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Cidades

Cadastro de lixo da Prefeitura de SP é controlado por empresa privada

Sócio da plataforma também é dono de empresa que vende soluções ambientais; Prefeitura diz que acordo prevê proteção dos dados

9 set 2019 - 23h31
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SÃO PAULO - A gestão Bruno Covas (PSDB) determinou que todas as empresas de São Paulo, de todos os ramos e tamanhos, forneçam dados operacionais para uma única plataforma privada, para preencher um cadastro de geradores de lixo exigido por lei. O sócio desse site de coleta de informações também é dono de uma empresa que vende soluções ambientais. Pelo acordo fechado com o Município em 2018, o site que coleta os registros doou o serviço, mas fica isento de responsabilidade em casos de "força maior", como invasão dessa base de dados.

Francisco Miguel de Souza Goulão Rêgo é sócio da Green, que assinou o termo com a Prefeitura, e também dono da empresa Greening Inovação e Sustentabilidade, que vende soluções ambientais para pessoas jurídicas, como coleta de lixo. A Prefeitura diz que o acordo prevê a proteção dos dados coletados das empresas, que vão desde o número de funcionários ao consumo de energia do estabelecimento. O Estado não conseguiu contato com Rêgo na noite desta segunda-feira, 9. Especialistas ouvidos pela reportagem veem risco de uso indevido de dados estratégicos informados no cadastro.

Devem registrar os dados todas as empresas com CNPJ na cidade, independentemente do porte - micro, pequena, média ou grande. Nesta segunda, o vereador Caio Miranda (PSB) entrou com representação contra a medida no Tribunal de Contas do Município (TCM) e a Associação Comercial de São Paulo divulgou nota contra o cadastro. O prazo para o declaração de informações das empresas terminava nesta segunda, mas a Prefeitura estendeu até 31 de outubro. A lógica da exigência do registro é mapear quem produz mais de 200 litros de lixo por dia e não tem direito à coleta domiciliar gratuita. Essas empresas devem pagar pela retirada do material e cuidar da sua destinação, em aterro e reciclagem.

No fim de 2017, a Prefeitura começou a fazer contatos com a Green Platforms Gerenciamento de Dados, que teria oferecido a doação de forma voluntária, sem custos para a cidade, de um sistema que fizesse o cadastro dos dados dos geradores de lixo e o gerenciamento das informações. O termo de doação foi assinado em 25 de abril de 2018.

Uma cláusula do termo determina que a Green Platforms "não terá nenhuma responsabilidade por problemas advindos" do site, "que se caracterizem como caso fortuito ou de força maior", impedindo "total ou parcialmente a execução das obrigações assumidas", segundo o documento. Já em abril deste ano, a Prefeitura publicou uma resolução da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb), ampliando a necessidade de cadastro para todas as empresas da cidade - antes, ele valia só para os grandes geradores de lixo.

O cadastro tem de ser preenchido em um site registrado por um dos sócios da Green Platforms, que tem sede declarada no Itaim Bibi, zona oeste. Empresa de tecnologia, a Green Platforms não tem um site rastreável pelo Google. A empresa tem capital de R$ 50 mil.

O diretor de Gestão de Serviços da Amlurb, Evaldo Azevedo, afirma haver "um termo de referência que garante que os dados (coletados pela plataforma) serão protegidos" e que, apesar do trecho que isenta a empresa de responsabilidade em casos imprevistos, um "termo de referência" extra teria cláusula prevendo punições pelo uso indevido dos dados. O Estado pediu acesso, mas não obteve esse documento até as 21h30 desta segunda.

Ainda conforme Azevedo, a Prefeitura pediu esse cadastro de todas as empresas, e não só dos grandes geradores, porque com mais informações (comotamanho dos estabelecimentos, setor de atividade, número de funcionários, imposto recolhido e consumo de energia) ajudariam a Prefeitura a mapear as empresas e ver quem está burlando as regras. "Assim a gente identifica quem não se cadastrou (da forma adequada)", argumentou. A cidade tem cerca de 360 mil empresas.

Especialistas alertam para riscos de uso indevido

O advogado Spencer Toth Sydow, presidente da Comissão de Direito Digital da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), e doutor em Direito Penal, afirma que, embora a Lei Geral da Internet ainda não esteja valendo, o uso desses dados para qualquer ação que não seja cadastramento das empresas para fins de coleta de lixo pode ser visto como ilegal., por afrontar o Código de Defesa do Consumidor.

"Elas (Prefeitura e empresa) têm responsabilidade objetiva". Ou seja: não é preciso que elas tenham ou não facilitado o acesso a esses dados para outros fins, apenas que tais dados sejam usados. Isso porque, por ora, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, dados pessoais são vistos como produtos e, assim, ficam sujeitos a regras de defesa do consumidor. Para ele, o termo que isenta a responsabilidade da empresa em caso de "força maior" é nulo. Green Platforms e Prefeitura podem ser responsabilizados.

O advogado Bruno Bioni, doutor em Direito Comercial e fundador da consultoria Data Privacy Brasil, destaca que as empresas da cidade "foram obrigadas a fornecer esses dados" à Green Platforms e que, quando dados são fornecidos, "se espera que sejam usados só para o fim informado."

Estadão
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