'ESG não é só uma coisa bonitinha: ele antecipa os riscos e ajuda a evitá-los', diz especialista
Professora na FGV, na Fundação Dom Cabral e pesquisadora na USP diz que companhias que não adotarem boas práticas ambientais, de governança e socialmente corretas perderão espaço
ESPECIAL PARA O ESTADÃO - Enquanto uma onda anti-ESG (a sigla em inglês para Environmental, Social and Governance, o conjunto de práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa) se espalha pelo mundo, no Brasil, as companhias abertas se preparam para atender à obrigatoriedade de publicar relatórios financeiros de sustentabilidade.A imposição da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já começa, na prática, no próximo ano, que servirá de base para as primeiras publicações, em setembro de 2027.
"As empresas não vão se enquadrar só porque tem uma lei. Não vão só obedecer a determinação porque se não fizerem assim vão ter uma multa. O que conta, na verdade, é o fator reputacional e o quanto a companhia vai perder com isso se não se enquadrar", diz Fernanda Claudino, advogada, contabilista e gestora ambiental com mais de 12 anos de experiência em mercado de capitais, no campo jurídico e de sustentabilidade em companhias abertas.
Professora na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e na Fundação Dom Cabral, a também pesquisadora na Universidade de São Paulo (USP) é um dos destaques da edição 2025 do Summit ESG, evento que será realizado pelo Estadão, em 21 de agosto, no Teatro Bravos, em São Paulo (Rua Coropé, 88 - Pinheiros - mesmo prédio do Instituto Tomie Ohtake), a partir das 8h (credenciamento).
Fernanda participará do painel Onda Política contra ESG e o Desmantelamento da Governança, com Maria Emilia Peres, executiva com mais de 18 anos de experiência em sustentabilidade, estratégia e inovação.
Depois de uma grande ascensão, esta é a primeira vez que o setor enfrenta um grande revés. "Tivemos a pandemia que escancarou a desigualdade social, provocou o ativismo e mostrou que estava na hora de as empresas pensarem e agirem mais com foco no ambiente, na governança, na diversidade. Elas viram que o ESG não é só para ser uma coisa bonitinha: ele antecipa os riscos e ajuda a evitá-los", diz a especialista.
A corrente contrária - liderada pelo presidente americano, Donald Trump, ao contrário de enfraquecer, deve dar mais vigor e importância para as práticas sustentáveis. É isso ou elas vão perder ainda mais competitividade - ainda mais em tempos de procura por novos mercados para fugir do tarifaço americano.
A seguir, trechos da entrevista ao Estadão.
O recuo na agenda ESG nos EUA - com Trump retirando os Estados Unidos do Acordo de Paris no primeiro dia de governo, o encerramento de programas de diversidade e a prioridade no desenvolvimento de combustíveis fósseis, só para citar alguns exemplos - afeta a adoção de práticas ESG também no Brasil?
A gente tem os negacionistas, claro, mas as mudanças climáticas e tudo o mais são realidade. Há pessoas que pensam que não há aquecimento global. Porém, a gente bateu o recorde de temperaturas no ano passado. Temos os incêndios, temos o que aconteceu no Rio Grande do Sul. É a realidade batendo na cara das pessoas. Além disso, independentemente do ativismo externo de outro país, as empresas vão ter que fazer, vão ter que se enquadrar. Com a resolução 193 da CVM, as organizações de capital aberto terão que publicar relatórios financeiros de sustentabilidade a partir de setembro de 2027, em relação ao exercício de 2026. E não tem escapatória, tem que seguir. A gente também tem outra legislação agora, que virou lei, na verdade, que é o mercado regulado de carbono, que está sendo constituído. Ou seja, a gente vai ter um mercado regulado, em que os setores e as empresas vão ter metas para alcançar, para apresentar, vão ter penalidade se não cumprir. Mas as empresas não vão se enquadrar só porque tem uma lei. Não vão só obedecer a determinação porque se não fizer assim vai haver uma multa. O que conta, na verdade, é o fator reputacional e o quanto a companhia vai perder com isso se não se enquadrar. Aliás, o quanto ela vai perder e o quanto ela vai deixar de ganhar ao perder oportunidades por falta de alinhamento com as práticas ESG. Enfim, as empresas começaram a perceber, na minha opinião, que o ESG não está ali por um ideal. Na verdade, ele existe para antecipar os riscos e evitar essas perdas financeiras.
E as empresas que não estão na Bolsa?
As empresas de capital fechado, elas não são obrigadas. Porém, a gente tem uma resolução do Conselho Federal de Contabilidade (Resolução CFC nº 1.710, de 25 de outubro de 2023) que estimula empresas fechadas a também fazer esse exercício de ceder essas informações de ESG. Porque quando a gente pensa dentro de um ecossistema, uma empresa que é aberta e que vai precisar reportar à CVM, ela vai precisar de fornecedores, de empresas fechadas, que estejam de acordo com as suas práticas de sustentabilidade, governança e diversidade. É a cadeia de fornecedores. Então, quem já estiver de acordo com as normas, sai na frente, ganha competitividade e até mesmo em termos de atrair capital. E para disputar novos mercados, em outros países, por conta do tarifaço de Trump. O ESG é um diferencial que abre portas até para a expansão para novos mercados.
Como assim?
Por exemplo: riscos trabalhistas. Isso está dentro do S, trabalho escravo, que a gente viu casos recentemente também. O Ministério Público Federal fala disso toda hora. Isso colaborou para essa ascensão do ESG, para verificar esses riscos sociais e ambientais. Eles são riscos independente de ativismo, né? São riscos que estão dentro do negócio da empresa e que têm que ser mapeados, têm que ter o diagnóstico mapeado e evitado. Então, a gente vê os Estados Unidos indo contra… Mas a gente tem que lembrar também que cada país tem as suas leis, o seu arcabouço regulatório e, no caso do Brasil, a gente tem esse regulamento da CVM que está em vigor. E isso é custo para as empresas? É, mas acredito que todo esse trabalho, de ter que olhar pra dentro, se estruturar, ainda que tenha um custo inicial, ele vai ter retorno: a companhia vai também ter uma eficiência interna muito melhor porque ela já vai saber no que ela precisa melhorar, no que ela está boa, e em termos de competitividade também, em relação a outras empresas, seja do setor ou não, de outros países ou não.
Então a onda ESG pode deixar a agenda ambiental e social mais forte no final das contas?
Fernanda: Sim. O caso das Americanas, aqui no Brasil, aquela fraude bilionária, por exemplo, mostra isso. Ele serviu para criar um movimento muito grande dentro das companhias no quesito da governança. Porque a governança é o guarda-chuva que vai fazer com que as políticas internas de diversidade, sustentabilidade e ambiental funcionem. Por exemplo: a empresa está emitindo gás de efeito estufa. Então a gente precisa de uma política para reduzir essas emissões. A governança que, no fundo, vai orquestrar, toda essa banda que está tocando na parte do clima, do meio ambiente. A governança é extremamente importante para evitar fraudes. É ela que vai botar para valer esses compromissos.
Um levantamento da Economatica mostra que em 2010, do total de 6.866 fundos de investimento disponíveis no mercado, só 15 eram ESG. Ou seja: 0,22%. Esse número bateu recorde ano passado, com 144 fundos. Mas ainda é menos de 1% do total de fundos (0,55%). Em 2025 até o momento, temos 174 fundos ESG, 0,29% da oferta. Isso quer dizer que investidores não estão preocupados com ESG? Eles só consideram o lucro das empresas?
Não necessariamente, acredito que o real problema não é a falta de interesse dos investidores, mas sim as barreiras estruturais e de confiança que ainda limitam a expansão desses produtos. Os investidores buscam lastros para confiar no que é dito como ESG. Eles exigem evidência clara de valor financeiro e credibilidade robusta nos relatórios antes de se comprometer. Há demanda crescente, sim — mas é condensada em quem consegue ver evidência de valor financeiro sustentável e clareza nos dados. O próprio mercado está evoluindo para isso e há um cenário promissor — embora gradual. Neste sentido, acredito que a evolução regulatória está ajudando. Isso tende a melhorar a qualidade, comparabilidade e confiança dos dados.
Muitas companhias estão usando Inteligência Artificial para cortar gastos, muitas vezes com mão de obra. Isso é uma prática anti-ESG?
É uma questão de ESG. A gente fala da questão social, muito atrelada à diversidade e inclusão, à questão de gênero, de raça. Mas a inteligência artificial está substituindo as pessoas e isso é um fator social também. Recentemente, uma operadora de cartão de crédito nos Estados Unidos passou a usar IA para estabelecer o limite de cada cliente e a taxa de juros de cada um. Mas eles perceberam que a IA estava dando limites maiores para clientes mulheres, mas com uma taxa mais alta. E para os homens, um limite menor, com juros menores. O que aconteceu? As mulheres começaram a ir lá e reclamar. O que estava acontecendo é que a inteligência artificial utilizava o viés (o preconceito) de que mulher é mais assertiva com pagamento, mas também tem mais gasto. A ideia da mulher gastadeira, super consumidora. Por isso, teria que ter uma taxa de juros maior. No fim das contas, é uma questão de governança. A IA criou um risco para a empresa. A gente não pode confiar cegamente na IA porque ela não pensa, na realidade. Ela replica padrões. Quem pensa é a gente.
Serviço
O que: Summit Estadão ESG
Quando: 21 de agosto
Onde: Teatro Bravos (Rua Coropé, 88 - Pinheiros)