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Especialistas contestam critérios para definição de pobreza

Continuam as dúvidas sobre a capacidade de o novo programa de transferência de renda reduzir a desigualdade no Brasil

7 nov 2021 - 05h11
(atualizado às 14h30)
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A atualização dos critérios para definição de pobreza que vão definir quem terá direito ao Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, não afastou as dúvidas sobre a capacidade de o novo programa de transferência de renda reduzir a desigualdade no País e acabar com as filas de pedidos para receber os benefícios.

Auxílio Brasil é o programa que deve substituir o Bolsa Família
Auxílio Brasil é o programa que deve substituir o Bolsa Família
Foto: Rafael Lampert Zart/ Agência Brasil / Estadão

As faixas de renda ficaram aquém do necessário e deveriam ter subido, no mínimo, para cerca de R$ 107 (extrema pobreza) e R$ 215 (pobreza) com base na inflação (INPC) acumulada desde a última correção das faixas usadas como referência para delimitar as famílias com direito a receber o auxílio do governo.

O Bolsa Família considerava como famílias em situação de extrema pobreza aquelas que têm renda mensal de até R$ 89 por pessoa. Esse valor foi reajustado para R$ 100, de acordo com o decreto publicado na sexta-feira em edição extra. Já a situação de pobreza caracterizada pela renda de até R$ 178 por pessoa subirá para R$ 200. É uma ampliação que nem sequer atualiza as linhas pela inflação, afirma a socióloga Leticia Bartholo, pesquisadora referência no tema no Brasil, ex-gestora do Bolsa Família, que atua hoje como assessora parlamentar.

"Não resolve nem a fila existente. Qual será o impacto sobre a pobreza? O governo não apresentou", critica. Segundo ela, a nota do governo de anúncio do reajuste já deixa claro que o reajuste de agora e o auxílio de novembro não contemplam a fila, dependendo ainda da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios, aprovada em primeiro turno na Câmara com folga de apenas 4 votos.

De olho na reeleição em 2022, Bolsonaro prometeu um Auxílio Brasil de R$ 400, mas o reajuste anunciado de 17,84% garante apenas uma parte (R$ 217,18) do benefício anunciado. O restante - que será temporário até o final de 2022 - depende de aprovação da PEC.

A maior incerteza que está no radar dos especialistas é saber se o Auxílio Brasil, sucessor do Bolsa Família, que dá seu último suspiro no próximo dia 8, resolverá os problemas não só das filas já existentes de pedidos de acesso ao programa com também das novas filas que serão formadas de pessoas que estavam recebendo o auxílio emergencial. "As incertezas são enormes", alerta, que admite que, ao optar por um valor de R$ 400, o governo pode acabar deixando muitas famílias que precisam do benefício fora do programa.

Novos pedidos de acesso ao Cadastro Único, sistema nacional que registra os dados de quem pede para entrar na rede de proteção social pública, ficaram comprometidos durante a pandemia da covid-19. O governo promete acabar com a fila ao ampliar o programa de 14,7 milhões para R$ 17 milhões. A fila antiga está em cerca de 2 milhões de famílias, mas vai aumentar com o fim do auxílio emergencial. O número de beneficiados do auxílio emergencial, que não estavam no Bolsa Família, é de 5,3 milhões de famílias.

Para a especialista, a discussão do benefício temporário não deveria dar espaço para aumento de emendas e outras demandas eleitoreiras, e o escasso orçamento do Auxílio Brasil permanente torna ainda mais problemático o desenho do novo programa. Ela defende uma divisão clara, separando o auxílio básico para a redução da pobreza do restante dos bônus de estímulo e valorização dos beneficiários.

Como o orçamento do Auxílio Brasil permanente não é capaz sequer de abarcar as cerca de 2 milhões de famílias da fila, diz Leticia, que considera que torna ainda mais sem sentido fixar os novos tipos de auxílios, que só estarão disponíveis às famílias já recebedoras dos benefícios principais. Na prática, uma família pobre pode receber os benefícios básicos e os demais benefícios, enquanto outra, tão pobre quanto, estará na fila, sem nenhum acesso à transferência governamental. "É preciso corrigir esta competição orçamentária", alerta.

Estadão
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