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Programas de transferência de renda são adotados por 30 países para proteger população de pandemia

Alguns países chegam à crise com as contas organizadas, enquanto outros (como o Brasil) precisam conciliar as ações com uma situação já existente de déficit nas finanças

23 mar 2020 - 15h11
(atualizado às 15h26)
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BRASÍLIA - Para evitar um colapso na renda das famílias, grande parte dos países tem preferido adotar iniciativas de transferência direta de renda para socorrer trabalhadores, desempregados e cidadãos mais pobres, num momento em que a crise provocada pelo avanço do novo coronavírus diminui a circulação de pessoas, encolhe a demanda por bens e serviços e coloca a população em situação de isolamento social.

Ao menos 30 países criaram novos programas de transferência de renda ou fortaleceram os já existentes para tentar evitar uma tragédia social. Onze países implementaram subsídios temporários nos salários dos trabalhadores e estão bancando até 80% das remunerações para conter dispensas. Também há medidas para complementar a renda de informais e reduzir o horário de trabalho - até por causa das recomendações sanitárias de isolamento.

Dez países estão investindo em licenças remuneradas para incentivar quem foi infectado a ficar em casa, isolado, evitando a ampliação do contágio. Outras iniciativas incluem redução temporária das contribuições sociais de empregadores e trabalhadores, repasses para famílias com crianças e ampliação dos benefícios para desempregados.

As medidas variam em alcance e magnitude conforme o poder de fogo do país: alguns chegam à crise com as contas organizadas, enquanto outros (como o Brasil) precisam conciliar as ações com uma situação já existente de déficit nas finanças. Além disso, o custo de vida pode ser mais elevado em países desenvolvidos, refletindo no valor do benefício.

O diretor global de Macroeconomia do Banco Mundial, Marcello Estevão, coordena parte importante de um monitoramento que o organismo internacional tem feito sobre as iniciativas. Ao todo, 13 novos programas de transferência de renda foram lançados em meio à crise da covid-19, em países como Bolívia (US$ 72,60, aproximadamente R$ 365, para cada criança em idade escolar), Irã (US$ 400, cerca de R$ 2 mil, em quatro parcelas a três milhões de famílias) e Peru (US$ 107, ao redor de R$ 538, a nove milhões de famílias).

Em Cingapura, os trabalhadores receberão um repasse único de até US$ 300 (R$ 1,5 mil), a depender de sua renda, com possibilidade de US$ 100 adicionais (R$ 500) para cada filho menor de 21 anos.

Na Itália, que se tornou o epicentro da doença, trabalhadores com renda anual menor que 40 mil euros (R$ 218 mil ao ano) estão elegíveis a receber um benefício de 100 euros (cerca de R$ 545), livre de taxas, no mês de março. O governo italiano também anunciou um repasse de 600 euros (R$ 3,2 mil) para trabalhadores com filhos menores de 12 anos, valor que pode chegar a mil euros (R$ 5,5 mil) no caso de trabalhadores da área de saúde.

Alguns países também estão adaptando políticas sociais já existentes, antecipando pagamentos ou repassando uma parcela adicional, ampliando a cobertura ou suspendendo condicionalidades de acesso.

Criticado pela demora em mostrar reação na frente social, o governo brasileiro anunciou na última semana uma ampliação de R$ 3,1 bilhões no Orçamento do Bolsa Família para incluir 1,2 milhão de famílias que há meses estão na fila de espera do benefício.

A equipe econômica também anunciou ou auxílio emergencial de R$ 200 mensais (cerca de US$ 40), por até três meses, aos trabalhadores informais ou autônomos que enfrentarem dificuldades durante o período de quarentena no País. O valor é inferior ao adotado pelo Peru, mas próximo do pagamento extra previsto pela Argentina (US$ 47, ou R$ 236). Ambos os países têm renda per capita semelhante à do Brasil, já considerando os custos de vida de cada local e o efetivo poder de compra do dinheiro nesses países.

Para a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane, nesse momento, o mais urgente no Brasil é concentrar energia primordialmente em chegar os recursos nos municípios e Estados. "Eles não podem imprimir moeda, não têm como ter endividamento maior", alerta Élida, que vem recebendo pedidos de orientação de prefeitos de São Paulo.

As prefeituras, diz Élida, não sabem que podem mobilizar, por exemplo, todas as impressoras 3D para ampliar a produção de equipamento. Os profissionais de saúde e os agentes comunitários de saúde estão reclamando e ameaçando com paralisação. "Qualquer pessoa em sã consciência, sem equipamento de proteção social, não vai se expor", alerta.

Segundo Élida, é preciso fazer a economia girar em torno da indústria da saúde, como usar a capacidade instalada da indústria automobilística para fazer ambulância de UTI. "Precisamos aumentar os leitos de UTI. A indústria sabe fazer ambulância com UTI", recomenda.

"O dinheiro tem que ir direto para os municípios, para os Estados, especificamente na questão sanitária. Tem um debate agora de chegar pela conta de luz. Está se discutindo alguma forma de chegar diretamente aos mais vulneráveis pelo CPF", diz a procuradora.

Para o professor Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o governo deveria usar o canal do Bolsa Família "de forma mais completa". Ele calcula que o valor do benefício está 18,8% defasado em relação ao fim de 2014 e sugere uma antecipação de 13º do benefício, como foi feito no caso de aposentadorias e pensões do INSS.

Segundo Neri, o efeito multiplicador do Bolsa Família (quanto o PIB aumenta para cada real gasto) é superior ao de outras transferências. "Para cada R$ 1 de repasse do Bolsa Família, o PIB cresce R$ 1,78. Na Previdência, esse multiplicador é de R$ 0,52. Ou seja, a combinação de mais Bolsa Família e menos previdência mantém a economia mais aquecida", disse.

Emprego

Os países também têm adotado medidas de proteção ao emprego. Na Dinamarca, um dos países com maior renda per capita do mundo, o governo vai cobrir 75% dos salários dos trabalhadores por três meses. O benefício está limitado a US$ 3,4 mil por mês (o equivalente a R$ 17,2 mil). Na Itália, o subsídio público será de até 80% do salário, com duração máxima de nove semanas.

No Brasil, a equipe econômica flexibilizou as negociações entre empresa e empregado e vai permitir redução de jornada e salário de até 50%. Como compensação, o governo pagará uma parcela do seguro-desemprego, de R$ 261,25 a R$ 381,22, por até três meses.

Na última sexta-feira, em coletiva para atualizar os dados sobre o rombo no Orçamento de 2020 (que já passa dos R$ 161 bilhões), o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, alertou o governo brasileiro não tem espaço fiscal para promover uma política de transferência de renda para todos os cidadãos, a exemplo do que fizeram outros países, como os Estados Unidos.

"Herdamos situação fiscal debilitada. Quando assumimos governo, um dos nossos objetivos era consolidação fiscal. No momento atual, não existe muito espaço fiscal para política de dar dinheiro para todos", disse Sachsida. "É melhor focalizar em grupos carentes, grupos necessitados, grupos vulneráveis do que dar dinheiro para todos, de repente acaba dando dinheiro para alguém que ganha R$ 30 mil mensais por mês e tem emprego garantido."

Estadão
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