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Sou um homem trans que sobreviveu a uma violência sexual e quero falar sobre aborto

Corpos transmasculinos são extremamente vulneráveis a violências sexuais

3 out 2023 - 05h00
(atualizado em 26/10/2023 às 09h02)
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Os corpos de homens trans são motivo de devaneios eróticos de boa parte dos "senhores da sociedade patriarcal", assim como também os corpos transfemininos
Os corpos de homens trans são motivo de devaneios eróticos de boa parte dos "senhores da sociedade patriarcal", assim como também os corpos transfemininos
Foto: iStock/SB Arts Media

Me chamo Jordhan Lessa, tenho 56 anos e sou um homem trans. Pode parecer estranho que eu fale sobre aborto, mas precisamos começar dizendo que corpos transmasculinos são extremamente vulneráveis a violências sexuais. Nossos corpos são motivo de devaneios eróticos de boa parte dos "senhores da sociedade patriarcal", assim como também os corpos transfemininos.

Na realidade, basta o traço da feminilidade, que existe em todas as pessoas, ser aparente em menor ou maior grau para que alguém se sinta no "direito" de violar nossos corpos. Isso nos faz lembrar de homens gays e mulheres lésbicas que sofrem o estupro corretivo, violência baseada na obsessão do agressor de que falta um "homem de verdade", como ele, para que a pessoa volte ao estado "natural" aceito socialmente. 

O que é estupro corretivo? O que é estupro corretivo?

Hoje, após minha transição de gênero, não me furto a falar sobre algo tão sério que vivenciei aos 16 anos de idade e gerou um filho fruto dessa violência. Falar sobre a violação do meu corpo me coloca nesse lugar de sobrevivente às dores que me foram impostas antes, durante e depois do crime.

Sim, dores da ferida que foi aberta por ser lido, aos 16 anos, como uma mulher lésbica e, por esse motivo, ter sido estuprado. Dores da indecisão entre abortar ou não, que, no fim, por razões muito pessoais e por ter descoberto a gravidez já com 21 semanas, me fizeram decidir por levar a gestação adiante. Dores por ter optado por levar a gestação adiante e reviver todos os dias o momento daquela violência, como se o tempo tivesse parado para a minha barriga crescer. 

Depois de tudo isso, ainda foram mais 21 anos de muitas dores, escondendo de todos o que havia acontecido, pois a culpa parecia ser minha e eu não aguentaria as dores das acusações que poderia sofrer.

Hoje, o poder Judiciário discute a legalização do aborto e tem uma forte corrente contrária. Isso mexe comigo, pois fico me questionando: quem são essas pessoas contrárias a legalizar algo que sempre ocorreu clandestinamente? Seriam as que podem pagar clínicas caras mascaradas de qualquer outra coisa, ou, podem viajar e interromper a gestação em outro país? 

Talvez, quem sabe, os homens de bem a quem ninguém imputa culpa alguma como se as pessoas que gestam fizessem tudo sozinhas, sem a participação deles?

Sinceramente, é tão descabida essa discussão, pois basta que o Estado garanta que as pessoas sejam donas de seus corpos, tomem suas decisões e possam ser atendidas em locais dignos e não em estabelecimentos clandestinos espalhados pelo país, promovendo a redução de riscos e evitando que as dores que senti continuem a fazer parte da vida das pessoas violentadas e revitimizadas por mais esse abandono. O Estado precisa fazer valer a "Dignidade da Pessoa Humana" - cláusula pétrea da nossa Constituição Federal.

Seria interessante que toda essa mobilização abarcasse os homens e cobrasse deles também a mudança de comportamento ao serem responsabilizados pelo abandono dos filhos ou até o estímulo à vasectomia, procedimento que muitos nem sabem o que é. 

Enquanto as pessoas que gestam forem as únicas responsáveis, estaremos todos nós sendo estuprados nos nossos direitos básicos, sendo o principal deles o direito à vida!

Fonte: Redação Nós
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