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'O risco é fatiar a reforma tributária e criar um sistema ainda mais complexo'

Cofundador da Natura e conselheiro da Endeavor alerta que o fato de 2020 ser ano eleitoral pode ser um entrave na tramitação da reforma considerada por ele a mais importante para as empresas

31 out 2019 - 11h11
(atualizado às 12h26)
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Após aprovar a reforma da Previdência, o governo colocou na sequência a reforma administrativa e deixou a tributária para 2020. O empresário Pedro Passos, cofundador da Natura e conselheiro da Endeavor, organização de estímulo a empreendedores, especialmente em países emergentes, vê com preocupação o adiamento da reforma que ele considera a mais importante para o setor empresarial.

Ele alerta que 2020 é ano eleitoral e isso poderá criar dificuldades para que Congresso e Executivo mantenham uma agenda comum para aprovação da reforma tributária. "O Congresso, a partir de junho, vai estar com outra agenda." Além disso, segundo o empresário, como esse é um tema com muitos interesses diferentes, há um risco de se fatiar demais a reforma e se criar um sistema ainda mais complexo.

A Endeavor elaborou uma lista de 11 princípios básicos para a reforma tributária, como transparência, progressividade, entre outros, que deveriam, na avaliação da organização, nortear qualquer modelo de reforma (veja os pontos no final da entrevista). A seguir, os principais trechos da entrevista.

Por que a Endeavor decidiu formular uma série de princípios para nortear a reforma tributária?

Na divulgação do último "Doing Business" (relatório do Banco Mundial que mede impacto das leis e regulações e da burocracia no funcionamento das empresas), o Brasil aparece nas piores posições possíveis no quesito pagamento de impostos: ficou na 184.ª posição entre 190 países. Também as nossas pesquisas mostram que o fator mais crítico para o desenvolvimento das empresas é a complexidade tributária e a insegurança jurídica que provêm dessa complexidade. Por essa razão resolvemos estudar os princípios do que seria uma boa reforma tributária.

Por que indicar princípios e não optar por um projeto A ou projeto B de reforma?

Há dois projetos importantes no Congresso: a PEC (proposta de emenda à Constituição) 45, que está na Câmara, e a PEC 110, que está no Senado. E um terceiro projeto do governo está por vir. Em vez de eleger um único projeto, achamos melhor apontar princípios fundamentais para que uma boa reforma pudesse ocorrer, sempre focalizando o que nos parece mais dolorido hoje para o empresário, que são os impostos sobre consumo e circulação (ISS, ICMS, IPI, PIS, Cofins). Se fizermos uma reforma simplificadora, uniforme, transparente, podemos dar um salto no crescimento no PIB de 10 pontos porcentuais em 15 anos.

Esses princípios são factíveis nos projetos que já estão o Congresso?

A estrutura fundamental dos dois projetos é igual: simplificação, unificação de impostos, cobrança no destino em vez de na origem, um mínimo de alíquotas. Porque hoje a confusão decorrente de um número muito grande de alíquotas gera muito custo e muito contencioso tributário em discussão na Justiça em diversas esferas. Hoje o contencioso tributário das empresas está em R$ 4 trilhões, o equivalente a 60% do PIB. Isso é imobilizador. É preciso fazer a reforma e seria muito conveniente que o governo apaziguasse de alguma forma o passado e desse uma direção mais clara sobre os temas sub judice para a frente.

Isso trava a economia?

Sim, porque o investidor se pergunta: que imposto eu vou pagar? Quanto eu coloco na minha conta? Qual é o retorno? Isso é gravíssimo. O contencioso tributário das empresas no Brasil é centenas de vezes maior do que no restante do mundo.

Como se resolve isso?

Possivelmente, uma força-tarefa vai ter de ser feita para equacionar a questão. Acreditamos que a fase de transição é muito importante, porque não se consegue fazer a reforma do dia para a noite. Por outro lado, ela não pode ser muito longa a ponto de se perder o impacto positivo. Nesse decorrer, é importante a pacificação desse contencioso tributário.

A reforma tributária, em relação à da Previdência e a trabalhista, é a mais difícil de ser feita?

Historicamente, foi uma das mais difíceis, mas sinto nesse momento uma certa predisposição das diversas esferas de governo, no nível executivo, tanto municipal quanto estadual, em consonância com a área federal. Há muitos pontos a serem resolvidos. Como passaremos a ter uma arrecadação única, quem vai dividir o bolo e vai gerenciar essa divisão do bolo? Há uma discussão se deveria ficar a nível dos Estados ou se deveria ficar no nível federal. Por vezes surge a hipótese de um IVA dual, com impostos estaduais e federais, o que gostaríamos de evitar. O risco é fatiar a reforma tributária e chegar a um sistema com complexidade maior do que se tem hoje, e não terminar a reforma efetivamente.

O governo jogou para o ano que vem a reforma tributária e colocou a administrativa na frente. O sr. acha que é uma sinalização dessa complexidade?

É uma preocupação muito forte, porque sabemos que o ano que vem é um ano eleitoral. Acho que essa condição de uma agenda comum entre Congresso e Executivo precisa ser aproveitada. É uma reforma difícil, e nós temos de mobilizar Estados, municípios, ter esses entendimentos, na verdade. E o Congresso a partir de junho e julho vai estar com uma outra agenda.

O sr. considera a reforma tributária a mais importante para destravar a economia?

O Brasil precisa de uma agenda de reformas muito grande. Não dá para dizer qual é a mais importante. Do ponto de vista empresarial, a tributária é a mais importante. Hoje, o sistema tributário reduz muito a produtividade do País, a alocação de recursos é feita de forma errada, porque tem incentivos fiscais e cargas tributárias diferentes, dependendo de como é o modelo de operação.

Qual a sua avaliação sobre a Zona Franca de Manaus?

A Zona Franca precisava ser revisitada nos propósitos e na forma como arrecada impostos com isenções. Temos avaliação de que o subsídio é da ordem de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões por ano, cifra muito pesada para beneficiar uma geração de empregos relativamente baixa.

::::OS 11 PRINCÍPIOS BÁSICOS DA REFORMA TRIBUTÁRIA PROPOSTOS PELA ENDEAVOR::::

- Legislação clara e simples

- Mínimo de exceções entre produtos e serviços

- Mais transparência e racionalidade em incentivos à atividade econômica

- Máxima neutralidade e mínima interferência nas empresas

- Estímulo à cooperação entre os entes da federação

- Segurança e previsibilidade para contribuinte e para o fisco

- Devolução garantida de crédito tributário

- Mais eficiência na administração tributária com menos ônus para contribuinte e Estado

- Transparência para consumidor sobre quanto paga de tributo

- Transição rápida e simplificada entre os regimes tributários

- Sistema tributário progressivo, que onere mais quem tem maior capacidade de pagar impostos

Estadão
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