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"Por que a inclusão da comunidade surda ainda não é uma realidade no Brasil?"

Exclusivo para o blog Vencer Limites (Estadão): artigo de Cid Torquato, embaixador do ICOM e ex-secretário da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo, em referência ao Dia Nacional do Surdo, celebrado nesta sexta-feira, 29, e também ao Setembro Azul. Data marca a inauguração do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), em 1857, no Rio de Janeiro.

26 set 2025 - 00h10
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Cid Torquato.
Cid Torquato.
Foto: Divulgação / ICOM. / Estadão

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Cid Torquato.
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Foto: Divulgação / ICOM. / Estadão

O Setembro Azul é o mês que representa a visibilidade surda e abre espaço para refletirmos sobre conquistas e desafios da inclusão multidimensional no Brasil. Eu acompanho e contribuo com esse cenário há 18 anos, desde que quebrei o pescoço e fiquei tetraparético. Ao longo dessa trajetória, pude vivenciar de perto avanços importantes e, por isso, confesso que o meu sentimento hoje é de otimismo, especialmente diante das tecnologias inovadoras que estão surgindo e que têm o poder de transformar realidades.

Ainda assim, quando penso na comunidade surda, compreendo a frustração diante da lentidão das mudanças. O que mais impressiona é saber que, muitas vezes, bastariam ações simples e econômicas para gerar transformações profundas e duradouras, capazes de mudar, de verdade, a vida de quem mais precisa.

Apesar dos avanços jurídicos, como a Lei nº 10.436/2002 e o Decreto nº 5.626/2005, que, respectivamente, instituiu e regulamentou a aplicação da Língua Brasileira de Sinais (Libras), ainda existe um abismo entre o que está na lei e o que acontece no dia a dia. A verdade é que muitas pessoas surdas seguem excluídas, quase sempre segregadas, sem conseguir exercer de forma plena e autônoma seus direitos básicos em seu próprio idioma.

Um exemplo é que a legislação em vigor é clara quando determina que todos os serviços e órgãos públicos devam oferecer intérpretes de Libras e recursos de acessibilidade comunicacional, presencial ou virtualmente, com auxílio de tecnologia, a quem necessite. Contudo, ainda é comum que surdos dependam de levar familiares e amigos para consultas médicas, atendimentos ao cidadão e audiências judiciais, o que fere direito fundamental.

Se há um ponto em que a inclusão deveria ser inegociável, é na educação. O sistema educacional precisaria garantir currículo bilíngue Libras-português em todo o país, mas a realidade está longe disso.. Dados do Governo Federal indicam que existem apenas 64 escolas bilíngues entre os mais de 5,7 mil municípios. Isso significa que a maioria dos 63 mil alunos surdos, entre cerca de 48 milhões de estudantes no total, estão matriculados na rede básica, onde faltam intérpretes e professores bilíngues, comprometendo não apenas a aprendizagem, mas, também, a formação de capital humano capaz de ingressar no mercado de trabalho.

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No cenário corporativo, embora a Lei de Cotas (Lei nº 8.213/91) reserve vagas para pessoas com deficiência nas empresas com mais de 100 funcionários, dados do IBGE mostram que apenas 29,2% delas participam do mercado de trabalho, contra 66,4% da população em geral. Para profissionais surdos, a barreira não é a capacidade, mas a falta de ambientes comunicacionalmente acessíveis, com intérpretes ou tecnologias que facilitem a interlocução entre usuários de Libras e português.

Existem experiências promissoras pelo país. Em São Paulo, durante minha gestão como Secretário Municipal da Pessoa com Deficiência, criamos o CAC - Central de Acessibilidade Comunicacional, provedora de Libras - e CIL - Central de Intermediação em Libras. Essas iniciativas oferecem atendimento por videochamada, legenda e audiodescrição, transformando a vida da comunidade surda, especialmente no acesso a serviços de saúde e audiências judiciais, reforçando que pequenas ações podem gerar grandes impactos.

Nesse contexto, o ICOM, do qual sou Embaixador, também cresceu, transformando a comunicação com pessoas surdas em governos e grandes empresas, de forma a ampliar a acessibilidade e a inclusão. Não é só em São Paulo que há bons exemplos de projetos bacanas realizados. O que vemos são iniciativas que, muitas vezes com baixo investimento, promovem resultados concretos e mudam a experiência da comunidade surda.

Para o mercado, incluir a comunidade surda não é apenas uma questão ética. São mais de 10 milhões de brasileiros com algum grau de deficiência auditiva, sendo 2,7 milhões com surdez profunda. Esse público demanda produtos, serviços e atendimento acessíveis e assistivos, um campo vasto para inovação, educação bilíngue e soluções digitais inclusivas.

Como ex-secretário e defensor da causa, acredito que é preciso fiscalização efetiva, formação de tradutores-intérpretes e professores bilíngues, além de incentivar empresas a verem a inclusão como vantagem estratégica. Multiplicar as centrais de Libras, presenciais ou virtuais, também é essencial, incluindo cidades menores e áreas rurais, ampliando a oferta de acessibilidade e assertividade para o maior número possível de cidadãos surdos.

E, neste Setembro Azul, precisamos refletir com pragmatismo: a inclusão não pode ser comemorada apenas em setembro. O ano todo deve ser azul, garantindo autonomia e direito de protagonismo para pessoas surdas e para todas as pessoas com deficiência que ainda batalham pelo mais básico, pela pelo direito inalienável de protagonizar... em Libras!

Cid Torquato é embaixador do ICOM e ex-secretário municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), também foi secretário adjunto dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, de 2008 a 2016. Em 2007, ficou tetraplégico após um acidente de mergulho na Croácia. É ativista pelos direitos das pessoas com deficiência e participa de diversos projetos de inclusão social e acessibilidade.

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Foto: Divulgação / ICOM. / Estadão
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Estadão
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