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Efeito Cuca: o que esperar depois da declaração do treinador?

É preciso provocar mudanças na mentalidade preconceituosa, misógina e corporativista que tem acompanhado o futebol

11 mar 2024 - 15h23
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Cuca pediu, durante coletiva de imprensa, para ler um texto escrito com a ajuda da filha e esposa
Cuca pediu, durante coletiva de imprensa, para ler um texto escrito com a ajuda da filha e esposa
Foto: Divulgação / Estadão

Depois da vitória por 6x0 contra o Londrina em sua estreia como treinador do Atlético Paranaense, Cuca pediu na coletiva de imprensa para ler um texto escrito com a ajuda da filha e esposa. Alegou que não se sentia ainda com o "conhecimento suficiente para falar, sem respaldo, sobre algo tão forte".  

Era o começo de uma longa admissão de que já não poderia seguir com a vida dentro do futebol, como sempre fez, calando-se mais uma vez sobre um assunto que acompanha a sua biografia: o caso de agressão sexual envolvendo uma jovem de 13 anos durante uma excursão do Grêmio à Suíça, em 1987.

Neste ano, o Tribunal de Berna anulou a sentença que havia condenado Cuca, depois da Justiça suíça ter reaberto o caso a pedido da defesa do treinador. Como o crime já estava prescrito, o Ministério Público alegou que não poderia haver um novo julgamento. A decisão de anular a sentença e extinguir o processo não entrou no mérito se Cuca era culpado ou inocente.

Mas, como disse Cuca, o mundo mudou. O técnico não consegue mais se esquivar de um assunto tão sério como violência sexual toda vez que seu nome está associado ao comando de um time. 

Quando o Corinthians teve que voltar atrás depois de anunciar sua contratação, uma grande parte dos torcedores ficou indignada atribuindo o insucesso das negociações às mulheres jornalistas que não se calaram sobre o assunto. 

Na cabeça desses torcedores, quando uma mulher se pronuncia sobre o machismo e o corporativismo no mundo do futebol, que prefere fechar os olhos para os frequentes casos de agressão sexual envolvendo técnicos e atletas, é porque elas estão em busca de lacração. Nunca é sobre um episódio que produziu uma vítima do outro lado que vai carregar a dor dessa violência por toda uma existência.  

De novo, como diria Cuca, o mundo mudou. Jornalistas, atletas, torcedoras, mesmo debaixo de uma saraivada desproporcional de mensagens de ódio, conseguem se fazer ouvidas. Se o futebol permanecesse como um grande clube do Bolinha, Cuca teria mais uma vez seguido a vida como sempre fez. Um salve para essas mulheres que cada vez mais furam a bolha do futebol e que fazem um treinador como Cuca refletir sobre seus privilégios.  

"Eu pude levar a minha vida contornando a história porque o mundo do futebol e dos homens em que vivo não tinha me cobrado nada" disse Cuca em seu depoimento, num sinal de que sua mudança de postura é histórica. 

Basta lembrar que acabamos de acompanhar a condenação de Daniel Alves, na Espanha. Quantos jogadores se pronunciaram sobre o caso? Quantos vieram a público refletir sobre o episódio? Ficaram calados fingindo se tratar de um episódio isolado no futebol, o que sabemos que não é. 

Espero que as palavras de Cuca consigam provocar mudanças na mentalidade preconceituosa, misógina e corporativista que tem acompanhado o futebol. Já passou da hora disso acontecer. Uma pessoa como o treinador, com uma carreira vitoriosa, dizendo que não se pode mais separar os assuntos do futebol com a história de vida da pessoa é algo para se comemorar. É uma fala educativa, com poder de impactar outros homens. 

"Daqui em diante, o que vocês vão ver são atitudes. Podem me cobrar", prometeu o treinador.

Não hesitaremos em cobrar e nem de saudar as vozes que se juntam a uma luta que não é somente das mulheres e, sim, de toda a sociedade.

Fonte: Redação Nós
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