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Empresas de tecnologia da China suspendem planos de IPO nos EUA

Nova lei de segurança nacional de Pequim restringe abertura de capital de empresas chinesas no exterior que administram mais de 1 milhão de dados de usuários

22 jul 2021 - 15h20
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CINGAPURA - As empresas chinesas de tecnologia tentam navegar as ainda incertas águas do processo de abertura de capital, após as regras impostas pelo governo da China para IPOs (ofertas iniciais de ações, na sigla em inglês) no exterior. As novas exigências regulatórias, aliadas à insegurança de que outras surjam no meio do caminho - a legislação de cibersegurança ainda passa por revisões e está em processo de regulamentação -, devem botar um freio nos IPOs planejados no curto prazo e, segundo especialistas, não deve deixar de fora nem mesmo as techs já listadas, que também devem ser submetidas a um pente fino chinês.

Na semana passada, o governo chinês anunciou que todas as companhias que administram mais de 1 milhão de dados de usuários passarão por uma verificação de segurança e precisarão de aval governamental para abrir capital no exterior. O anúncio ocorre na esteira de uma série de ações que apertam o cerco regulatório em relação às techs desde novembro do ano passado. A regra é parte da lei de cibersegurança nacional, que foi implementada em junho, mas ainda tem vários pontos a serem esclarecidos e regulamentados.

Inseguras com os próximos passos do governo chinês, várias empresas já anunciaram a revisão de seus planos de abertura de capital no exterior. As decisões vão em direções diferentes, segundo aponta a analista sênior de geotecnologia da Eurasia, Lu Xiaomeng. O app de esportes Keep cancelou reuniões com investidores. A plataforma de podcasts Ximalaya indicou que deve mudar seu processo de abertura de capital para Hong Kong. A plataforma de dados médicos LinkDoc arquivou seu pedido de IPO na Nasdaq. A exceção parece ser a plataforma de educação Jianzhi, que anunciou que pretende ir adiante com seus planos de listagem nos Estados Unidos e incluiu a possível revisão dos processos de cibersegurança como um risco na operação.

"Várias companhias já suspenderam os planos de IPO em Nova York. Outras empresas que procuram levantar fundos deveriam reavaliar os riscos e benefícios de listagem em Nova York versus Hong Kong, Xangai e Shenzhen, ou considerar postergar os planos", aponta a especialista. Ela acredita ser possível que o governo chinês faça uma ofensiva mais contundente no futuro para garantir que as regras sejam aplicadas também a empresas que já estão listadas. "É possível que o CAC (Administração do Ciberespaço da China, na sigla em inglês) conduza uma revisão abrangente das companhias já listadas, uma vez que as regras forem finalizadas", completa.

Impacto nas ações

Não à toa, as techs chinesas sofreram nas últimas semanas. Desde 2 de julho, quando o regulador chinês advertiu a Didi - dona da 99 no Brasil, e que abriu capital nos EUA no ano passado -, o Golden Dragon China Index (índice do dragão dourado da China, em tradução livre), que reúne cerca de uma centena de empresas chinesas listadas na americana Nasdaq - principal bolsa americana para techs -, caiu quase 10%. As empresas chinesas, sobretudo no setor de tecnologia, tendem a preferir o mercado americano para abertura de capital, uma vez que as bolsas dos EUA têm processo de listagem mais direto, com regras consolidadas e investidores maduros, além da possibilidade de oferecer retorno aos acionistas em dólares americanos.

Para a sócia e advogada especializada em mercado acionário da Morrison & Foerster em Hong Kong, Marcia Ellis, o aperto na legislação tampouco deve fazer com que o fluxo de IPOs vá massivamente para as bolsas asiáticas, entre as quais a de Hong Kong é a de maior peso. "O projeto de lei não parece se aplicar para as listagens em Hong Kong, então algumas empresas devem mudar suas listagens para lá. Contudo, se a companhia tem dados que preocupam o PRC (o governo chinês), é muito provável que elas não sejam permitidas em Hong Kong. É amplamente conhecido no mercado que, quando a Bolsa de Valores de Hong Kong veta a abertura de capital de um candidato, se há algo potencialmente sensível, eles irão discutir o assunto com o regulador chinês", aponta.

O governo da China alega razões de segurança nacional para justificar as ações recentes. Com a crescente tensão entre EUA e China nos últimos anos, ambos os países se preocupam em proteger os dados dos usuários internos. No ano passado, por exemplo, os Estados Unidos já haviam aprovado uma lei que ameaça expulsar as chinesas das bolsas americanas se, até 2023, elas não permitissem às autoridades revisarem seus registros de auditoria, processo que vai de encontro às normas chinesas de segurança nacional.

O movimento chinês ocorre, portanto, em linha a uma onda global de preocupação com a segurança de dados e, ainda, com o desenvolvimento de um aparato legal adequado às fintechs. Mas os especialistas questionam o "timing" chinês, que parece sempre anunciar novas normas em momentos sensíveis para as companhias.

Por exemplo, as primeiras regras, em novembro, foram anunciadas dias antes do IPO do Ant Group, braço financeiro do Alibaba, e inviabilizaram a abertura de capital. As exigências mais recentes, por sua vez, ocorreram dias depois da listagem de US$ 4,4 bilhões da Didi, causando uma perda de quase 40% de seu valor de mercado. Os papéis da empresa caíram de US$ 18, no pico, dias antes do IPO, para US$ 11,05 no fechamento do pregão de segunda-feira.

O último rascunho da lei divulgado pelos chineses dá mais diretrizes e parece colocar no centro a noção de que os chineses tratam seus dados como um recurso político e econômico poderoso. De acordo com o South China Morning Post, um dos principais jornais de Hong Kong, as regras incluirão ainda a obrigatoriedade de que qualquer fraqueza identificada nos sistemas das empresas seja notificada ao Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da China em dois dias e proíbe empresas de tirar qualquer vantagem de vulnerabilidades ou brechas no sistema. Além disso, define que grandes indústrias, como a de telecomunicações, terão que repassar 10% de seus orçamentos de TI para medidas de cibersegurança. O rascunho também indica um plano de US$ 38,5 bilhões em investimentos em cibersegurança até 2023.

Estadão
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