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Loteamentos Urbanos: Descompasso entre ações de empresas e do poder público gera desordenamento

Executivos do setor afirmam que, para viabilizar empreendimentos, loteadores tiveram de assumir obrigações de gestores públicos

10 out 2025 - 03h12
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Os loteamentos começaram a partir da divisão de terras — geralmente áreas que perderam a capacidade rural — realizados pela iniciativa privada: empresários que compraram e, em seguida, venderam terrenos onde, depois, formaram-se zonas urbanas com casas, comércios, ruas, escolas e praças. Somente 20% das áreas urbanizadas no Brasil foram projetadas pelo Estado — administração federal, estadual, ou municipal. Os números são da Associação das Empresas de Loteamento Urbano, a Aelo.

O grande problema desse modelo é que ele nunca contou com o poder público como parceiro para a construção dos bairros. E isso pode ser sentido ainda hoje nas cidades brasileiras que apresentam problemas como ocupação irregular de áreas de risco, áreas alagáveis, falta de infraestrutura básica (saneamento, transporte), poluição e favelização.

"O setor de loteamentos sempre foi mal compreendido, considerado vilão da especulação imobiliária, mas o que aconteceu, na verdade, foi que tivemos de assumir o papel social do governo", disse Lair Krahenbuhl, diretor da empresa de loteamentos Consurb e ex-secretário de habitação do município de São Paulo (2003 a 2009), do Estado e ex-presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), de 2007 a 2010.

Atualmente coordenador do Núcleo de Estudos Legislativos do Sindicato da Habitação (Secovi-SP), Krahenbuhl foi um dos participantes do painel Do Lote ao Lar: Como o Setor de Loteamentos Constrói a Vida das Pessoas, no Fórum Estadão Loteamento Urbano e Segurança Jurídica, realizado na segunda-feira, 6, em São Paulo.

Painel no 'Fórum Estadão Loteamento Urbano e Segurança Jurídica' reuniu Circe Bonatelli (mediador), Lair Krahenbuhl (Consurb), Caio Portugal (Aelo), Antonio Carlos da Costa (Secovi-Goiás) e Claudio Bernardes (Ingai)
Painel no 'Fórum Estadão Loteamento Urbano e Segurança Jurídica' reuniu Circe Bonatelli (mediador), Lair Krahenbuhl (Consurb), Caio Portugal (Aelo), Antonio Carlos da Costa (Secovi-Goiás) e Claudio Bernardes (Ingai)
Foto: Helcio Nagamine/Estadão / Estadão

A história de assumir deveres que seriam da administração pública começou, em São Paulo, nos anos 70, segundo Claudio Bernardes, diretor da Ingaí Urbanismo e ex-presidente do Secovi-SP, que também participou do painel.

Fundada em 1949, a Ingaí foi responsável por loteamentos populares em São Paulo que hoje são grandes bairros tradicionais da capital, como Vila Guilherme, Parque Marajoara, Parque Bristol e Jardim Yara, entre outros.

"Naquela época, a gente vendia os terrenos e doava tijolo e telha. As pessoas, elas mesmas, construíram suas casas, muitas das vezes. O financiamento que se oferecia era muito baixo, em parcelas que hoje, em valores corrigidos, seriam em torno de R$ 218, R$ 168, em 20 anos, conforme cálculos que eu mesmo fiz", conta ele. A partir da década de 70, a prefeitura paulistana — e mais tarde outras cidades do Estado e do País fizeram o mesmo — passaram a exigir, por meio de leis, que os loteamentos só podiam ser vendidos desde que oferecessem uma infraestrutura mínima, por exemplo: calçamento, água, luz, asfalto, esgoto.

"Como o setor sempre se autofinanciou, sem que o cliente pudesse utilizar os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para comprar um lote (para usar o FGTS num terreno, a compra precisa estar vinculada a um financiamento para a construção de um imóvel, por meio de programas como o Aquisição de Terreno e Construção da Caixa Econômica Federal), o custo dessa infraestrutura encareceu os lotes e as empresas passaram a focar em públicos de maior poder aquisitivo", explicou Caio Carmona Cesar Portugal, presidente da Associação das Empresas de Loteamento Urbano, a Aelo.

"A prestação do lote, que era uma coisa que se podia absorver, passou a pesar muito para essa população. Hoje, um loteamento popular não tem parcela que custe menos de R$ 800, R$ 900", afirmou Bernardes. Ou seja: basicamente, a população mais pobre passou a depender ou de programas habitacionais, ou de invasões para construir suas moradias.

"Essa foi uma legislação muito equivocada. Acusavam a gente de fazer loteamentos que iam se tornar favelas, mas eles, na verdade, e os bairros estão aí para provar isso, viraram zonas urbanas muito organizadas. O que, na verdade, provocou desordenamento urbano foi empurrar deveres do poder público para a iniciativa privada sem oferecer nenhum subsídio, nenhum financiamento", disse Bernardes.

'Não existe habitação social sem antes ter um lote social'

Ele admite que, no passado, isso provocou também erros da indústria privada, como ligar rede de esgoto a córregos. "Mas era uma consciência ambiental que a gente não tinha ainda", disse. Como mudar? Tanto o poder privado quanto a administração pública deveriam convergir esforços na hora de planejar loteamentos e bairros, dizem os especialistas. "Não existe habitação social sem antes ter um lote social. Se a gente não conseguir subsídio para quem compra lote social, não vamos ter o objetivo final, que é a população morando num lugar urbanizado", disse Antônio Carlos da Costa, presidente do Secovi-Goiás e diretor da Tropical Urbanismo e Incorporação.

Por isso, representantes do setor pediram ao governo federal que o financiamento de lotes fosse contemplado com subsídios dentro do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). O trabalhador poderia comprar das empresas terrenos para autoconstrução assistida. "Com R$ 200 mil de financiamento, em vez de oferecer um apartamento, se o programa financiasse a autoconstrução e o lote, o potencial passaria para cinco ou seis unidades com o mesmo dinheiro", disse Bernardes.

"A gente entraria até com 'startups' que ajudavam na autoconstrução das casas, com projetos aprováveis na prefeitura", disse o presidente da Aelo. Neste ano, então, o programa passou a permitir a compra de lotes, com a possibilidade de financiamento de terreno e de construção. "Mas, quando essa parte do MCMV foi materializada, esse financiamento, de R$ 10 bilhões, acabou não indo para o setor privado. Foi para as prefeituras", disse Portugal.

Estadão
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