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Alice Ferraz: Ter CNH era como dar um passo na direção da mulher livre que eu queria me tornar

Aos 18 tirei a carteira e ganhei de presente o carro antigo da minha mãe. Era um carro confortável, de família, não era o sonho, não era da moda, mas se tornou um símbolo de independência

9 mar 2024 - 03h10
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Tirar carteira de motorista era um sonho de liberdade. Um portal que se abriria para um futuro decidido por mim. Onde eu iria e quem levaria ao meu lado faria, a partir daí, parte das minhas escolhas diárias. Não sabia se teria meu carro, mas ter a carteira era suficiente para dar um passo na direção da mulher livre que eu queria me tornar. Naquele tempo, eu andava de ônibus, mas não ia longe. Era clube ou shopping, e ele, o ônibus, não traduzia o sentimento de emancipação que poder dirigir me prometia.

Alice Ferraz
Alice Ferraz
Foto: Juliana Azevedo/Divulgação / Estadão

Aos 18, em ponto, tirei a carteira e ganhei de presente o carro antigo da minha mãe, um Monza bege-metálico. Era um carro confortável, de família, não era o sonho, não era da moda, nem representava como eu me enxergava, mas se tornou um símbolo de independência. "Meu Monza, meu mundo", poderia ser esse o nome do filme da época. Meu pai, militar, não mudou regra alguma, horários que deveriam ser cumpridos ou limites claramente estabelecidos. Os 18 anos, para ele, não significavam que agora eu era livre. Não importava, eu era. No meu Monza, ouvindo pela primeira vez minhas músicas no meu toca-fitas ou na rádio que eu escolhia, eu era autossuficiente. Assim, meu pequeno mundo se expandia. Prestar atenção nos caminhos, nas ruas, no comportamento das pessoas no trânsito, ser olhada, olhar: eu era feliz.

Passaram-se quase 30 anos e, aos poucos, fui delegando o que já não significa mais nada, como dirigir. Guiar um carro passou a ser uma obrigação, um fardo. Contratei um motorista, passei a usar o tempo para ir trabalhando freneticamente no banco de trás e me acomodei nessa situação. Alguns meses atrás, fechei um contrato para conhecer melhor os carros elétricos. Novidadeira que sou, e cheia de novos desejos, topei na hora. E, então, me dei conta de que minha CNH estava vencida havia anos. Imediatamente, senti aquele aprisionamento da adolescência, me senti refém. De quem? Meu filho riu de mim, ele e eu sabemos que ter carro hoje não é sinônimo de liberdade. Mesmo assim, corri para renovar minha carteira, fiz os novos e muito mais difíceis testes e, ontem, sexta, de manhã, recebi o alvará de minha liberdade e voltei a guiar.

Na própria sexta, cumpri a agenda de reuniões dirigindo meu carro, descobri novas ruas, estacionei em vagas minúsculas e fiz manobras dificílimas para minhas poucas habilidades. Hoje, sábado, talvez você me veja pelas ruas dirigindo meu Monza, ops, meu carro elétrico. Vou passear por aí, talvez vá até o limite de São Paulo e volte, quero olhar com outros olhos minha cidade. Já avisei o meu marido e o meu filho que vou sozinha ou convidar quem quiser. Vou ouvir minhas músicas, ou talvez um podcast, vou parar para tomar um café, talvez vá ao shopping e ao clube. Vou decidir na hora, tentando entender o que vou fazer "com essa tal liberdade".

Alice Ferraz
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Foto: Juliana Azevedo/Divulgação / Estadão
Estadão
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