'No futuro, vamos ter remédios para grupos específicos', diz geneticista brasileira
Cientista cria empresa para mapear DNA dos brasileiros e melhorar a saúde da população
A geneticista Lygia da Veiga Pereira diz ter uma missão: melhorar a qualidade de vida dos brasileiros. Para isso, ela criou a empresa gen-t (a pronúncia é gente), que começou a mapear o DNA da população com o objetivo de criar tratamentos e medicamentos mais eficazes para segmentos específicos da população.
Neta do editor de livros José Olympio, Lygia, que assume sua primeira investida na área privada, conta que quase seguiu o ofício do avô, mas sofreu a influência do ambiente escolar, não o de sua casa, para seguir sua profissão. "Acho que isso é muito influência dos professores que vamos encontrando no meio do caminho."
Ela afirma que o objetivo da gen-t é explorar a diversidade genética da população brasileira, com o mapeamento genético de 200 mil pessoas. "Se a gente não fizer (essa pesquisa), não poderemos incluir a nossa população na medicina de precisão", explica.
Ao Estadão, a geneticista afirma que é preciso adaptar os avanços científicos às peculiaridades genéticas de diferentes grupos, visando a criação de medicamentos específicos. A seguir, trechos da entrevista.
Fale um pouco sobre a gent-t, a empresa que você criou. Por que ela tem esse nome?
A ideia do nome é da união do gene com tecnologia, mas ela é uma empresa sobre a gente, sobre a nossa gente. E o que nós queremos é aproveitar a riqueza da diversidade genética da população brasileira para fomentar, acelerar a inovação na indústria da saúde. O que a gente quer é trazer à tona essa diversidade e, a partir dela, um milhão de conhecimentos novos podem surgir. E muitos deles aplicados para melhorar a saúde do brasileiro.
E qual é o propósito do negócio?
A gen-t começa em 2017, quando uma série de artigos começou a mostrar como estudos sobre genética humana e o uso dessas informações podem melhorar a saúde das pessoas. Chamamos isso de medicina de precisão. Só que esses levantamentos estavam sendo feitos a partir só de genomas de pessoas brancas, de populações que a gente chama como ancestralidade europeia. Por quê? Porque essas tecnologias de sequenciamento avançaram muito, mas elas ainda são muito caras e, por isso, aconteciam predominantemente na Europa e nos Estados Unidos. De repente, a comunidade científica se dá conta que a gente está desenvolvendo essa medicina de precisão para populações brancas, que ela é precisa mesmo só para gente de ancestralidade europeia. Nesse momento, eu falei: precisamos fazer isso aqui no Brasil, porque, se a gente não fizer, não poderemos incluir a nossa população na medicina de precisão.
E como funciona?
Criamos um grande projeto de pesquisa no qual recrutamos voluntários da nossa população. As pessoas que se interessam respondem um grande questionário sobre estilo de vida, pois não somos só genoma, somos também um resultado das escolhas que a gente faz. Esses voluntários passam então por um check-up em que a gente vai fazer medida, pressão, altura, peso etc. Fazemos também uma série de exames de sangue, porque queremos ter uma fotografia da saúde daquele indivíduo. Nesse momento, há um termo de consentimento em que explicamos o projeto. Ali, falamos que vamos usar esses dados comercialmente. A pessoa escolhe se ela quer ou não participar. Se aceitar, ela permite que busquemos o histórico de saúde dela nos prontuários eletrônicos. Esse voluntário então doa um tubinho de sangue que vai virar DNA no nosso laboratório. Esse DNA vai virar sequência, que vai virar dado. Isso tudo alimenta a nossa plataforma.
Você acha que no futuro teremos medicamentos só para um indivíduo ou uma família?
Economicamente, acho isso bem difícil, mas você vai ter medicamentos para grupos de pessoas. Você vai entender melhor que tem um certo porcentual da população que tem uma variação genética específica, que faz com que o remédio A seja mais efetivo do que o remédio B. Quando você vai a um psiquiatra e precisa de um antidepressivo, a única forma de saber qual é o que vai funcionar para você é testando. É tentativa e erro. O que a gente pretende é saber quais são as variações genéticas de cada um de nós que vai fazer com que determinado remédio seja eficiente para uma pessoa ou outra.
E qual o número de pessoas que vocês pretendem atingir?
Nosso objetivo é chegar a 200 mil pessoas na plataforma até o final de 2027. É uma meta superambiciosa, mas é possível. Com esse número, temos um poder estatístico para responder a muitas questões.
Você é neta do famoso José Olympio. O seu pai também era editor de livros, os seus irmãos criaram a Sextante e hoje são sócios da Intrínseca e você tem um irmão banqueiro. Como você foi parar nesse setor?
Quando eu era criança e adolescente, eu era muito próxima do meu pai. Na época, ele tinha uma editora, a Salamandra, que era uma editora voltada para o público infantojuvenil. Estava indo por aí, mas, de repente, quando eu passei para o ensino médio, voltei para fazer exatas. Acho que isso é muito influência dos professores que vamos encontrando no meio do caminho. Agora, temos na família essa epigenética, que é a influência do ambiente, de ter sido neta de José Olympio, que realmente é um homem muito voltado à missão da cultura brasileira. Então, carregamos isso de fazer a diferença.
Quanto da nossa personalidade na fase adulta é genética ou é aprendida?
Do ponto de vista rigoroso, usamos estudos de gêmeos para testar qualquer característica. A gente compara gêmeos univitelinos, idênticos, com os não idênticos. Aí eu acho que essa coisa de a personalidade ser genética incomoda um pouco as pessoas. Mas pense em raças de cães. Eles são cruzados e vão selecionando não só a aparência, mas o temperamento. Acho que isso é uma enorme demonstração de como a personalidade tem componentes genéticos.