações são investigadas pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), por meio de inquérito policial.
Imagens que circulam na internet mostram vários focos de incêndio nas ruas do entorno de Paraisópolis, moradores correndo pelas ruas e homens armados com pedaços de madeira. Carros foram virados em meio aos protestos. Alguns automóveis que passavam pelo local também foram apedrejados e motoristas, agredidos.
A Tropa de Choque da Polícia Militar foi deslocada para Paraisópolis e a comunidade, cercada. Equipes do Corpo de Bombeiros também foram mobilizadas.
Segundo a PM, foram apreendidos duas pistolas, um revólver, sete carregadores de pistola, sendo dois com prolongadores. Também foram apreendidos drogas, dinheiro e celulares.
PM preso diz que prisão é 'precipitada'
Em nota, a defesa do policial Renato Torquato, um dos PMs presos, diz que é preciso levar em conta o "calor da ocorrência" e a "percepção do policial".
A "análise enviesada da prova em vídeo ainda vai colocar, infelizmente, muito policial não só na cadeia, como também no cemitério, infelizmente", afirma a nota, assinada pelos advogados Wanderley Alves e William Cássio.
Estado sofreu crise por violência policial
Uma sequência de abusos cometidas por integrantes das tropas paulistas no fim de 2024 deflagrou uma crise na área da segurança pública para a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Entre as ocorrências, estavam a morte de uma criança de 4 anos na Baixada Santista, de um estudante de Medicina baleado em um hotel da capital, e o flagra de um policial atirando um homem do alto de uma ponte na zona da capital.
Após a repercussão negativa, o governador reconheceu erros na retórica direcionada aos agentes de segurança e prometeu aperfeiçoar os protocolos. A letalidade policial já vinha em alta diante das ofensivas repressivas na Baixada Santista, onde houve as operações Verão e Escudo.
No 1º trimestre de 2025, o casos recuaram. Foram 131 mortes cometidas por policiais militares em serviço no Estado, queda de 26,4% ante as 178 registradas no mesmo período de 2024.