'Não temos no mercado americano a nossa razão de vida', diz Mendonça de Barros sobre o tarifaço
Economista fala que Trump, ao invés de ajudar, está atrapalhando o país, mas alerta para problemas no comércio global
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, adiou para a semana que vem a aplicação do tarifaço às exportações globais, incluindo o Brasil, que deve ser punido com a maior taxa, de 50%.
A leitura de José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica e sócio-fundador da consultoria MB Associados, é de que a economia global sairá perdendo.
Em live realizada pelo Estadão nesta sexta-feira, 1, com mediação do repórter Luiz Guilherme Gerbelli, o economista afirma que o sentimento de incerteza deve permanecer mesmo após a elevação das tarifas. "Ninguém tem certeza de que o quadro de ontem vai se manter ao longo do tempo", justifica.
Neste momento, entende Barros, todos os países estão repensando interesses e redesenhando fluxos de comércio, o que deve paralisar o setor.
As medidas de Trump derrubam atividades nos EUA, mas também em todo o mundo, lamenta. "E um mundo com menos comércio cresce menos do que um mundo com mais comércio".
Na visão do economista, a inflação deve aumentar nos EUA e as empresas vão começar a repassar este aumento de preços aos consumidores, o que resultaria em um crescimento menor.
Com o Banco Central pressionado, diz, a instituição terá que escolher entre aumentar os juros para segurar a inflação ou baixar os juros para atender ao mercado de trabalho.
"A situação tende a piorar e a competitividade a reduzir. Até porque o Trump também está atacando as universidades e a ciência. As bases estão ficando prejudicadas", alerta Barros.
Crise no multilateralismo
A conclusão do ex-secretário de Política Econômica é que depois dessa taxação o mundo não deve voltar ao cenário de multilateralismo que existia antes. Em vez disso, será um mundo com menos regras comerciais, mais protecionista e com a consolidação de dois grandes polos no mundo: China e Estados Unidos.
"Leva um certo tempo para o mercado estabilizar e isso deve afetar o Brasil, que sempre foi um global trader", analisa. "Também veremos menos crescimento, menos comércio e muito esforço para a criação de novos canais e acordos entre diversas regiões para diminuir a dependência do mercado norte-americano".
Impacto no Brasil
Atualmente, os Estados Unidos são o segundo maior destino de exportações do Brasil, atrás apenas da China. No entanto, diante da ampla lista de exceções a diversos produtos brasileiros, a previsão é que o impacto será relativamente modesto na economia nacional, com influência suave no PIB.
"A perda macro é relativamente modesta. A carne, por exemplo, pode ser redirecionada para outros países. A demanda do produto é maior do que a oferta no mundo", diz, além de antecipar a inclusão do café na lista de exceções do tarifaço.
Em contrapartida, Barros chama a atenção para os setores que vão precisar lidar com a taxação de 50%. Ele cita o mel produzido no Piauí, as rochas ornamentais produzidas no Espírito Santo e o açúcar orgânico, produzido em São Paulo. "São coisas difíceis de redirecionar rapidamente para outros lugares", comenta.
Plano de resposta
O economista teme que a resposta provoque sequelas de longo prazo na economia brasileira. "Além da situação fiscal não ser positiva, o Brasil viveu uma experiência ruim com o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), que foi absolutamente distorcido e até hoje custa uma fortuna para o tesouro. Não pode nem de perto repetir uma coisa dessas".
A sugestão do economista é que os Estados tomem a frente para ajudar as empresas locais que dependiam do comércio americano.
Por outro lado, a expectativa dele é que o Brasil possa até sair da lista em breve. Isto porque existe superávit para os EUA. O que dificulta esta reviravolta é a questão política.
"O plano de Trump é feito de forma atabalhoada. E sendo uma decisão essencialmente política, é difícil analisar do ponto de vista da racionalidade. Até porque o efeito econômico será o oposto do que ele queria. Em vez de ajudar, ele está atrapalhando o país", afirma.
O resultado deve ser uma migração das exportações brasileiras para outros países. "Não temos no mercado americano a nossa razão de vida", diz Barros.
A lição para o futuro das exportações está na abertura das indústrias, acredita. "Temos de aproveitar essa oportunidade para tornar a indústria mais competitiva e aberta, enquanto o setor de commodities, o agronegócio e o minério já sabem como fazer isso", ilustra. "É o momento de ter maior abertura para fazer deste limão uma limonada".