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Análise: House of Ashes diverte mas se perde na própria história

Terceiro jogo da série The Dark Pictures traz aventura de horror no Oriente Médio

21 out 2021 - 11h05
(atualizado às 12h34)
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House of Ashes explora os mistérios sob as areias do Iraque
House of Ashes explora os mistérios sob as areias do Iraque
Foto: Bandai Namco / Divulgação

Terceiro dos oito jogos da série The Dark Pictures Anthology, House of Ashes retrata a realidade de fuzileiros e agentes da CIA durante o ano de 2003, no estopim do que viria a ser conhecido como a Guerra do Iraque: uma ocupação ao território iraquiano sob a alegação de que o presidente Saddam Hussein mantinha um arsenal de armas químicas que ameaçavam a paz mundial. No meio do conflito, um grupo acaba preso em uma caverna que esconde ruínas ancestrais e outros segredos.

O game segue a fórmula estabelecida pela Supermassive Games desde Until Dawn, jogo de 2015 para PS4: um adventure com vários personagens, escolhas e situações mortais, com um clima daqueles filmes de terror que você assistiria de madrugada na TV. É bem apropriado que chegue agora em outubro, mês do Halloween, para PC e consoles PlayStation e Xbox.

Segredos do abismo

Até certo ponto a ambientação é bastante original para um jogo de terror: ao beber na fonte da realidade política do momento, House of Ashes mostra a intolerância dos norte-americanos durante a ocupação no Oriente Médio, somada ao preconceito e o medo do que não se conhece ou compreende. 

Tendo este como ponto de partida, mergulhamos em diversas generalizações a respeito da cultura iraquiana, e de suas raízes, a cultura suméria e a mesopotâmica. Os arquivos do jogo, denominados segredos, ilustram ideários sobre os deuses pagãos e suas vinganças sobre os mortais, e nesse ponto, somos tomados pela mitologia, que encanta e assombra, em total harmonia com a ambientação escura e perigosa do templo subterrâneo.

Sistema de escolhas é marca da série The Dark Pictures
Sistema de escolhas é marca da série The Dark Pictures
Foto: Bandai Namco / Divulgação

A construção das personagens se faz de forma intrigante e real, expondo meras pessoas com falhas e que carregam inúmeros fardos. Somos levados a acreditar que a 60 pés debaixo da areia, ninguém é melhor do que ninguém. Ledo engano.

A interação entre as personagens antecedendo aos acontecimentos do jogo é extremamente rasa, deixando mais dúvidas do que respostas. Um desses casos é a relação entre Rachel King - a personagem principal, interpretada pela atriz Ashley Tisdale -, e Eric King, seu ex-marido. Pouco é abordado a respeito da separação deles, ou do episódico acidente que levou o Coronel a ter sua perna amputada, fator este, que é citado e exposto, mas que não agrega em nada no decorrer da história.

Um dos personagens jogáveis mais interessantes é justamente “o inimigo”, Salim Othman, o tenente das Forças Iraquianas. Ele se mostra como um homem que teve a prática da guerra forçada pela sociedade em que vive, mas é apenas um indivíduo que busca criar seu filho como um pai solteiro. Em face das escolhas difíceis que aguardam no abismo, Salim é o mais sensato e mais agradável de todos os cinco personagens, mas apesar disso, seu uniforme grita mais alto do que seu caráter, lógica e sabedoria, visto que ele é sempre observado através do olhar xenofóbico dos norte-americanos. Sua liberdade é roubada e sua voz, silenciada, e admito que mantê-lo vivo ao final da noite me trouxe enorme alívio. 

Durante toda a aventura o jogador é confrontado com muitas verdades difíceis de engolir através da interação entre as personagens, mas no final, a mensagem que se destaca é clara: o inimigo do meu inimigo é meu amigo.

Vida e morte dos personagens de House of Ashes dependem do jogador
Vida e morte dos personagens de House of Ashes dependem do jogador
Foto: Bandai Namco / Divulgação

House of Ashes revive as mecânicas que tornaram Until Dawn famoso e adorado pela comunidade gamer: como o minigame de “ficar em silêncio”, que pode custar a vida de um dos seus personagens, sejam eles jogáveis ou não; as profecias e premonições encontradas através da campanha, as quais mostram momentos decisivos, de vida ou morte; a punição anterógrada do jogo, com uma decisão que parecia pequena no início do jogo, mas que salvou ou condenou os sobreviventes ao final. 

Você pode acompanhar o andamento das suas escolhas principais através da tela de “moral”, mas no meu caso, uma delas me assombrou e conseguiu diminuir o número final de sobreviventes. Sim, uma única escolha custou a vida de duas personagens jogáveis.

O verdadeiro terror

A ambientação é um dos pontos fortes de House of Ashes
A ambientação é um dos pontos fortes de House of Ashes
Foto: Bandai Namco / Divulgação

O enredo se mantém extensamente interessante e linear até o segundo encontro com o Curador, considerada a divisória entre os capítulos nos jogos da série. Nesse ponto, é esperado que pelo menos uma de suas personagens tenha morrido ou escapado do abraço da morte por algum detalhe pífio. 

Em minha campanha, uma das personagens tinha sido assassinada minutos antes do capítulo se encerrar - a outra, já estava morta, mas eu não sabia disso - e o Curador, com seu humor ácido e sarcástico, faz questão de relembrar como as minhas escolhas alteraram o curso da história. A sensação de poder que House of Ashes proporciona é muito boa, mas o peso na consciência vem de brinde.

É nos trechos mais avançados que a trama desgringola, beirando à bagunça: com a introdução da origem das criaturas letais que se escondem pelas sombras, fui tomada pela sensação de que os detalhes foram misturados sem pensar na harmonia de ligações que poderiam proporcionar. Com claras raízes em H.P Lovecraft, nos entregamos ao abismo e suas insanidades, mas quanto mais profundo se chega, mas fica a impressão de que nada se encaixa.

Os “vampiros” apresentados no jogo se assemelham mais a xenomorfos do que às míticas criaturas da noite. O último capítulo do jogo parece uma cópia da expedição da franquia Alien ao encontrar as criaturas em período de incubação, prestes a nascer e propagar seu reino de destruição. 

Muito é falado sobre a sua imortalidade, mas é visível a facilidade de garantir a eliminação desses monstros, seja pela luz do sol, fogo ou um ferimento no coração, enquanto o processo de contaminação e reprodução é abordado muito superficialmente, apesar de ser fator decisivo na sobrevivência dos protagonistas.

Precisa explicar?

É costumeiro em The Dark Pictures Anthology, a busca por uma explicação racional, como é o caso do Ouro da Manchúria em Man of Medan, ou os efeitos do estresse pós-traumático em uma mente distorcida em Little Hope. Acredito que, se ficássemos com uma explicação mítica, como a dos Wendigos em Until Dawn, o resultado final seria mais satisfatório. Faria muito sentido acreditar que os monstros das profundezas não se comparam com os que caminham à luz do dia.

Por trabalhar com um efeito borboleta extenso, House of Ashes ainda deve surpreender em detalhes mesmo após uma terceira ou quarta campanha jogada. O cenário é extremamente rico e a ambientação sonora e visual é capaz de deixar tensos até mesmo os mais corajosos jogadores. Pena que a narrativa se perca tanto, mas como narrativa, com pontas soltas e conclusões sem sentido, deixando o jogador zonzo e desorientado - ainda mais quem não é fluente em inglês, já que o game não conta com dublagem brasileira, apenas legendas.

House of Ashes - Nota 6
House of Ashes - Nota 6
Foto: Game On / Divulgação

As mecânicas de adventure e a ambientação original acabam perdendo a força diante dos problemas da história - e em um jogo onde a narrativa é um dos principais elementos, isso é um problema.

*Esta análise foi feita no PC, com uma cópia do jogo gentilmente cedida pela Bandai Namco.

Fonte: Game On
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