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'Tenho receio das ideias velhas', diz Nilson Teixeira sobre volta de políticas intervencionistas

Ex-Credit Suisse diz que meta atrelada à dívida parece 'equívoco' e o melhor seria limites para tipos de gastos junto com cronograma para entregar resultado positivo nas contas de até 2,5% do PIB

11 ago 2022 - 15h11
(atualizado às 17h46)
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BRASÍLIA - O economista Nilson Teixeira, ex-Credit Suisse e atual sócio da Macro Capital Gestão de Recursos, defende o fortalecimento da política fiscal no próximo governo por meio de um cronograma para a realização de superávit primários (contas no azul) até um patamar entre 2% a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim do próximo mandato. O modelo contemplaria limites para tipos de gastos, como social, pessoal, Previdência e investimentos.

Para ele, a ideia de se criar uma regra atrelada à dívida seria "um equívoco". Na sua avaliação, o Congresso atual depois das eleições deveria votar logo uma mudança no arcabouço da regra fiscal porque o teto de gastos, regra que atrela o crescimento das despesas à inflação, já está morto desde 2020.

Um dos primeiros representantes do setor financeiro a escrever que o mercado não precisa ter medo de um novo governo Lula, Teixeira diz que o ex-presidente pode construir um programa que leve o País a uma situação melhor. O risco, admite, é que as políticas intervencionistas ainda estejam presentes: "Tenho receio das ideias velhas".

Para Teixeira, Congresso deveria votar uma mudança no arcabouço da regra fiscal Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Ao menos entre os economistas do mercado e investidores, o futuro da política fiscal é o tema mais falado e esperado. Como vê as mudanças no teto de gastos?

A regra do teto está morta desde 2020 e uma nova precisa ser buscada. O próprio governo está estudando alternativas. A minha preferência é por uma regra de superávit primário com cronograma para se chegar num superávit primário de 2%, 2,5% do PIB no fim do governo, que seria o patamar necessário para manter a dívida estável. Em conjunto, se estabelece algumas regras de limitações para os gastos. Se for para gasto social dos mais pobres, um limite. Se for para folha de pagamentos do funcionalismo, outro limite. Para aposentadoria, outro limite. Um limite para investimento. Obviamente, não faria sentido criar 500 limites, mas um conjunto de três ou quatro parece razoável.

Como avalia a regulamentação em estudo pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, de dispositivo constitucional que determina uma meta para a dívida?

Ter regra para dívida é um equívoco. Em 2020 e início de 2021, bons economistas falavam em dívida chegando a 100% do PIB num prazo exíguo. Hoje, a dívida está abaixo de 80% do PIB. Isso demonstra que é muito difícil projetar a dívida. Até porque, quando se está combatendo a inflação, os juros aumentam e a dívida pode acelerar temporariamente, antes de recuar. Não é o caminho. O superávit primário é a melhor regra, ainda mais se acompanhada por limites para as despesas. Caberá ao Congresso, representando a sociedade, decidir se quer gastar mais, o que exigiria aumento dos impostos.

A situação fiscal hoje do País é de risco elevado?

Eu vejo comentários de analistas dizendo que os juros têm de aumentar mais porque o Brasil carrega uma bomba fiscal. Não há esse risco de insolvência da dívida, no meu entender. A discussão fiscal está muito mais atrelada ao crescimento potencial da economia. Dívida alta dificulta o crescimento.

De que forma atrapalha o crescimento?

Por exemplo, com uma meta de superávit, se o governo gastar mais, tem que cobrar mais impostos. O resultado primário será o mesmo e consequentemente a sua capacidade de pagar a dívida continua a mesma. Não gera maior risco de insolvência da dívida, excluindo-se, naturalmente, os casos extremos. O que essa estrutura de impostos elevados gera é uma menor capacidade de crescimento econômico. O impacto negativo da situação fiscal, portanto, não é nem a insolvência nem uma eventual inflação muito maior e sim um crescimento mais baixo.

Você está defendendo a volta de uma política fiscal arroz com feijão com base no resultado primário das contas públicas. É isso?

Não chamaria de arroz com feijão, mas a volta do superávit primário com limites rígidos sobre a expansão do gasto.

Poderia detalhar um pouco mais como seriam essas restrições?

Eu sugiro um gasto das despesas de, no máximo, inflação mais o crescimento do ano anterior, limitado ao crescimento potencial do país de 1,5% ao ano. Além disso, a folha do funcionalismo não poderia crescer mais do que a inflação. A alta das aposentadorias também precisa ser limitada, desatrelando aumentos à inflação e não ao salário mínimo. Assim, será necessária uma nova reforma previdenciária.

Entre as reformas, qual deveria ser a primeira a ser feita pelo próximo presidente?

Eu iria dizer a tributária, mas talvez o mais correto seja falar de uma reforma que busque o atendimento mais amplo das camadas mais pobres. Essa seria a reforma principal: reduzir a miséria de uma maneira mais ampla. Isso exigiria alterações profundas nas questões tributária, educacional, de saúde, administrativa e de segurança pública. Crucial mesmo é fazer tudo o que for necessário para a redução da pobreza e a extinção da miséria.

A elite brasileira tem dificuldade para entender a importância dessa prioridade?

Não me parece. Não encontro ninguém que seja contra a redução da pobreza e a eliminação de benefícios exagerados.

Desde que não tire os seus privilégios?

Sim. O problema é mesmo como fazer esse corte. Se chegar perto de alguém que recebe muitos dividendos e quase não paga imposto e disser 'vamos aumentar os tributos', haverá o choro natural. Isso vale também para os taxistas, que têm incentivos. Todo mundo acha que os seus benefícios são muito justos e não são privilégios. Essa é a dificuldade. Cabe ao presidente, junto com o Congresso, arbitrar e decidir quais são os privilégios que serão retirados para gastar os recursos em outras finalidades.

Especialistas do chamado "Grupo dos Seis" e economistas do PT defendem uma liberação de gastos especial, uma espécie de "waiver" (licença para gastar), em 2023, até que se reformule o arcabouço fiscal. É um caminho para resolver o problema de curto prazo, inclusive para manter o Auxílio Brasil em R$ 600?

O risco é desse waiver ser prorrogado por muito tempo. É o que geralmente ocorre. O adequado seria o atual Parlamento contribuir para que as propostas do futuro governo comecem a deslanchar. Articular medidas mais relevantes em relação ao Orçamento de 2023. Não tenho dúvidas que há mecanismos existentes hoje que permitem continuar concedendo R$ 600 ou mesmo R$ 800 para as famílias por alguns meses, cortando ou eliminando outras despesas. O apropriado seria fazer com que todas as transferências de renda fossem incorporadas no âmbito do Bolsa Família, o atual Auxilio Brasil. Entre essas transferências ou benefícios, eu incluiria o abono salarial e o salário desemprego. Mas há vários outros.

Mesmo se parte substancial dos parlamentares não seja reeleita?

É verdade que, em geral, há uma renovação enorme no Congresso. Mesmo assim, os líderes dos partidos continuam os mesmos. É bem provável que os partidos e, principalmente, os congressistas que apoiam o atual governo continuarão a apoiar o próximo governo, qualquer que seja o vencedor das eleições.

O Congresso atual, então, deveria dar condições para a mudança da regra fiscal ainda este ano?

Se o novo governo decidir, por exemplo, que a nova meta será o superávit primário com alguns limites, não vejo razão para que o atual Congresso não discuta e aprove essa proposta. O adequado seria que o atual Congresso aprovasse, em conjunto com a votação do Orçamento, esse novo arcabouço fiscal. No caso de isso não ocorrer, há possivelmente instrumentos na legislação tributária para que o futuro governo possa antecipar parte das transferências tidas como vitais por dois, três ou quatro meses.

Como estará a economia em 2023?

As pesquisas sinalizam que o Lula vai vencer as eleições. É o cenário mais provável, embora eu julgue que essa vitória será mais difícil do que as atuais pesquisas indicam. A menos que haja algo que não esteja no radar, vai ser uma disputa no segundo turno, mas ao fim acho que o ex-presidente Lula ganhará. Torço para que o novo governo consiga focar na melhoria das condições de vida dos mais pobres e na redução da pobreza. Minha torcida é que a norma número um nas discussões sobre a manutenção ou criação de todas as políticas seja a pergunta "essa política melhorou ou melhorará a vida dos mais pobres nos últimos x anos?". Entendo que seja possível construir um programa que leve o País a uma situação melhor do que se encontra hoje em todas as frentes.

Quais seriam os riscos?

Se as políticas seguirem pelo caminho do aumento do dirigismo do Estado, do fim da venda de concessões, da manutenção dos inúteis benefícios e privilégios, é muito provável que o cenário seja desfavorável. Seria o oposto do que advoguei antes. Teremos, então, um cenário de inflação mais alta, crescimento mais baixo e uma distribuição de renda ainda pior.

Você enxerga esse risco?

Sem dúvida, há esse risco. O meu cenário base é construtivo, com a implementação de várias dessas medidas nos próximos anos. Nesse aspecto prevejo um ambiente favorável para os preços dos ativos no curto prazo. Isso não quer dizer que o crescimento potencial saltará imediatamente de 1,5% para 3%. É um processo de longo prazo. Espero que o novo governo mantenha grande parte das políticas que estão sendo bem-sucedidas. As reformas microeconômicas adotadas pelos governos Temer e Bolsonaro foram na direção correta. As medidas que estão sendo gestadas, por exemplo, para o Brasil fazer parte na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) estão na direção certa. A redução de impostos é um caminho adequado, mas só é possível se o governo reduzir muito as renúncias tributárias.

Você acha que o governo consegue aprovar uma reforma tributária razoável?

Sim. Parece-me, porém, que o caminho mais seguro para finalmente se avançar com essa reforma seria aproveitar as propostas que já estão em tramitação no Congresso. Entendo que se o PT vencer as eleições, terá algumas propostas adicionais. No entanto, seria um erro propor uma nova reforma. Seria similar ao erro cometido pelo atual ministro da economia. O ideal seria os parlamentares do PT proporem emendas incluindo esses ajustes à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em tramitação. É sempre bom ter em mente, porém, que os impostos precisam ser calibrados em função do que o governo decidir em termos de gastos. Se quiser gastar mais com programas novos ou ampliar programas existentes, mas não quiser reduzir outros gastos, terá que aumentar impostos. Um cenário de superávit primário com tributos ainda mais altos é compatível com continuar com um crescimento econômico muito baixo.

Você foi um dos primeiros a escrever num artigo que o mercado não precisa ter medo de um novo governo do ex-presidente Lula. O que o mercado cobra?

Há sempre o risco de as políticas intervencionistas serem ampliadas. Tenho receio das ideias velhas. A sociedade quer reduzir a pobreza e a desigualdade de renda, bem como ter um País que cresça mais. Todos os candidatos querem o mesmo. A questão é como fazê-lo. No papel tudo cabe. Temos longa experiência de medidas que não ajudaram na redução da pobreza, mas, mesmo assim, continuam existindo e garantindo a transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos. Não faz sentido ter profissionais liberais ganhando R$ 300 mil e pagando pouquíssimo imposto, enquanto outros ganhando R$ 7 mil pagando muito mais em termos relativos.

A interpretação inicial do mercado foi negativa às diretrizes do governo do PT.

Há o entendimento de que as diretrizes não representam, necessariamente, as medidas que serão adotadas pelo novo governo. Mesmo assim, tenho a leitura de que é possível ter um plano de governo em linha com grande parte do que as diretrizes defendem e, mesmo assim, ter uma boa acolhida pelos participantes de mercado. Há várias medidas, seja na questão ambiental, de saúde, de segurança pública e da educação, que teriam ótima repercussão entre os participantes de mercado. Por exemplo, na área educacional, onde é crucial recuperar as enormes perdas geradas com a pandemia, há várias ações que, se tomadas em conjunto com as secretarias estaduais e municipais, contribuiriam para melhorar o ensino no país. Estimular a disseminação de iniciativas de sucesso, talvez com parcerias com organizações não-governamentais, é um dos caminhos para a recuperação dos indicadores educacionais.

E o tema das privatizações, por exemplo, que integrantes do PT têm posicionamento contrário?

O ex-presidente Lula já deixou claro que não haverá privatização da Petrobras, dos Correios e do Banco do Brasil. Há, porém, aqueles que defendem a reversão das privatizações feitas em governos anteriores ou a compra de ações de empresas outrora estatais. Seria uma péssima forma de utilizar recursos públicos escassos. Seria adequado avançar um pouco e fechar alguns órgãos ou, ao menos, juntá-los a outros órgãos, para tentar melhorar a contribuição pretendida e dificultar desvios de recursos. Apesar dessa opção de não avançar com as privatizações, me parece razoável assumir que todo o processo de venda de concessões tanto na área de transportes, como na área de saneamento básico pode ser estimulado por um governo PT.

E a reforma administrativa tem chance de sair em um eventual governo do PT?

O próprio ex-presidente Lula defendeu de forma pública a reforma administrativa recentemente. A reforma deveria premiar os servidores que de fato são altamente produtivos. É errado, no meu entender, que as regras alcancem apenas os novos integrantes. Parece-me que a regra precisa ser para todos.

Propostas de redução de renúncias não avançam. A última tentativa incluída na emenda emergencial foi um fiasco. Como fazer para dar certo?

Fiasco porque faltou coordenação do Executivo, em particular do presidente da República, junto ao Legislativo. Certamente, não foi um motivo de preocupação central do atual presidente. Seria fundamental que isso mudasse, mesmo se Bolsonaro for reeleito. Há necessidade premente de redução, mesmo que escalonada, dessas renúncias. É crucial exigir a comprovação quantitativa - e não uma defesa apenas no gogó - de que as medidas existentes ou que estão sendo propostas comprovem que trazem benefícios para a redução da pobreza ou o aumento da produtividade.

Por exemplo?

Tem renúncia para água mineral, não faz sentido dar esse subsídio quando uma parte significativa da população não tem nem água encanada. Do mesmo modo, não faz sentido dar subsídios para taxistas, pois pobre não anda de táxi. O País passou quase quatro décadas com renúncias que não foram bem-sucedidas. A Zona Franca de Manaus é uma delas. É preciso buscar alternativas para a Zona Franca de Manaus. Os subsídios já existem há décadas e não garantiram aumento das exportações. A ideia em geral de uma zona franca é a de acrescentar valor agregado com exportações, a partir de isenções nas importações. Aqui no Brasil não é assim. Há benefícios para produzir concentrado de refrigerantes para consumo doméstico. O Simples é outra. Os estudos disponíveis demonstram que os benefícios do Simples são escassos, alcançando muito mais os mais ricos do que os mais pobres. Todavia, o que se vê são contínuos aumentos de limites para inclusão no Simples. É um erro O governo deveria focar em políticas que comprovadamente beneficiam a camada mais vulnerável da sociedade. Certamente, esses dois programas, assim como tantos outros, não trouxeram esses benefícios. Portanto, precisariam ser reformulados. O presidente eleito deveria manter programas que garantam os benefícios dos mais pobres e reformular os que não melhoram a vida dos mais pobres.

Dá para fazer isso em quatro anos?

Terminantemente, não. Tudo começa, porém, com vontade política. Será uma luta mesmo, mas é necessário dar o primeiro passo. A gente não sairá desse pântano ficando só nas coisas fáceis. Sendo preciso, quando falo em pântano, me referir à situação dos mais pobres e, consequentemente, do País.

Estadão
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