Aterro ameaça terras quilombolas no Pará, denuncia liderança
Belém (PA) vive um impasse em relação à destinação do lixo. Isso porque uma determinação judicial suspende as atividades do aterro sanitário, que recebe 1,5 mil toneladas diárias de resíduos de Belém, Ananindeua e Marituba, a partir de novembro deste ano e nenhuma das três prefeituras apresentou alternativa para o problema. Em meio à questão, […] O post Aterro ameaça terras quilombolas no Pará, denuncia liderança apareceu primeiro em AlmaPreta.
Belém (PA) vive um impasse em relação à destinação do lixo. Isso porque uma determinação judicial suspende as atividades do aterro sanitário, que recebe 1,5 mil toneladas diárias de resíduos de Belém, Ananindeua e Marituba, a partir de novembro deste ano e nenhuma das três prefeituras apresentou alternativa para o problema. Em meio à questão, quilombolas de Bujaru e Acará, nordeste do Pará, denunciam que empresas querem construir um novo aterro para atender a Região Metropolitana nas proximidades de terras tradicionais, com igarapés, nascentes e população extrativista em sua maioria, que correm riscos de contaminação.
O conflito ocorre em meio à reorganização de Belém para receber a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30) em 2025, considerada o mais importante evento ambiental do planeta. Apesar do acirramento das discussões nos últimos meses, porém, o impasse já se estende há, pelo menos, dois anos. Organizados no movimento "Fora Lixão de Bujaru e Acará", moradores de 17 comunidades quilombolas da região têm realizado protestos e visitado órgãos estaduais e federais para defender a soberania e qualidade de vida das populações tradicionais. Segundo as lideranças, a área onde querem construir o aterro abrange uma população de 8 mil habitantes, com potencial de contaminar a água da capital do estado, pois está a apenas 13 km da Estação de Abastecimento de Belém.
Odaísa Cruz, líder comunitária e moradora da comunidade Menino Jesus, de Bujaru, uma das localidades afetadas, contou à reportagem que duas áreas podem receber o novo aterro: localizadas próximas aos quilômetros 17 e 32 da rodovia estadual PA-483, mais conhecida como Alça-Viária. "A gente denuncia que as áreas onde querem construir o aterro são próximas a nascentes, igapós, poços, o próprio Rio Guamá fica perto inclusive, também é uma região de muitos animais, e tudo isso está ameaçado. Para as comunidades, isso é prejudicial porque os rios são nossa fonte de sobrevivência, alimentação, sustento e até transporte", denuncia a moradora.
Consulta prévia
A quilombola conta, ainda, que uma das áreas, que é de propriedade de uma empresa que atua em serviços de limpeza urbana e estaria se preparando para disputar a licitação para administrar o serviço, fica confinante à comunidade Menino Jesus. Para o jurista Hugo Mercês, com atuação no Direito da Antidiscriminação na Amazônia, o impacto de um grande empreendimento ou de atividade potencialmente poluidora, que é o caso do aterro, não alcança apenas o local exato da instalação, mas abarca também os territórios vizinhos. Para a execução da obra, portanto, as comunidades afetadas deveriam ser escutadas previamente, como determina a Consulta Livre, Prévia e Informada.
"A Consulta Prévia é uma obrigação do Estado brasileiro de escuta, observada a interculturalidade dos povos e comunidades tradicionais e das suas posições sobre decisões políticas, administrativas e legislativas capazes de afetar suas vidas e seus direitos. É um direito previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro desde 2004. Esse diálogo deve ser amplamente participativo, ter transparência, ser livre de pressões, flexível para atender a diversidade dos povos e comunidades indígenas e ter efeito vinculante, no sentido de levar o Estado a levar em conta a opinião das comunidades na decisão a ser tomada. No caso analisado, a instalação de um aterro sanitário sem a escuta prévia das comunidades atingidas geraria insegurança jurídica e colocaria os agentes estatais e privados na mira do Ministério Público", explica o especialista.
Pelo menos até agora, no entanto, não houve nenhum tipo de consulta ou diálogo com a comunidade. "A nossa comunidade é confinante com o terreno onde eles querem implantar o aterro e nunca fomos consultados. De qualquer forma, somos contra. A gente não quer nenhum tipo de conversa, queremos que respeitem nosso território", protesta Odaísa.
O que dizem os órgãos oficiais?
Sobre a possibilidade de construção do aterro no Acará nem mesmo a prefeitura foi informada. Segundo a gestão municipal, não houve consulta sobre a instalação do aterro, mas se posicionou de forma contrária ao empreendimento. O comunicado foi divulgado logo após os moradores fecharem o km 19 da Alça Viária, em protesto contra a obra. "O prefeito considera que essa iniciativa irá causar sérios transtornos à população em geral e local, pois afetará diretamente os agricultores, as nascentes, igarapés e o forte ecoturismo na região, impactando o meio ambiente local", diz a nota.
A reportagem também tentou um posicionamento da Prefeitura de Bujaru acerca da proposta, mas não conseguiu retorno. Também foram procuradas as prefeituras de Belém, Ananindeua e Marituba e as empresas citadas pelas comunidades como proprietárias dos terrenos onde iria ocorrer a obra, Terra Plena e Revita, e aguardamos uma resposta. Já o Ministério Público Federal informou que um inquérito civil foi aberto para investigar o caso, mas que tramita sob sigilo.
Entenda o impasse
Inicialmente previsto para encerrar as atividades no último dia 31 de agosto, o aterro sanitário de Marituba teve o funcionamento prorrogado por mais três meses mediante determinação judicial, que acatou pedido das prefeituras de Belém, Ananindeua e Marituba e do Governo do Estado. A empresa Guamá Tratamento de Resíduos, responsável pelo aterro, informou que iria recorrer da decisão, mas que, mesmo com o encerramento das operações em Marituba, "permanece com seu compromisso de manter as medidas de manutenção e controle ambiental, como o gerenciamento de chorume e biogás, por até 20 anos, de acordo com as diretrizes do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)". Com o fechamento do aterro previsto para novembro, as prefeituras não apresentaram alternativa para a destinação do lixo.
Poluição
Com graves impactos ao meio ambiente e à saúde da população dos arredores, o aterro sanitário de Marituba é rejeitado por especialistas. Resultado parcial da pesquisa "Avaliação da Concentração de Gases Tóxicos e Odoríficos nas redondezas do aterro sanitário de Marituba", da Universidade Federal do Pará (UFPA), aponta que os níveis de gás sulfídrico emitidos pelo empreendimento são superiores aos padrões estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Por conta disso, a promotora de Justiça de Marituba, Eliane Moreira, notificou a Guamá Resíduos Sólidos e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas).
A promotora destaca que, segundo a pesquisa, foram identificados 30 vezes mais gás sulfídrico nos arredores do aterro. Esse gás é capaz de gerar odores e irritação nos olhos e pele. Portanto, reforça a necessidade de que o judiciário conceda as proteções de urgência necessárias às comunidades e reconheça que o aterro é um equipamento que funciona de forma precária e inadequada. Além disso, foram detectados 10 vezes mais metano do que se encontra normalmente na atmosfera, o que demonstra uma ausência de consideração dos impactos de gases de efeito estufa no licenciamento ambiental e monitoramento do local.
A Guamá Tratamento de Resíduos contrapôs a pesquisa e afirmou que o aterro mantém um "controle eficiente e não emite gases em quantidade que tornem o ar impróprio ou nocivo à saúde, ou que seja inconveniente ao bem-estar público". A nota diz que essa informação é "comprovada pelo monitoramento feito trimestralmente pela Guamá, submetido e avaliado pela Semas". E acrescenta que "todos os resultados apresentados estão em conformidade com os parâmetros indicados pelo Conama, garantindo o controle ambiental do aterro sanitário".
Histórico
Antes do aterro de Marituba passar a receber os resíduos da Região Metropolitana, em 2015, o depósito do Aurá cumpria esse serviço. Criado entre o final da década de 1980 e início dos anos 1990, o espaço, implantado no limite dos municípios de Ananindeua e Belém, próximo ao Rio Aurá, afluente do Rio Guamá, ficou mais de 20 anos ativo. Apesar do encerramento das atividades, há oito anos, a área continua sendo usada por moradores para depósito de lixo e oferece riscos à população do entorno e contaminação do ar e do solo, segundo o engenheiro sanitarista Neyson Mendonça, especialista em resíduos sólidos, da UFPA.
"Existem dois danos principais oferecidos pelo Aurá. O primeiro é a poluição do ar, com o transporte de poluentes na atmosfera. Isso porque, desde a sua concepção, o espaço não teve o uso de engenharia que retirasse e tratasse os gases emitidos pelo lixo. Esses gases acabaram sendo liberados no ar e as pessoas convivem com isso no dia a dia, exposição que pode trazer danos à saúde. Também tem a questão do chorume. Hoje, tem uma tubulação que dispensa diariamente todo o chorume da área no Rio Aurá. Esse líquido também se infiltra no solo, contaminando a água subterrânea, que depois o morador vai retirar do poço para beber, cozinhar e/ou tomar banho", acrescenta o engenheiro sanitarista.
'Para onde vai o nosso lixo de cada dia?'
O especialista em resíduos sólidos Neyson Mendonça explica, ainda, que, atualmente, as áreas onde são feitas as disposições de lixo no Pará são precárias, com má disposição dos descartes, emissão de gases de efeito estufa decorrente da degradação da matéria orgânica e/ou queima dos detritos, e a liberação desgovernada de chorume para o meio ambiente, provocando deterioração do solo e das águas superficiais e subterrâneas. "É preciso que se pergunte: 'Para onde vai o nosso lixo de cada dia?'", questiona o especialista. Pesquisa da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Afluentes (Abetre) aponta que o estado tem 134 lixões.
Diante do cenário, os aterros sanitários são modelos de gerenciamento, previstos no marco legal do saneamento básico (Lei Nº 14.026/2020), que obedecem aspectos legais e normativos de engenharia, mas precisam ser promovidas ações de controle ambiental para neutralizar ou minimizar a ocorrência de impacto do empreendimento, principalmente no caso da obra ser próxima a rios e comunidades tradicionais.
"A seleção de área para se construir um aterro na região Amazônica deve ter cuidados redobrados em razão das especificidades locais de alta precipitação de chuva, nível do lençol freático, e distância quanto às populações ribeirinhas e quilombolas, por exemplo. A infraestrutura deve ter redundância quanto aos aspectos de engenharia, para que, ao menor sinal de problema operacional, o aterro tenha flexibilidade operacional para contornar a situação e voltar a operar normalmente", finaliza o engenheiro sanitarista.
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