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O fim do fim da história

Uma nova ordem multipolar pode ter os mesmos fundamentos da que hoje parece estar em mutação

17 jul 2018 - 04h11
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Em 1989, Francis Fukuyama publicou na revista The National Interest instigante artigo em que afirmava o "fim da história". Dizia ele, então, que a cadeia de eventos observados na última década, em particular o fim da guerra fria, não permitia outra conclusão que não o fato de que algo muito fundamental estava ocorrendo na história mundial: o Ocidente havia triunfado, ou melhor, haviam triunfado os valores do Ocidente, evidente pela total exaustão de alternativas viáveis ao liberalismo ocidental. 

Não se tratava somente do fim da guerra fria, mas o fim da história como tal: isto é, o ponto final da evolução ideológica da humanidade e a universalização da democracia liberal ocidental como forma final de governança humana. 

Coube aos Estados Unidos liderar esse "fim da história", com a defesa da democracia como forma de escolha dos governantes e a economia de mercado como organização econômica. No plano das relações internacionais, promover a liberalização do comércio sob regras gerais aplicáveis a todos com a criação do Gatt/OMC; o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento/Banco Mundial; o Fundo Monetário Internacional, para financiar desequilíbrios temporários nos balanços de pagamentos dos países-membros; e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), para defender os países europeus da ameaça bélica dos países do Pacto de Varsóvia.

Mr. Trump pretende fazer tábula rasa dessa construção. Exemplo disso é a imposição unilateral de barreiras tarifárias às importações provenientes da China e de outros parceiros sob o pretexto da segurança nacional ameaçada. Se tem por foco a China, atinge indistintamente os aliados dos Estados Unidos.

Questiona os fundamentos da Otan ao demandar o compromisso dos países europeus de despender 2% de seus PIBs com defesa. Não que esteja errado, mas o estilo atropelador é uma de suas marcas registradas, trazendo a público o que mais eficazmente é discutido a portas fechadas.

O que tudo isso indica? Diferentemente da forma elegante com que o império britânico cedeu o espaço da hegemonia aos Estados Unidos, Mr. Trump não aceita que o mundo vá se tornando multipolar, com a emergência de novos atores, especialmente da China. Incomoda em particular o plano China 2025, política industrial voltada a tornar a China não somente a maior potência industrial, que já é, mas na mais eficiente. Incomoda também a iniciativa Rota da Seda, instrumento principal de afirmação da China como potência regional na Ásia Central e em sua vizinhança.

Por tudo isso, o otimismo de Fukuyama mostrava-se, portanto, anacrônico, mesmo em 1989. Em 11 de setembro de 2001, a Al-Qaeda, em quatro ataques coordenados, mostrou pela primeira vez a fragilidade militar do Ocidente a uma forma de ataque antiga, que remonta pelo menos a Sarajevo no início do século passado. Outros atentados se seguiram em várias partes da Europa. 

As intervenções militares nos Estados Unidos em várias partes do mundo sublinharam o que começava a mostrar-se à vista de todos: a superpotência não se mostrava bem-sucedida como gendarme do mundo e protetora universal dos valores do Ocidente. Parecia já então que, longe de ter se afirmado de forma permanente, apenas atingia o auge de seu poderio. Novos polos de poder, com valores distintos dos ocidentais, emergiriam. 

No final da Idade Média era costume dizer-se que tempus senescit, o tempo envelhece. O Renascimento já aparecia em algumas paragens da Europa e a ordem medieval envelhecia. Não foi, contudo, o fim do mundo, mas um renascer. 

Não será uma tragédia se a hegemonia americana vier a ser, se é possível dizer, compartilhada. Uma nova ordem multipolar pode ter os mesmos fundamentos da ordem que hoje parece estar em mutação e que os da natureza humana: a aspiração pelos valores dos direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca da felicidade à maneira de cada um, nas palavras imortais de Jefferson, na Declaração da Independência dos Estados Unidos. 

ECONOMISTA

Estadão
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