Tokenização da economia ganha força no Brasil com adesão de bancos e fundos
Crescem as ofertas de tokens no País, onde 60% dos investidores institucionais já avaliam ou de fato investem em ativos tokenizados
Com suas formas circulares e repartidas, um prédio espelhado se destaca na esquina da Avenida Faria Lima com a Rua dos Pinheiros. Projetado pelo escritório de arquitetura Aflalo e Gasperini, o Edifício Sulamérica tem mais de 12 mil m² de área construída, segue conceitos verdes e se destaca em uma região que vem sendo revitalizada. A grande diferença em relação a outros imóveis do tipo, no entanto, não está em suas características visíveis. E sim no fato de que uma laje do prédio, um ativo do mundo real, foi transformada em ativo digital e está sendo vendida em 25 mil pedacinhos - ou tokens.
Quem investe em cada um desses tokens por US$ 140 (pouco mais de R$ 700) se torna dono de 0,0458 m² do espaço e tem direito a quinhão do valor do aluguel. A remuneração se dá pelo pagamento de dividendos proporcionais à quantidade de tokens que o investidor possui, cuja rentabilidade é estimada em 6% ao ano, corrigida anualmente pelo índice IGP-M. A transação é feita pela Kodo Assets, especializada em tokenização de ativos do mercado imobiliário e proprietária de R$ 18,2 milhões do edifício.
O setor imobiliário é um dos que estão mais avançados no processo de tokenização no País. Mas está longe de ser o único que se move nesta direção. Neste ano, três grandes bancos anunciaram sua entrada na tokenização: Itaú Unibanco, Banco do Brasil e Santander Brasil.
A tokenização vem ganhando espaço no mercado financeiro global. Tanto que o Boston Consulting Group (BCG) projeta que 10% do PIB mundial, ou US$ 16,1 trilhões, estarão em ativos tokenizados até 2030. Neste ano, a consultoria estima que haja, pelo menos, US$ 310 bilhões já no mundo, considerando somente tokens de ativos reais, como ações, commodities, imóveis e títulos de dívida, por exemplo.
O Brasil se destaca quanto ao interesse do mercado institucional, ou seja, os bancos e fundos. Segundo pesquisa do Banco de Nova York Mellon, 60% dos investidores institucionais brasileiros já avaliam investir ou investem em ativos tokenizados. O País só fica atrás de Cingapura e Hong Kong, que têm 75% de interesse cada.
A posição de destaque do Brasil no cenário mundial de ativos digitais e tokenização é também citada por Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, que desde setembro faz parte do conselho consultivo global da Binance, a maior corretora de criptoativos do mundo. "A tokenização pode, sim, facilitar os investimentos no mundo todo, inclusive no Brasil, na medida em que o País prossiga nessa linha, como já faz, de agir rápido, sair na frente", afirmou em entrevista exclusiva.
O próprio Banco Central criou um grupo de trabalho para tokenização, anunciado no último dia 12, para estudos sobre atividades de registro, custódia, negociação e liquidação de ativos financeiros em infraestrutura de registro distribuído (Distributed Ledger Technologies, em inglês - DLT), mais conhecida como blockchain. A resolução entra em vigor dia 1º de janeiro, e o GT terá duração de 180 dias, prorrogáveis. Dentre as atribuições do grupo de estudos está a avaliação do grau de segurança das soluções de tokenização e eventual proposição de ajustes regulatórios.
Segundo ele, criminosos se aproveitavam, até então, da falta de regras no setor, o que pode começar a mudar com a aprovação do Projeto de Lei 4401/21, que regulamenta o funcionamento das corretoras de criptoativos no Brasil, e foi sancionado nesta quinta-feira. Porém, o texto não traz um capítulo específico para os tokens. "É generalista e praticamente não traz nenhuma norma concreta. Em função de um período de transição longo e de um detalhamento posterior que vai ser feito pelo Executivo federal, esse projeto vai demorar algum tempo para ter efeito prático", diz o advogado. Costa prevê que esse período possa levar dois anos.
Ainda assim, ele acredita que a tecnologia da blockchain deve ser incorporada integralmente pelo sistema financeiro tradicional. "É possível que a infraestrutura de mercado financeiro seja transformada de forma irreversível e que esse processo que, hoje, a gente chama de tokenização, vire um lugar comum", diz o advogado.
Há quem critique a adesão do mercado institucional ao universo cripto, nem tanto pelo risco, mas pela centralização de um ambiente que nasceu anárquico. O Bitcoin, criptomoeda mais popular, tem por princípio ser uma moeda independente de qualquer governo ou proprietário e rodar num ambiente tecnológico descentralizado. "Acho que os tokens são uma farsa; você tem de confiar no controlador central dele. Isso está sendo mostrado agora, com o caso FTX", diz o desenvolvedor de Bitcoin Jimmy Song, referindo-se à FTX, até então a segunda maior corretora de criptomoedas do mundo, que entrou em falência recentemente. (Reportagem de Ana Ritti, Beatriz Capirazi, Gabriel Tassi, Guilherme Naldis, Maria Lígia Barros, Rebecca Crepaldi e Zeca Ferreira)
Expediente
Reportagem I Alunos da 12ª turma do Curso Estadão de Jornalismo Econômico: Adrielle Farias, Alex Braga, Ana Clara Praxedes, Ana Luiza Serrão, Ana Ritti, Beatriz Capirazi, Carolina Maingué Pires, Davi Valadares, Erick Souza, Fernanda Paixão, Gabriel Tassi, Guilherme Naldis, Jean Mendes, Jennifer Neves, Lara Castelo, Letícia Araújo, Luiz Araújo, Maria Clara Andrade, Maria Lígia Barros, Paulo Renato Nepomuceno, Pedro Pligher, Rebecca Crepaldi, Renata Leite e Zeca Ferreira Edição e coordenação I Carla Miranda e Luana Pavani