Revolução silenciosa transformou Cerrado em potência agrícola; Roberto Rodrigues analisa esse salto
Em palestra no 'Estadão Summit Agro', ex-ministro lembra como a ciência no campo converteu o País de importador a referência global em produtividade
No momento em que completa mil meses de vida, como ele mesmo fez questão de mencionar, Roberto Rodrigues, professor emérito da Fundação Getulio Vargas (FGV), não contém a emoção ao falar da transformação do agronegócio brasileiro desde os anos 1970. A fala, recheada de histórias, brindou os participantes do Estadão Summit Agro, em São Paulo, onde apresentou a palestra magna "O legado do agronegócio para a COP-30". Para o agrônomo, as mudanças que presenciou foram todas "absolutamente extraordinárias". "E olha que vi o Pelé (1940-2022) e o Canhoteiro (1932-1974) jogarem", brincou.
Rodrigues lembrou que, quando iniciou sua trajetória na agronomia (formou-se em 1965 na Esalq/USP), o Brasil ainda era um importador líquido de alimentos. "Nos anos 1970, importávamos 30% do que consumíamos", recordou. A guinada tecnológica, consolidada a partir da criação da Embrapa e da formação de uma comunidade científica especializada em ambientes tropicais, mudou o mapa da agricultura nacional, avaliou o professor. Em cinco décadas, o País passou a ser um dos maiores exportadores agrícolas do planeta. "Esse é um feito de uma grandeza incomum. Transformamos solos ácidos, pobres e imprestáveis em áreas altamente produtivas".
</CW>Segundo o agrônomo (ministro da Agricultura entre janeiro de 2003 e junho de 2006, no primeiro governo Lula), as mudanças são fruto de um processo raro, que combinou ciência aplicada, adoção tecnológica massiva, sistemas integrados e formação técnica. "O Cerrado se tornou o laboratório e, ao mesmo tempo, a vitrine da agricultura tropical". A incorporação de correção de solo, cultivares tropicais, manejo integrado, plantio direto e sistemas como ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta) permitiram que o País desenvolvesse um modelo único, hoje observado de perto por delegações estrangeiras. "Na COP, houve um interesse enorme. Foram mais de 40 visitas de autoridades internacionais para entender nossa tecnologia tropical. Todo mundo quer saber como conseguimos."
Ao esmiuçar o que sustentou a chamada, por ele mesmo, revolução silenciosa do Cerrado, Rodrigues lembra que a virada começou com o desenvolvimento, pela Embrapa e universidades, de técnicas de correção e manejo, como a aplicação de calcário para reduzir a acidez, o uso de fósforo para elevar a fertilidade e a adoção de sistemas de plantio que preservavam a estrutura do solo.
Outro eixo decisivo foi a tropicalização genética. Rodrigues destacou que as primeiras variedades de soja, trigo e outras culturas eram incompatíveis com as condições de luz e temperatura do Cerrado. A criação de cultivares adaptadas ao regime tropical, capazes de florescer e produzir em dias mais curtos e sob temperaturas elevadas, marcou o início da expansão agrícola. "Sem a ciência tropical, não teria havido revolução".
Para o professor, o sucesso do agronegócio nacional provocou um movimento oposto à antiga desconfiança sobre o setor. "Havia dúvidas sobre a credibilidade da agricultura brasileira. Hoje há um reconhecimento global: o mundo descobriu o valor tecnológico da agricultura tropical."
Debate climático
Durante a COP-30, em Belém — onde Rodrigues esteve como enviado especial da Agricultura, a convite do presidente da conferência, o embaixador André Corrêa do Lago —, ficou claro, afirmou ele, como a agricultura deixou de ser tratada como um tema periférico no debate climático. "Em outras COPs, falava-se de agricultura quase apenas como segurança alimentar. Desta vez, foi diferente. Agricultura entrou como tema estratégico".
O Brasil exerceu protagonismo ao mostrar soluções climáticas baseadas em tecnologia tropical, uma agenda que articula produtividade, conservação de florestas e redução de emissões.
Os temas do momento se sobrepuseram ao longo dos debates na conferência, relatou o enviado especial: financiamento climático, mecanismos de redução de emissões, uso de biocombustíveis, SAF (combustível sustentável de aviação) e pecuária de baixa emissão. "A mensagem final foi clara: a agricultura tropical, se bem manejada, não é problema, é solução climática", disse Rodrigues.
De olho no futuro, Rodrigues — que deu o pontapé inicial em um projeto chamado Agro Brasil 2050 — insiste na tese de que a agricultura tropical será cada vez mais central, inclusive como garantidora da paz mundial em um momento de incertezas geopolíticas profundas.
"O modelo tropical replicado pode garantir resiliência alimentar, gerar renda para países pobres, reduzir desigualdades e contribuir para a estabilidade climática", afirmou. Segundo ele, essa é a contribuição mais estratégica que o País pode oferecer ao planeta, e que deve orientar sua atuação nos próximos anos.
Rodrigues é otimista. Ele afirma que nunca esteve tão confiante no papel que o País pode desempenhar. "Quero um Brasil protagonista, ajudando a promover paz, energia limpa, emprego e alimentos para o mundo. É isso que o modelo tropical pode oferecer. É isso que eu quero ver, e que vale a pena construirmos juntos."