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Terceirização gera embate entre modernização e morte no País

Empresas querem avanço em tecnologia e corte de custos, mas fiscalização alerta sobre precariedade do trabalho terceirizado

1 jun 2015 - 13h07
(atualizado às 13h23)
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Projeto de Lei 4330/2004 que permite a terceirização de qualquer atividade dentro de uma empresa criou um verdadeiro clima de cabo de guerra entre trabalhadores e empresários. A justificativa para a terceirização é a redução de custos, melhoria da competitividade, acesso à tecnologia e mão de obra especializada. Mas, ao mesmo tempo, as estatísticas mostram que, apesar de representarem um terço da força de trabalho, os terceirizados são os que mais morrem em serviço. Para os responsáveis pela fiscalização esses números são um indício de que a ampliação da terceirização seria ainda mais arriscada para os trabalhadores. 

Máquina que triturou trabalhador terceirizado na cidade de Cachoeirinha, região metropolitana de Porto Alegre
Máquina que triturou trabalhador terceirizado na cidade de Cachoeirinha, região metropolitana de Porto Alegre
Foto: Divulgação

A terceirização é regrada por uma súmula (331) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que a autoriza apenas para a atividade meio. Por conta disso, o empresariado reclama de insegurança jurídica por conta da subjetividade na interpretação. De acordo com a Confederação Nacional da Industria (CNI), existem aproximadamente 16 mil ações na Justiça envolvendo empresas terceirizadas.

Um documento elaborado pela entidade afirma que, atualmente, as empresas modernizaram sua organização e atuam em rede, agregando serviços técnicos, especializados e novas tecnologias por meio de outras corporações, por isso seria impossível determinar o que é atividade meio ou fim.

Mas os fiscais do trabalho veem a coisa de forma diferente na prática. “Esse argumento que a gente ouve na mídia de que o projeto vai especializar ainda mais o trabalhador não é real, porque não vemos isso na prática. Não se veem vigias especializados, não se vê o pessoal da limpeza especializado... A mentalidade vai mudar do dia para noite? Isso simplesmente vai servir para que as empresas de grande porte possam economizar custos”, diz o chefe do setor de segurança do trabalho do Ministério do Trabalho do Rio Grande do Sul, Guilherme Candemil, que todos os dias acompanha investigações referentes a acidentes e mortes de trabalhadores.

Dilma posa para foto com funcionários terceirizados da Petrobras
Dilma posa para foto com funcionários terceirizados da Petrobras
Foto: Roberto Stuckert Filho / Presidência da República

 

Números de acidentes e precariedade da terceirização


 

Dados Dieese mostram que 4 de cada 5 trabalhadores mortos são terceirizados no País

Nas ultimas 10 operações contra trabalhadores mantidos em situação análoga a de escravidão, dentre os 3.553 casos, quase 3 mil eram terceirizados


 

No setor elétrico das 79 mortes registradas em 2013, 61 eram de trabalhadores terceirizados


 
Todo os nove trabalhadores mortos durante as obras de estádios da Copa eram terceirizados
 

 

Por que empresas terceirizam?

De acordo com uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI):

85% das empresas responderam que o motivo era a redução de custos

87% pela necessidade por serviços especializados

83% por melhoria da qualidade

74% por busca tecnológica
 

 

Ainda sobre a terceirização nas empresas:

70% das cerca de 2 mil empresas pesquisadas pela CNI terceirizam

84% pretendem ampliar o uso da terceirização

57% disseram que sofreriam impactos negativos com a proibição da terceirização

75% das empresas afirmaram verificar se a terceirizada cumpre com os encargos trabalhistas

74% verificam se a terceirizada cumpre com as normas de saúde e segurança do trabalho

60% das empresas apontaram a insegurança jurídica e possibilidade de processos judiciais como principais problemas da terceirização
 
Foto: Wilson Dias / Agência Brasil

Trabalhar mais e receber menos

O principal temor dos contrários ao projeto de lei 4330 é o de que algumas empresas terceirizadas sejam utilizadas como uma espécie de “testas de ferro” do trabalho irregular. Isso porque as fiscalizações flagram com relativa frequência empresas que apresentam certificados de treinamentos que não ocorreram, fraudes trabalhistas e precariedade nas relações de trabalho. 

Em alguns casos, essas empresas sequer possuem capital de giro para o pagamento da folha de um mês. Os dados de um estudo realizado pela Central Única do Trabalhador (CUT) apontam também que os terceirizados recebem 25% menos e trabalham três horas a mais, se comparados com os funcionários contratados. 

“Se nós temos um terço dos trabalhadores terceirizados em relação ao número de contratos formais e dentro deste um terço há o maior número de acidentes de trabalho, o que se deve esperar, infelizmente, é que o número de acidentes de trabalho aumente. Crescerá na mesma proporção“, afirma o vice-coordenador nacional da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes das Relações de Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT), João Baptista Machado.

De acordo com ele, uma prova da falta de confiança com as terceirizadas é o trecho do projeto de lei que determina que as contratantes são as responsáveis pelo recolhimento dos tributos dos funcionários terceirizados. “Ora bolas, se o tributo é o mesmo, porque o governo está preocupado se quem vai fazer a retenção do pagamento é a empresa A contratante e não a empresa B contratada? Para mim, isso sugere que nem o governo federal acredita na idoneidade das empresas terceirizadas. Porque existe um grande número de empresas que acabam, fecham, desaparecem, sem pagar os trabalhadores”, diz Machado, que é procurador do Ministério Público do Trabalho do Piauí.

Ele rebate também outro ponto do projeto que afirma que os trabalhadores terceirizados terão os mesmos direitos dos contratados. “É outra coisa que estão apresentando com o verniz de coisa boa, mas que para mim não é nada disso. É a história de que vão ter os mesmos direitos da empresa contratante. Mas como isso vai ocorrer se a empresa contratante pode não ter nenhum funcionário? Como vou poder dizer que tem que ter salário igual?”  

Foto: Thomaz Silva / Agência Brasil
Foto: Thomaz Silva / Agência Brasil

Terceirizar por custo, tecnologia ou qualidade?

A terceirização no Brasil teve início na década de 1990 com a abertura do mercado, ampliado durante as privatizações. De acordo com a CNI, o modelo deixou de ser uma transferência de serviços para se tornar uma cadeia de parcerias. “É incompreensível e injustificável que a terceirização encontre resistência no nosso País, seja pela incompreensão do novo modelo de organização do processo produtivo ou pelo irrealismo de querer enquadrar as novas relações de produção e de trabalho em modelos pensados e criados para uma economia e uma sociedade de meados do século passado, que não mais existem”, afirma trecho do estudo.

Mas, mesmo com todas essas justificativas, a redução de custos aparece com um dos principais motivos para terceirizar atividades. Foi o que responderam 85% das empresas pesquisadas. No levantamento, 87% justificaram a necessidade por serviços especializados, 83%, melhoria na qualidade e 74%, busca tecnológica.

“A terceirização é um modo de organização empresarial e não uma forma ou modalidade de contratação de trabalhadores para burlar a legislação trabalhista ou uma simples transferência de serviços de apoio, como segurança, limpeza e vigilância“, afirma o documento da CNI.

De cada 5 mortos, 4 são terceirizados

Apesar da principal justificativa ser a necessidade de melhoria de serviços, especialização e tecnologia, a maioria dos trabalhadores que morrem em serviço é terceirizada. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram que de cada cinco trabalhadores mortos no País, quatro são de empresas terceirizadas.

Os relatos de trabalhadores vitimados por acidentes são chocantes. Histórias de mutilações, mortes, abandono e brigas na Justiça se arrastam por décadas. Nas dez maiores operações de resgate de trabalhadores mantidos em situação análoga à de escravidão, dos 3.553 casos, quase três mil eram empregados terceirizados. No setor elétrico, dados de 2013 apontam que, dos 79 mortos, 61 eram terceirizados. Na construção civil, dos 135 mortos, 75 eram terceirizados. Nas obras das arenas usadas na Copa, as nove mortes foram de trabalhadores terceirizados. 

Navio plataforma que prestava serviços para a Petrobras no Espírito Santo explodiu matando seis pessoas
Navio plataforma que prestava serviços para a Petrobras no Espírito Santo explodiu matando seis pessoas
Foto: Divulgação / Marinha do Brasil

Mutilado e deprimido

O Terra conversou com Francisco Alexandro Lima, natural do Rio Grande do Norte. Ele trabalhava em uma plataforma da Petrobras. O eletrotécnico de 44 anos, casado e pai de dois filhos, teve a vida totalmente mudada em 2009, quando seu braço esquerdo foi amputado em um secador de cascalho (máquina para resíduos de perfuração) na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. Atualmente, ele faz tratamento psicológico e luta contra a depressão. “Se não fosse terceirizado, teria tido mais atenção por parte da Petrobras”, afirma Lima. O serviço social do Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro), no norte fluminense, mantém contato para acompanhar sua evolução.

Lima começou a trabalhar na empresa terceirizada (cujo nome prefere não informar por ainda estar ligado à ela) que presta serviços para a Petrobras em 2005. Foi transferido para o Rio em 2007 e trabalhava sem parar por jornadas de 15 a 60 dias, seguidos de cinco dias de descanso. “Quanto tive o acidente, estava voltando de cinco dias de folga depois de 45 dias trabalhando direto em várias plataformas. Estava esgotado”, conta.

De acordo com o Sindipetro, um funcionário da Petrobras trabalha 14 dias seguidos e descansa 21 dias. Terceirizados fazem 14 de trabalho, por 14 de descanso. O eletrotécnico afirma que a pressão sobre os terceirizados vem de três lados: “da empresa, da plataforma e da Petrobras, que não está nem aí para o trabalhador terceirizado”. Sem um braço, Francisco não sabe quando nem se vai conseguir voltar a trabalhar. “Já tentei fazer fisioterapia, mas dói muito e minha cabeça não funciona”, diz.

No Rio de Janeiro, a situação da terceirização mostra viés preocupante. Na Petrobras cerca de 80% das mortes ocorreram com trabalhadores terceirizados, de acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Outros relatos dão conta de casos como o de amputação dos dois braços de um trabalhador por usar equipamento resgatado de um ferro velho. Ele morreu antes de o processo ser concluído na Justiça. Outro caso envolvendo empresas que prestam serviço para a Petrobras é o de trabalhadores acusados e presos por roubo depois de levarem para casa barras de chocolate que seriam jogadas no lixo.

Terceirizado trucidado por trituradora

Mas não é só na Petrobras que a situação da segurança do trabalho é complicada. A imagem de um sapato e de pedaços de roupa em cima de uma máquina trituradora, que você vê no topo dessa matéria, foi feita durante a investigação sobre as circunstâncias da morte de Gilberto Silva da Silveira, operador de muck (guindaste) terceirizado pela empresa Resisul Comércio de Papeis, localizada na cidade de Cachoeirinha, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Ele foi triturado por uma máquina de destroçar madeira no dia 14 de maio deste ano.

Gilberto caiu na máquina quando realizava o serviço de desobstrução do pré-triturador. A investigação apurou que ele não tinha qualificação para operar o equipamento, não existiam procedimentos de trabalho e análise de riscos, o manual da máquina não previa a hipótese de obstrução do pré-triturador e não havia registro de manutenção da máquina. Também não havia proteção contra quedas e guarda-corpo na parte superior da máquina. A linha de máquinas da empresa foi interditada pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Sul.

Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil

Fraudes

Mas, mesmo quando a atividade não coloca a vida do trabalhador em risco, existem ainda as fraudes trabalhistas. Sem capital de giro para arcar com a folha de pagamento de um mês, muitas empresas terceirizadas repassam para os funcionários qualquer prejuízo sofrido com atrasos de recebimentos das contratantes. Não é comum ver o pessoal de limpeza ou segurança -  contratados por meio de terceirização -  de órgãos públicos cruzarem os braços por esse motivo.

Foto: Wilson Dias / Agência Brasil

PL 4330/2004 agora no Senado

O projeto de lei é de autoria do ex-deputado federal Sandro Mabel (PMDB), que por duas décadas foi um dos responsáveis pela administração da Mabel, uma das maiores indústrias de biscoitos da América Latina, vendida para a Pepsico em 2011. Ele continua à frente das empresas do grupo, que atua também na agropecuária. Em 2010, o patrimônio declarado de Mabel foi de cerca de R$ 70 milhões. A proposta entrou na pauta por inciativa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB).

Apresentado em 2004, o projeto foi aprovado em votações na Câmara de Deputados e agora tramita no Senado, onde está sendo debatido em sessões temáticas, por determinação do presidente da Casa, senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

O tema tem sido alvo de manifestações contrárias de sindicalistas e também usado em palanque político. “Não vamos transformar os outros 40 milhões de trabalhadores em terceirizados também. Não podemos praticar o ‘liberou-geral’ para as atividades-fim. Precisamos tirar a terceirização da zona cinzenta em que se encontra, mas sem revogar direitos”, disse Renan Calheiros em 14 de maio último, quando ocorreu a primeira discussão sobre o projeto no Senado. 

Enquanto o projeto tramita, entidades sindicais organizam por todo o País paralisações com o intuito de pressionar por mudanças ou pelo arquivamento do projeto. 

Petrobras

Sobre os relatos de acidentes relacionados com empregados terceirizados, a Petrobras respondeu com nota na qual afirma que as contratações foram feitas em acordo com a legislação e código de ética da empresa. Lei a nota na íntegra:

A Petrobras contrata serviços especializados cujas empresas prestadoras contam com trabalhadores de diversas carreiras. Tais contratações são pautadas nas determinações legais estabelecidas, nas orientações normativas internas e nas disposições do Código de Ética da Petrobras. A companhia fechou o ano de 2014 com 263.766 prestadores de serviços.

A companhia possui uma Política de Segurança, Meio Ambiente e Saúde que contempla temas como educação, capacitação e comprometimento da força de trabalho (todos os trabalhadores próprios e contratados). Além disso, nossos padrões de segurança e saúde são aplicáveis para todos indistintamente, empregados próprios e terceirizados. Promovemos, também, auditorias para realizar diagnósticos e oferecer suporte às empresas, gerando planos de ação a serem implantados pelas contratadas e acompanhados por nós. Se necessário, aplicamos as penalidades por descumprimento de exigências, que, em todos os casos, variam entre a aplicação de multa, rescisão contratual e o impedimento de fornecer por prazo definido. Os processos de avaliação de fornecedores, aplicados continuamente, promovem melhorias aos serviços prestados, adequando-os cada vez mais aos requisitos que lhes são aplicáveis. As contratações de serviços são condicionadas ao atendimento de rigorosos requisitos de segurança e saúde, conforme as categorias de riscos dos serviços a serem realizados, implicando também em padrões contratuais e de avaliação mais rígidos.

As principais exigências contratuais de segurança, meio ambiente e saúde são:

· Atuar de forma preventiva na proteção das pessoas e do meio ambiente

· Promover melhorias contínuas das condições de segurança e saúde dos locais de trabalho

· Prevenir situações que impliquem danos potenciais à saúde dos seres humanos e ao meio ambiente

· Elaborar e cumprir Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA)

· Grau de implantação do sistema de gestão de SMS (Segurança, Meio Ambiente e Saúde), valorizando e estimulando certificações segundo as normas ISO 14001 e OHSAS 18001.

Fonte: Terra
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