'Segurar os gastos é inevitável; subir a receita é um esparadrapo', diz Castelar sobre ajuste fiscal
O impacto das políticas de transferência de renda no mercado de trabalho e as pressões sobre o BC também são desafios destacados pelos participantes de seminário do FGV Ibre com o 'Estadão'
RIO - Diante do desafio do governo de equilibrar as contas públicas, o economista Armando Castelar afirmou que aumentar a arrecadação é um caminho ilusório para o nó fiscal. "Segurar os gastos é inevitável. Subir a receita é um esparadrapo, e depois é preciso outro. E traz insegurança para investimentos", afirmou o pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) no II Seminário de Análise Conjuntural, realizado pelo FGV Ibre em parceria com o Estadão, nesta quinta-feira, 26.
Com o Executivo e o Congresso tentando empurrar um para o outro o ônus político de fazer o ajuste fiscal, a tendência é de piora do quadro, diz Castelar.
Se as pesquisas eleitorais apontarem que o Brasil deverá ter, em 2027, um governo com menor compromisso fiscal, prevê o economista, "há uma grande chance de o Brasil sofrer outra crise parecida com a que a gente viveu no final do ano passado, mesmo com o cenário externo sendo relativamente favorável".
Políticas de transferência de renda x mercado de trabalho
Para a coordenadora do Boletim Macro FGV, Silvia Matos, o Brasil sofre uma mudança estrutural, na qual as políticas de transferência de renda afetam a recuperação da população economicamente ativa, enquanto a inflação do núcleo de serviços atinge 5,8% em 12 meses.
O número de empregos deve aumentar neste ano, mas não há recuperação da população economicamente ativa para patamares pré-pandemia. "Há uma mudança estrutural e um debate: vários estudos tentam mostrar que as pessoas têm maior queda de participação nas famílias mais pobres, que recebem (transferência de renda)."
"Então, você acaba afetando a oferta de trabalho também com as políticas de transferência de renda, que aumentaram muito em relação ao que era antes em valores pré-pandemia. Claro que tem aspectos positivos de algumas mudanças, mas a gente sabe que os valores estão muito acima do que deveria ser diante da necessidade de fazer a geração de renda."
A especialista argumentou que as políticas de distribuição de renda devem ser temporárias, para que as pessoas consigam sair da linha da pobreza e aumentem a sua renda via trabalho. "Infelizmente, a gente tem tido os problemas nessa direção, pessoas mais dependentes, um grupo maior de pessoas dependente dessas transferências e ficando fora do mercado de trabalho."
A economista observou ainda que a produtividade não cresce no Brasil, principalmente no setor de serviços. Isso gera uma grande questão, porque os salários crescem, principalmente no setor de serviços, em termos reais. "E isso acaba batendo em inflação."
Silvia Matos defendeu ainda a revisão dos índices de benefícios sociais, como Previdência Social e Benefício de Prestação Continuada (BPC). "É importante manter o poder de renda, mas deveria haver uma discussão técnica sobre o índice de inflação para pessoas com mais idade. Tem de ser desconectado do salário mínimo", disse. "Isso também vale para o Bolsa Família."
'Pressões atrapalham objetivo do BC'
As expectativas de mercado de queda de juros em 2026 atrapalham o objetivo do Banco Central de levar a inflação à meta, avalia José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV Ibre.
"Há um movimento de mercado — que pode ser verificado na pesquisa Focus e na curva de juros — de expectativa de que os juros vão cair no ano que vem e iria para 12,5%", comentou. Além disso, acrescentou, a dívida pública brasileira está nas mãos do mercado, que se inclina pela redução da taxa, o que valoriza os papéis.
"Isso faz com que os juros de mercado fiquem mais baixos, o que torna as condições monetárias menos restritivas, o que atrapalha o objetivo do Banco Central", afirmou.
Senna apontou ainda que o BC trabalha com a projeção da inflação, e a política monetária demora algum tempo para impor seu efeito. "Talvez a solução fosse usar guidances (tendências) condicionais. Não se pode esquecer que o regime de metas implica projeção de inflação, pois a política econômica opera com defasagem."
Com a pressão de baixa do mercado de um lado e a perspectiva de manutenção da política monetária restritiva por um período prolongado, o que se vê é um "cabo de guerra", e o BC precisa atuar "no gogó".
Ele comentou ainda que na ata do mais recente encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC indicou que a autoridade entende que a intensidade da política de juros é importante para levar a inflação à meta, mas entende que não necessariamente no horizonte básico de 18 meses. Por outro lado, deixou claro que não hesitará em aumentar o juro mais adiante, caso isto seja entendido como algo apropriado para fazer.
No radar, dólar desvalorizado
Para Castelar, a desvalorização do dólar deve se manter ao longo deste ano, pressionado pelas questões fiscais dos Estados Unidos, num momento em que o câmbio tem favorecido o controle da inflação no Brasil.
O economista destacou que o cenário internacional "deu uma acalmada" neste final de semestre, ao mesmo tempo que no ambiente interno o debate fiscal está antecipando a corrida eleitoral. "O cenário desanuviou mais rápido do que o esperado." Em relação ao exterior, o economista citou o preço do petróleo, 20% abaixo de um ano atrás.
As tensões comerciais tiveram um arrefecimento, e agora a expectativa é por acordos, o que deve garantir um cenário de desaceleração menos dramática do que se pensou, comentou. Por outro lado, uma série de incertezas permanece, como a votação do orçamento dos EUA e o surgimento de novas legislações para tributar remessas e investimentos de estrangeiros.